Dilma Rousseff está cada vez mais perdida em seus devaneios. Percebendo que a versão de que é vítima de um “golpe” não colou, a presidente afastada investe agora numa tentativa desesperada de reverter no Senado a clara tendência pela decretação de seu impeachment. Está propondo uma ideia estapafúrdia: se for reconduzida ao Planalto, convocará um plebiscito sobre a antecipação da eleição presidencial. Aprovada nas urnas a tese da eleição, renunciará. E um novo presidente da República – ou uma nova presidente, sabe-se lá – se encarregará, com a legitimidade que ela acusa Michel Temer de não ter, de concluir o mandato.
A ideia de promover eleições, especialmente quando o País está mergulhado numa crise geral, tem algum apelo popular. Principalmente se for apresentada como um ato de generoso desprendimento por parte de uma mulher que se apresenta como injustiçada por seus inimigos, mas disposta a entregar nas mãos do povo os destinos do País.
A eleição presidencial antecipada já está prevista na Constituição, se ocorrer a vacância dos cargos de presidente e vice-presidente. Se essa vacância ocorrer nos dois primeiros anos do mandato – no caso, até 31 de dezembro próximo – será automaticamente convocada nova eleição, para presidente e vice, “noventa dias depois de aberta a última vaga”, segundo o artigo 81 da Constituição. Acontecendo a vacância dupla a partir do início do segundo ano de mandato, a eleição se dá indiretamente, pelo Congresso Nacional, em 30 dias.
Para que haja eleição direta como propõe Dilma – mas não como ela necessariamente quer –, é preciso que não haja presidente nem vice-presidente. Como não passa pela cabeça de Michel Temer renunciar à Vice-Presidência, as coisas são menos simples do que Dilma expõe. Ela também se diz disposta a “convocar” a consulta popular, mas essa prerrogativa é exclusiva do Congresso, a partir de qualquer uma de suas duas Casas, como estabelece o artigo 14 da Constituição Federal. O que significa que, se está falando sério, Dilma terá primeiro que convencer os senadores ou os deputados a aprovar a convocação do plebiscito, o que tem de ser feito por pelo menos um terço dos deputados ou senadores.
Enquanto exercia a Presidência, principalmente a partir do início do segundo mandato, Dilma sempre teve enorme dificuldade para fazer passar no Congresso propostas em que tinha interesse. Nada leva a crer que será diferente na hipótese remota em que ela acabe sendo reconduzida ao Planalto. Estariam os parlamentares interessados em eleição presidencial antecipada?
Michel Temer exerce a Presidência, substituindo a presidente afastada de acordo com o que estabelece a Constituição. Não tem nenhuma razão para renunciar. Assim, a eleição antecipada que Dilma afirma desejar só será possível se aprovada por um plebiscito que não se limitaria a convocar a consulta, mas também declararia a vacância dupla – o que seria, na verdade, a cassação do mandato do vice-presidente. Em resumo, o golpe imaginário, de que Dilma se queixa de ser vítima, seria aplicado, de verdade, em Michel Temer.
Assim, mesmo que Dilma esteja realmente disposta a cumprir o que promete – convencer o Congresso a convocar o plebiscito e, aprovada a eleição antecipada, renunciar à Presidência –, a viabilidade prática dessa ideia é, no mínimo, extremamente duvidosa. Se o julgamento final do processo de impeachment pelo Senado for realizado, como está previsto, em agosto, restarão menos de cinco meses para que – com uma eleição municipal prevista para outubro – sejam realizados ainda este ano, primeiro, o plebiscito e, em seguida, se for o caso, a eleição para escolher quem concluirá os dois anos de mandato que Dilma ainda teria. De quebra, teria que ser resolvido o problema de saber quem ocupará a Presidência da República no meio tempo entre a renúncia da desprendida Rousseff e a posse do novo chefe de Estado. O presidente da Câmara dos Deputados, seja ele Eduardo Cunha, seja Waldir Maranhão? Arre!
16 de junho de 2016
Editorial O Estadão