O Mercosul, como se sabe, está acéfalo desde o dia 1º. A acefalia, conforme compara um competente embaixador, equivale a uma greve geral do funcionalismo público, inclusive dos mais altos escalões.
Ou seja, nenhuma decisão pode ser tomada, desde as triviais (convocar uma reunião, por exemplo) até as mais complexas (negociar acordos comerciais).
É, pois, um problema sério, mas não é o mais grave na crise que levou o bloco ao pântano.
Antes de passar ao mais grave, examinemos a quadratura do círculo que o Mercosul está tentando.
Argentina, Brasil e Paraguai opõem-se à transferência da presidência de turno para a Venezuela, que, pela ordem alfabética, deveria assumi-la no segundo semestre.
O pretexto utilizado para o veto é o de que a Venezuela não adotou internamente, no prazo a que se comprometeu, o compêndio de regras do bloco.
De fato, não cumpriu, o que todos reconhecem, inclusive a própria Venezuela, que, no entanto, alega ter adotado mais regras até do que países fundadores do bloco, sem especificar qual ou quais.
Se não cumpriu, Argentina, Brasil e Paraguai querem que a Venezuela seja rebaixada para uma espécie de segunda divisão, o que lhe tiraria o direito de presidir o bloco.
Está até marcada para dia 23 uma reunião em que será debatido o rebaixamento e como ficaria a presidência.
A proposta da Argentina, encampada pelo Brasil, é de uma presidência colegiada até o fim do ano (em 2017, a Argentina assumiria, retomando a ordem alfabética).
Dois problemas surgem: primeiro, a obrigatoriedade de adotar decisões por consenso.
O Uruguai já anunciou que não aceita a presidência colegiada e avisa que não existe, nas regras do conglomerado, a punição por não cumprimento de normas.
Ou, posto de outra forma: a Venezuela não pode ser rebaixada a menos que se adote uma gambiarra jurídica a que o Uruguai se opõe.
A quadratura do círculo não está, pois, à vista, o que tende a prolongar a paralisia do Mercosul.
Passemos agora ao verdadeiro problema, que é a incompatibilidade ideológica entre a Venezuela e seus pares, explicitada, de resto, em comunicado oficial da própria chancelaria venezuelana.
Diz a nota, emitida na terça-feira (16): "A República Bolivariana da Venezuela denuncia à comunidade internacional a persistência destes governos [Argentina, Brasil e Paraguai] em vulnerar os tratados constitutivos do Mercosul, fazendo prevalecer suas preferências políticas e ideológicas neoliberais sobre os genuínos interesses dos povos e seus processos de integração".
Traduzindo: para a Venezuela, o neoliberalismo, suposto ou real, de seus parceiros é incompatível com a integração regional. Supõe-se, por extensão, que a integração tem que ser feita sob a égide do socialismo do século 21, adotado pela Venezuela e que é um dos mais redondos fracassos do século.
Não basta, pois, discutir a relação (ou a presidência, no caso) no dia 23, se o problema é claramente de divórcio.
A ver quem será o primeiro a reconhecer a realidade.
18 de agosto de 2016
Clóvis Rossi, Folha de SP
Ou seja, nenhuma decisão pode ser tomada, desde as triviais (convocar uma reunião, por exemplo) até as mais complexas (negociar acordos comerciais).
É, pois, um problema sério, mas não é o mais grave na crise que levou o bloco ao pântano.
Antes de passar ao mais grave, examinemos a quadratura do círculo que o Mercosul está tentando.
Argentina, Brasil e Paraguai opõem-se à transferência da presidência de turno para a Venezuela, que, pela ordem alfabética, deveria assumi-la no segundo semestre.
O pretexto utilizado para o veto é o de que a Venezuela não adotou internamente, no prazo a que se comprometeu, o compêndio de regras do bloco.
De fato, não cumpriu, o que todos reconhecem, inclusive a própria Venezuela, que, no entanto, alega ter adotado mais regras até do que países fundadores do bloco, sem especificar qual ou quais.
Se não cumpriu, Argentina, Brasil e Paraguai querem que a Venezuela seja rebaixada para uma espécie de segunda divisão, o que lhe tiraria o direito de presidir o bloco.
Está até marcada para dia 23 uma reunião em que será debatido o rebaixamento e como ficaria a presidência.
A proposta da Argentina, encampada pelo Brasil, é de uma presidência colegiada até o fim do ano (em 2017, a Argentina assumiria, retomando a ordem alfabética).
Dois problemas surgem: primeiro, a obrigatoriedade de adotar decisões por consenso.
O Uruguai já anunciou que não aceita a presidência colegiada e avisa que não existe, nas regras do conglomerado, a punição por não cumprimento de normas.
Ou, posto de outra forma: a Venezuela não pode ser rebaixada a menos que se adote uma gambiarra jurídica a que o Uruguai se opõe.
A quadratura do círculo não está, pois, à vista, o que tende a prolongar a paralisia do Mercosul.
Passemos agora ao verdadeiro problema, que é a incompatibilidade ideológica entre a Venezuela e seus pares, explicitada, de resto, em comunicado oficial da própria chancelaria venezuelana.
Diz a nota, emitida na terça-feira (16): "A República Bolivariana da Venezuela denuncia à comunidade internacional a persistência destes governos [Argentina, Brasil e Paraguai] em vulnerar os tratados constitutivos do Mercosul, fazendo prevalecer suas preferências políticas e ideológicas neoliberais sobre os genuínos interesses dos povos e seus processos de integração".
Traduzindo: para a Venezuela, o neoliberalismo, suposto ou real, de seus parceiros é incompatível com a integração regional. Supõe-se, por extensão, que a integração tem que ser feita sob a égide do socialismo do século 21, adotado pela Venezuela e que é um dos mais redondos fracassos do século.
Não basta, pois, discutir a relação (ou a presidência, no caso) no dia 23, se o problema é claramente de divórcio.
A ver quem será o primeiro a reconhecer a realidade.
18 de agosto de 2016
Clóvis Rossi, Folha de SP