A presidente Dilma não defendeu reformas relevantes, as mudanças que propôs foram derrotadas pela sua base, especialmente o PT. As “pautas-bomba” tiveram o apoio dos seus correligionários. Na sua carta ao Senado e ao país, a presidente alega que houve um esforço “obsessivo” para desgastar seu governo e que foram bloqueadas ações e reformas que ela propôs. A afirmação contraria os fatos.
Uma das propostas de mudança foi a MP 664, que reduzia a pensão paga a viúvas e viúvos jovens. Não chegava a ser uma reforma, mas poderia corrigir um dos problemas. A pouca economia que teria foi reduzida por emendas apresentadas, por exemplo, pelo senador Lindbergh Farias.
A equipe econômica chegou a falar em reforma da previdência, mas a ideia foi bombardeada. João Pedro Stédile disse que aquilo marcaria o fim do apoio a Dilma. O líder do governo na Câmara Sibá Machado tratou de negar que houvesse essa proposta, e o ministro da Previdência de Dilma, Carlos Gabas, afirmou que a reforma nem era necessária, porque a previdência não iria quebrar. Segundo ele, bastavam “pequenos ajustes”.
O fim do fator previdenciário foi aprovado com o apoio do PT e de toda a sua base. O maior adversário do fator foi o senador Paulo Paim, do PT. Os aumentos salariais para o funcionalismo foram propostos pela própria presidente e nos dias anteriores ao seu afastamento. O ex-ministro Joaquim Levy, que defendia o ajuste fiscal, foi contestado pelo PT desde a sua nomeação.
A afirmação da presidente de que suas reformas foram bloqueadas e que medidas foram aprovadas para desgastar seu governo não tem correspondência com os fatos registrados no noticiário corrente e nos anais do Congresso.
Outra proposta feita pelo governo Dilma foi a de tornar mais difícil o acesso ao seguro-desemprego. A MP 665 tentava segurar a explosão do gasto com o benefício antes até do aumento do desemprego. Foi alterada por pressão de apoiadores da presidente e aprovada com o voto contrário de 11 senadores da base, entre eles, Lindbergh, Walter Pinheiro e Paim. Simplesmente não é verdade que houve bloqueio do Congresso às “medidas, ações e reformas necessárias para o país enfrentar a grave crise econômica”. Primeiro, não foram apresentadas reformas relevantes; segundo, o pouco que foi ao Congresso foi bloqueado pela sua base. “Houve um esforço obsessivo para desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos à população”, afirmou Dilma, sem citar um único exemplo de reforma rejeitada.
A linha mestra da defesa da presidente na sua carta ao povo e ao Senado é que ela é inocente do que a acusam. “A essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade”. Usar os bancos públicos para pagar despesa orçamentária, e não ressarcir os bancos em tempo, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, sim ela infringiu a lei.
Não é verdade que isso tenha sido feito pelos presidentes que a antecederam. O ex-presidente Lula manteve sempre em dia os compromissos com os bancos públicos e o ex-presidente Fernando Henrique propôs ao Congresso a lei que proibiu este tipo de operação, a LRF.
A presidente tem razão quando diz que “o Brasil vive um dos mais dramáticos momentos da sua história”. Vive sim, por causa da crise econômica que foi provocada pelo seu governo e pela crise política em grande parte derivada da sua falta de capacidade de gerir a coalizão que montou para governar. Foi ela e seu partido que escolheram o PMDB para ocupar a vice-presidência em sua chapa. Nada foi imposto por forças alheias à sua base política.
Dilma propôs um pacto com plebiscito para eleições antecipadas. Quando seu governo começava a afundar, pessoas muito próximas a ela propuseram exatamente isso e ela recusou. Dilma afirma também que ninguém cai pelo “conjunto da obra”. Há sempre um fator detonador, e o dela foram as pedaladas, mas presidentes caem sim pelo conjunto do que fizeram. O ex-presidente Collor não caiu por um Fiat Elba, mas pela soma dos erros que cometeu. A presidente não tinha nada a perder indo ao Senado defender seus pontos de vista com bons argumentos, mas preferiu escrever uma carta, com a qual tem pouca chance de mudar a opinião dos senadores.
18 de agosto de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Uma das propostas de mudança foi a MP 664, que reduzia a pensão paga a viúvas e viúvos jovens. Não chegava a ser uma reforma, mas poderia corrigir um dos problemas. A pouca economia que teria foi reduzida por emendas apresentadas, por exemplo, pelo senador Lindbergh Farias.
A equipe econômica chegou a falar em reforma da previdência, mas a ideia foi bombardeada. João Pedro Stédile disse que aquilo marcaria o fim do apoio a Dilma. O líder do governo na Câmara Sibá Machado tratou de negar que houvesse essa proposta, e o ministro da Previdência de Dilma, Carlos Gabas, afirmou que a reforma nem era necessária, porque a previdência não iria quebrar. Segundo ele, bastavam “pequenos ajustes”.
O fim do fator previdenciário foi aprovado com o apoio do PT e de toda a sua base. O maior adversário do fator foi o senador Paulo Paim, do PT. Os aumentos salariais para o funcionalismo foram propostos pela própria presidente e nos dias anteriores ao seu afastamento. O ex-ministro Joaquim Levy, que defendia o ajuste fiscal, foi contestado pelo PT desde a sua nomeação.
A afirmação da presidente de que suas reformas foram bloqueadas e que medidas foram aprovadas para desgastar seu governo não tem correspondência com os fatos registrados no noticiário corrente e nos anais do Congresso.
Outra proposta feita pelo governo Dilma foi a de tornar mais difícil o acesso ao seguro-desemprego. A MP 665 tentava segurar a explosão do gasto com o benefício antes até do aumento do desemprego. Foi alterada por pressão de apoiadores da presidente e aprovada com o voto contrário de 11 senadores da base, entre eles, Lindbergh, Walter Pinheiro e Paim. Simplesmente não é verdade que houve bloqueio do Congresso às “medidas, ações e reformas necessárias para o país enfrentar a grave crise econômica”. Primeiro, não foram apresentadas reformas relevantes; segundo, o pouco que foi ao Congresso foi bloqueado pela sua base. “Houve um esforço obsessivo para desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos à população”, afirmou Dilma, sem citar um único exemplo de reforma rejeitada.
A linha mestra da defesa da presidente na sua carta ao povo e ao Senado é que ela é inocente do que a acusam. “A essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade”. Usar os bancos públicos para pagar despesa orçamentária, e não ressarcir os bancos em tempo, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, sim ela infringiu a lei.
Não é verdade que isso tenha sido feito pelos presidentes que a antecederam. O ex-presidente Lula manteve sempre em dia os compromissos com os bancos públicos e o ex-presidente Fernando Henrique propôs ao Congresso a lei que proibiu este tipo de operação, a LRF.
A presidente tem razão quando diz que “o Brasil vive um dos mais dramáticos momentos da sua história”. Vive sim, por causa da crise econômica que foi provocada pelo seu governo e pela crise política em grande parte derivada da sua falta de capacidade de gerir a coalizão que montou para governar. Foi ela e seu partido que escolheram o PMDB para ocupar a vice-presidência em sua chapa. Nada foi imposto por forças alheias à sua base política.
Dilma propôs um pacto com plebiscito para eleições antecipadas. Quando seu governo começava a afundar, pessoas muito próximas a ela propuseram exatamente isso e ela recusou. Dilma afirma também que ninguém cai pelo “conjunto da obra”. Há sempre um fator detonador, e o dela foram as pedaladas, mas presidentes caem sim pelo conjunto do que fizeram. O ex-presidente Collor não caiu por um Fiat Elba, mas pela soma dos erros que cometeu. A presidente não tinha nada a perder indo ao Senado defender seus pontos de vista com bons argumentos, mas preferiu escrever uma carta, com a qual tem pouca chance de mudar a opinião dos senadores.
18 de agosto de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário