O resto do mundo achou que o Brasil fosse construir uma bomba atômica durante quase 20 anos. Como consequência disso, o país sofreu pressão, boicote e sanção. Hoje ninguém vê aqui um risco de proliferação. O que preocupa, desta vez, é o risco de gestão opaca e fraudulenta do programa nuclear.
No início deste mês, o ex-presidente da Eletronuclear Othon Pinheiro foi condenado a 43 anos de prisão crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, embaraço à investigação, evasão de divisas e organização criminosa. Seu substituto não durou dez meses no cargo, afastado por permitir que diretores da empresa retirassem documentos e objetos de salas já lacradas pelas autoridades investigativas.
De fato, o Ministério Público terminou fazendo uma devassa na Eletronuclear: foram denunciados executivos que comandavam as áreas técnica, de administração e finanças, de planejamento, de gerenciamento de empreendimentos e de construção.
A velha ideia de privatizar a Eletronuclear ganhou fôlego renovado naqueles dias. Mas quem conhece o setor sentiu o mau cheiro à distância. Afinal, a principal proposta de emenda à Constituição (PEC) para privatizar a área foi apresentada em 2007 à Câmara dos Deputados por Alfredo Kaefer (PSL/PR), acusado de gestão fraudulenta, crime contra a ordem tributária, crime contra o patrimônio público e formação de quadrilha. E o presidente da entidade de classe que mais advoga pela privatização foi convocado coercitivamente a prestar depoimento à Lava Jato por suspeita de repasse de propina de empreiteiras a funcionários da Eletronuclear.
A chegada da Lava Jato ao programa nuclear brasileiro pode abrir uma nova área de fragilidade internacional para o Brasil. A corrupção no setor atômico cria medo de sabotagem ou desvio de material físsil, além de enorme risco ao meio ambiente e à saúde globais. Para reverter a situação, nada é mais urgente agora que um choque de boa governança.
Não será fácil. O Brasil é o único país cujo programa nuclear civil é controlado por uma força militar — a Marinha. O sigilo praticado serve para proteger segredos tecnológicos tanto quanto para acobertar práticas ilícitas.
Além disso, nosso caso é raro: a mesma Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) que promove e fomenta a indústria é responsável por supervisioná-la e regulá-la. Trata-se de uma prática que contraria a Convenção sobre Segurança Nuclear, instrumento que o Brasil assinou há 20 anos.
A Lava Jato promete manter o tema em pauta, pois vem aí nova delação sobre os contratos do submarino nuclear, capítulo central dessa novela.
É hora de o governo agir, antes que seja tarde demais.
18 de agosto de 2016
Matias Spektor, Folha de SP
No início deste mês, o ex-presidente da Eletronuclear Othon Pinheiro foi condenado a 43 anos de prisão crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, embaraço à investigação, evasão de divisas e organização criminosa. Seu substituto não durou dez meses no cargo, afastado por permitir que diretores da empresa retirassem documentos e objetos de salas já lacradas pelas autoridades investigativas.
De fato, o Ministério Público terminou fazendo uma devassa na Eletronuclear: foram denunciados executivos que comandavam as áreas técnica, de administração e finanças, de planejamento, de gerenciamento de empreendimentos e de construção.
A velha ideia de privatizar a Eletronuclear ganhou fôlego renovado naqueles dias. Mas quem conhece o setor sentiu o mau cheiro à distância. Afinal, a principal proposta de emenda à Constituição (PEC) para privatizar a área foi apresentada em 2007 à Câmara dos Deputados por Alfredo Kaefer (PSL/PR), acusado de gestão fraudulenta, crime contra a ordem tributária, crime contra o patrimônio público e formação de quadrilha. E o presidente da entidade de classe que mais advoga pela privatização foi convocado coercitivamente a prestar depoimento à Lava Jato por suspeita de repasse de propina de empreiteiras a funcionários da Eletronuclear.
A chegada da Lava Jato ao programa nuclear brasileiro pode abrir uma nova área de fragilidade internacional para o Brasil. A corrupção no setor atômico cria medo de sabotagem ou desvio de material físsil, além de enorme risco ao meio ambiente e à saúde globais. Para reverter a situação, nada é mais urgente agora que um choque de boa governança.
Não será fácil. O Brasil é o único país cujo programa nuclear civil é controlado por uma força militar — a Marinha. O sigilo praticado serve para proteger segredos tecnológicos tanto quanto para acobertar práticas ilícitas.
Além disso, nosso caso é raro: a mesma Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) que promove e fomenta a indústria é responsável por supervisioná-la e regulá-la. Trata-se de uma prática que contraria a Convenção sobre Segurança Nuclear, instrumento que o Brasil assinou há 20 anos.
A Lava Jato promete manter o tema em pauta, pois vem aí nova delação sobre os contratos do submarino nuclear, capítulo central dessa novela.
É hora de o governo agir, antes que seja tarde demais.
18 de agosto de 2016
Matias Spektor, Folha de SP
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