…vai de Aécio, vai…
General-de-Divisão Raymundo Maximiano Negrão Torres, já falecido, desanca Elio Gaspari, Golbery, dentre outros, em seu livro, O Fascínio dos Anos de Chumbo” – Editora do CHAIN 2004 – prefácio de Jarbas Passarinho. Nas suas declarações aqui transcritas vai bem mais além…
Natural de Belém do Pará, ingressou no Exército em maio de 1942, foi declarado Aspirante-a-Oficial de Artilharia pela Escola Militar de Resende em 11 de agosto de 1945 e classificado no 3o RAM, em Curitiba-PR.
- A partir de então, o Paraná foi seu Estado adotivo. Esteve fora por dois anos, como Tenente, no 2o RO 105, de Itu-SP, e no QG/ 8a RM, em Belém, já como oficial superior – 1955/1958. Realizou seus cursos no Rio de Janeiro-RJ, onde fez o de Artilharia Antiaérea em 1949, a EsAO em 1954, a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) no triênio 1959/1961 – quando ocorreu o episódio da Legalidade – e a ESG, já em 1981. Enquanto Instrutor da ECEME, cursou a co-irmã do Exército dos EUA em Fort Leavenworth-KS em 1965/1966. Em Brasília, serviu no Estado-Maior do Exército (EME) entre 1977/1978.
- No Rio Grande do Sul, serviu, ainda, no 3o GCan Au AAe, onde foi promovido a Capitão em 1950.
- Foi classificado, no início de 1958, no I/5o RO 105, Lapa-PR, Unidade que veio a comandar em 1970.
- Realizou o estágio de Estado-Maior no QG/5a RM, onde vivenciou a preparação e os primórdios da Revolução de 1964; ali serviu, também, após a conclusão da ECEME nos EUA e de sua promoção a Coronel, por merecimento, em 1969. Foi Assistente do Comando da AD/5 no segundo semestre de 1964, após entregar o comando do Grupo da Lapa, de 1972 a 1977; ali, foi promovido, por merecimento, a Tenente-Coronel.
- Em 1975/1977, presidiu a Subcomissão Geral de Investigações-PR, vinculada ao
- Promovido a General em 1978, comandou a AD/6 em Porto Alegre, a AD/5 em
em 1983, foi Subchefe do EME e Vice-Chefe do DGS, quando solicitou sua passagem para a reserva. Comandou a 3a RM – Porto Alegre, de 1985 a 1987.
- Radicado em Curitiba, tem desenvolvido intensa atividade literária, iniciada em 1956 no jornal A Província do Pará. No seu acervo literário, destacam-se: “Meninos, Eu Também Vi”, “Por que Morreram os Americanos no Vietname?”, “Para Collor Ler na Cama”, “de Fernando a Fernando”, “Nos Porões da Ditadura”, “Paraná – Encruzilhada de Caminhos”, “1964 – Uma Revolução Perdida” e “O Fascínio dos Anos de Chumbo”.
- É colaborador quinzenal da Gazeta do Povo, de Curitiba, Conferencista convidado de entidades culturais e clubes de serviço (ADESG/PR, Rotary, PUC/PR).
- É Vice-Presidente do Centro de Letras do Paraná, Diretor Cultural do Instituto His- tórico e Geográfico do Paraná e membro do Instituto de Geografia e História Militar. Ocupa a cadeira no 15 da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e a cadeira no 10 da Academia Paranaense de Letras.
General Negrão, depois de sua marcante participação no Projeto História Oral do Exército, registrada pela Coordenadoria do Rio Grande do Sul, em 22 de agosto de 2000, e publicada no Tomo 8 de nossa Coletânea, é hora da Coordenadoria do Rio de Janeiro/Minas Gerais, valendo-se desta sua entrevista, que ora iniciamos, específica e extremamente oportuna, divulgar as esperadas considerações do experiente e respeitado Chefe sobre os livros do jornalista Élio Gaspari, relacionados com a Revolução de 1964 e lançados com grande alarde pela mídia, nos quais enfatiza a participação de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, particularmente, segundo confessa o autor, na construção e na desmontagem do que chama de ditadura.
Envidarei todo o esforço para atender, da melhor forma possível, às questões que me forem apresentadas por essa Coordenadoria a respeito do “pentateuco eliano”. Estou à inteira disposição.
“Élio Gaspari esforça-se para demonstrar uma entranhada paixão pela democracia e pela liberdade, sentimento estranho e tardio em quem, em 1962, alistou-se no estalinista Partido Comunista, o que tanto pode ser um equívoco da mocidade ou um jeito malandro de tirar proveito de ser comunista, como se constata no livro do Mario Conti, pelo elevado número deles nas redações dos jornais e revistas. O que acaba sendo irrelevante, tendo em vista o imenso número dos cristãos-novos da Democracia que andam hoje por aí, no governo, na imprensa e alhures, com gordas indenizações e polpudas pensões, arrancadas do suor do trabalhador e do contribuinte brasileiro.”
General Raymundo Negrão Torres
Por que o senhor resolveu dar ao seu mais recente livro o título de “O Fascínio dos Anos de Chumbo”?
Alfredo Hélio Sirkis, um ex-guerrilheiro urbano, relatou em livro suas experiências na luta armada comunista dos chamados anos de chumbo. Ao publicar a 14a edição de “Os Carbonários”, fez questão de inserir nela, como um novo prefácio, uma espécie de autocrítica na qual reconhece:
“Mas a história, ela própria, acontece duas vezes. Uma no instantâneo eclodir dos fatos. Outra nas obras literárias, históricas, biográficas, memorialísticas e, hoje, no audiovisual, na TV, no cinema, em CD-ROM. Se na primeira perdemos fragorosamente, na segunda não nos saímos de todo mal.”
Mais adiante, ao confessar não compreender o permanente interesse da mídia por esse conturbado período de nossa história, escreveria Sirkis: “Muitas obras houve e, pelo fascínio que esse período continua a exercer, muitas ainda haverá.” E esse “fascínio” – que disfarça interesses escusos e pecuniários – continua
dando seus frutos. A sua mais recente manifestação apareceu no final de 2002 com “As
Ilusões Armadas”, parte de uma “obra” cuja gestação custou – segundo o autor, jorna- lista Élio Gaspari – longos 18 anos e o trabalho da maior equipe que uma editora já colocou à disposição de um escritor. Tempo tão vasto que o irreverente Carlos Heitor Cony chegou a pensar que não viveria o bastante para ter a ventura de saborear o resultado de tão longa faina. O acadêmico e memorialista Cony de início não gostou da coisa, pois reclamou, em sua coluna diária, da imputada co-autoria de um contundente editorial do Correio da Manhã, publicado na véspera da queda de Jango Goulart. Mas, na contracapa do terceiro volume da obra, lhe é atribuída, em artigo da Folha de São Paulo, a comparação do escriba Élio com o historiador romano Suetônio, embora “com melhor estilo e maior isenção”. Como Cony é dado a graçolas e ironias, não se fica sabendo o que ele realmente quis dizer com tal comparação. Caio Suetônio Tranquilus (69-140) foi durante algum tempo guardião dos arquivos do imperador Adriano dos quais se valeu para escrever “Os Doze Césares”, obra em que registra informações inéditas, em sua maioria meras anedotas, mas que deixam o leitor em dúvida se Suetônio está apontando fatos ou relatando simples lendas ou rumores. O leitor, ao fim da leitura dos livros, talvez possa concluir o que, na verdade, quis dizer o enigmático Cony.
Que juízo o senhor faria da tão alardeada obra?
Costuma-se dizer que pelos frutos se conhece a árvore e que árvore má não dá bons frutos. Daí, ser interessante conhecer algo da vida do jornalista-autor, dono de página dominical inteira em jornais de circulação nacional e que se julga – “eliocentricamente”, como ele mesmo proclama – um dos ícones de nosso jornalismo investigativo. A tomar como válido o esboço biográfico de Élio Gaspari traçado por outro conhecido e veterano jornalista, também durante muitos anos figura importante na redação da revista Veja, em seu alentado livro “Notícias do Planalto”, publicado em 1999 pela mesma editora, Companhia das Letras, fica a certeza de que o fruto é o retrato da árvore que o produziu.
Mário Sérgio Conti – até hoje não desmentido no que escreveu e publicou – mostra um alvorecer para a profissão nada edificante, pois afirma que com sua ancestralidade napolitana, a convivência em um dos muitos colégios onde estudou com filhos de banqueiros do jogo do bicho e a observação da fauna de malandros, capoeiras, prostitutas, pederastas e cafetões da Lapa (Rio), Élio Gaspari embebeu-se do que chama de a “sabedoria das ruas”. Precisando de uma ocupação e por sua militância no Partido Comunista, onde tinha o codinome não muito inteligente de Élio Parmegiani, acabou sendo empurrado para o jornalismo em novos rumos, órgão do PCB, onde chegou depois de um modesto emprego na Embaixada cubana.
GENERAL-DE-DIVISÃO RAYMUNDO MAXIMIANO NEGRÃO TORRES
A reviravolta havida com a queda de Jango Goulart o deixa sem trabalho por uns meses e o leva para um emprego em uma agência de notícias no aeroporto do Galeão que lhe abriria as portas para uma experiência em que a falta de escrúpulos de sua “sabedoria das ruas” seria de grande valia para o seu promissor início como falsificador de entrevistas. Como o tempo de contato com políticos e personalidades em trânsito era reduzido – conta Mário Sérgio – o esperto repórter já levava prontas as entrevistas que eram oferecidas aos que as quisessem encampar em troco da vantajosa aparição nos jornais. Isso triplicava sua produtividade e o recomendava aos patrões, aos encarregados das redações e aos “pauteiros”, além disso, a técnica inusitada e esperta faria escola.
Anos mais tarde, na revista Veja, “a molecagem” – no dizer de Conti – seria repetida, já refinada e com grande sucesso e vantagem. Escola que, ao que parece, nunca foi abandonada e foi utilizada contra uma de suas mais notórias vítimas, o Brigadeiro Walter Werner Bräuer que, ao ser afastado do Comando da Aeronáutica por insurgir-se contra a má conduta do então Ministro da Defesa, teve uma entrevista publicada nas Páginas Amarelas da revista de forma inteiramente deturpada pela repórter que o ouvira, transformando-a maliciosamente em um pronunciamento de caráter nazista. Esse refinamento deve ter sido também obra da experiência adquirida pelo jovem Gaspari, ainda no tempo do Galeão, quando começou a trabalhar para Ibrahim Sued, o mais bem-sucedido colunista social, que soube, como nin- guém, utilizar seu faro de repórter policial e informante da polícia para explorar a vaidade de “didus” e “dolores” e transformá-la em rendosa fonte de prestígio e dinheiro. Prestígio que o faria participar da intimidade de figuras importantes, como o indigitado redator do primeiro Ato Institucional, Carlos Medeiros, através de quem conseguiu tirar da cadeia o próprio Élio Gaspari, preso não se sabe bem por que nem para quê.
Mas terá sido, certamente, a ligação íntima com o “Turco” que terá dado a Élio Gaspari a ferramenta com que aprendeu a abrir o “cofre das vaidades” de certas figuras da “ditadura” – como Ernesto Geisel, Golbery do Couto e Silva e Heitor de Aquino Ferreira – de onde saíram os papéis de arquivos oficiais – transformados leviana e criminosamente em arquivos pessoais – e os “diários” e as fitas, secretamente gravadas, com que montou sua mais recente e longeva obra, cujos primeiros volumes, logo que lançados, com impressionante publicidade, já despontavam na lista dos mais vendidos, mostrando que Sirkis tinha razão, mesmo que o apontado fascínio seja o resultado de longas e trabalhosas compilações – via computador – do que muitos outros já escreveram, com uma conveniente e capciosa seletividade de fatos e fontes, ao bel-prazer do autor, de declarações com o velho “cheiro de Galeão” e de um texto bem escrito, mas recheado de equívocos, erros grosseiros, meias-verdades e mentiras completas, próprias ou encampadas. Falhas que já começam a ser apontadas publicamente, porque ainda estão vivas muitas das testemunhas dos fatos e que agora se dispõem a corrigi-lo e a contar o que sabem.
Em resumo, trata-se de uma obra escrita para ganhar dinheiro através de processos torpes, tentando denegrir e enxovalhar as Forças Armadas, especialmente o Exército e seus chefes, que são, em muitos pontos, ridicularizados e depreciados. Valendo-se, inclusive, da ajuda de pessoas cujas biografias passam, assim, a mostrar seu verdadeiro perfil.
Outra fonte de refinamento, Gaspari acabaria tendo de sua ligação com Dorrit Harazim, uma iugoslava de nascimento que, depois de algum tempo morando no Brasil, andou pela França de onde teve de fugir para livrar-se das grades da Suretè francesa que a perseguia por suas alegadas ligações com terroristas (Notícias do Planalto, p. 75/77). Gaspari – que participou dos primeiros e difíceis tempos do lançamento da revista Veja (1969/1970) – trabalhou com ela por algum tempo na revista, para onde a recrutaram em Paris outras figuras marrons da imprensa, como os Civita e Mino Carta. Este, italiano como Gaspari, muito o ajudou dando-lhe especial destaque na redação da revista, onde se notabilizou por seu jeito desenvolto, prepotente, intrometido e absorvente, para onde voltara com Dorrit em 1979, já casados ou coisa que o valha, depois de algum tempo de trabalho no Rio e no Jornal do Brasil. Em 1988, o casal vai para Nova Iorque, onde Gaspari seria correspondente da revista e Dorrit, chefe do escritório da Editora Abril.
Élio Gaspari se dizia amigo do General Golbery. Como teria nascido essa “amizade”?
Foi na tentativa de incrementar a cobertura política de Veja que Gaspari veio a conhecer o “bruxo” Golbery de cuja intimidade passou a privar a partir de 1969, como verdadeiro “leva-e-traz” de notícias e informações. A escolha de Geisel na “eleição de um voto só” – expressão do próprio Gaspari – para suceder Médici, caiu- lhe como uma luva. A tal ponto que na redação da revista era visto como um “aliado da ditadura e um agente do Golbery na imprensa”. E era mesmo. Nas Explicações do primeiro volume de sua obra, o jornalista não faz segredo dessa situação e confessa que sem o apoio e “a paciente colaboração” do ex-Presidente Geisel ela não teria saído (p.14). De Golbery, recebeu em 1985, para o que cinicamente chama de “custódia temporária”, cerca de cinco mil documentos de um pretenso “arquivo mor- to”, mas onde, na realidade, havia de tudo, inclusive muitos documentos oficiais, confidenciais, de que o “bruxo” e seu cúmplice Heitor Aquino tinham a guarda em função dos cargos e dos quais se apossaram, cometendo crime de prevaricação. Nas 25
caixas que foram entregues, havia milhares de documentos, cartas, bilhetes e até rabiscos; essas caixas ficavam embaixo da mesa de Heitor Aquino Ferreira (secretá- rio de Golbery de 1964 a 1967, de Geisel de 1971 a 1979 e de Figueiredo durante algum tempo de sua presidência) que nelas ia atirando esses papéis (p. 14).
Gaspari confessa que conviveu com Golbery até sua morte, em 1987. Manteve com Geisel “dezenas de demoradas e profícuas conversas”, a partir de 1979, num canto do restaurante Rio’s, no Aterro do Flamengo, passando os encontros a se fazerem no apartamento do ex-presidente, a partir de 1994, quando teve oportunidade de gravar 12 fitas K-7 de vinte sessões de entrevistas, de 90 minutos cada. A esse tempo, Geisel vinha sendo entrevistado também pela equipe do CPDoc da FGV que publicou suas memórias autorizadas. Isto explicaria certas ambigüidades, certos julgamentos tendenciosos e flagrantes equívocos nas apreciações contidas no depoimento de Ernesto Geisel à turma esquerdista do CPDoc que analisamos detida- mente no Capítulo 16 – Depoimento Geisel – desse meu mais recente livro. Por isso, será lícito concluir, sem ofensa à memória de quem já não pode mais defender-se, haver da parte do ex-presidente um empenho subjetivo de, por via canhestra, melhorar sua imagem histórica e eventualmente resgatar alguns dos inegáveis desacertos de seu governo, o mais autoritário do ciclo revolucionário. Acontece que, até aqui, o que Gaspari apresentou nos volumes já publicados só parece piorar as coisas, pois o jornalista-autor dá versões inteiramente diferentes das apresentadas por Geisel em suas memórias.
General, o que o senhor diria àqueles que o considerem severo demais no seu julgamento do ex-Presidente Geisel?
Digo com a maior tranqüilidade que me baseio em fatos concretos e louvo- me no depoimento que o próprio Geisel deixou para a história. Para quem clara- mente afirmou que a substituição de Castello por Costa e Silva levaria a Revolução de 1964 à perdição e, mais tarde, teve a oportunidade de “salvá-la”, mas, pelo contrário, ajudou a enterrá-la melancolicamente, parece que só restaram as memórias póstumas e o uso de interpostas pessoas para melhorar sua biografia e denegrir camaradas de farda, entre muitos outros, como o mencionado à página 33, com uma desprimorosa referência ao General Fernando Bethlem e outra, à página 265, onde chama o General Lyra Tavares de “embromador”. E um desses “ventríloquos do além-túmulo” é, sem dúvida, o autor de Ilusões Armadas, cujo processo de expulsão do Brasil, como estrangeiro indesejável, foi retirado do Gabinete Militar da Presidência a mando de Golbery que o fez desaparecer, como declarou recentemente, em
artigo no jornal Ombro-a-Ombro, o então Major Kurt Pessek, que servia naquele órgão.
Como explica o sucesso editorial dos dois primeiros volumes lançados por Élio Gaspari?
Os dois primeiros volumes do livro do Élio Gaspari foram recebidos com o estardalhaço que era de esperar, pois todo mundo queria saber o que continham os arquivos implacáveis do “bruxo” Golbery. No suplemento Prosa e Verso, de O Globo, de 23 de novembro de 2002, o jornalista Aluízio Maranhão cantou em prosa e verso os dois primeiros volumes da obra. Só que “a montanha pariu um rato”; as revelações golberianas ficaram para mais tarde como se viu depois. Do resumo que O Globo publicou, já se podia ver quanto de besteiras, preconceito e inverdades estão nos grossos volumes postos à venda.
Segundo confessa o autor, o propósito era simples: explicar por que os generais Geisel e Golbery, tendo ajudado a construir a ditadura (sic) entre 1964 e 1967, desmontaram-na entre 1974 e 1979. Em nenhum momento, passou pela cabeça do autor – ele o afirma – escrever uma história da ditadura, pois faltaria ao trabalho a abrangência que o assunto exige e há nele uma preponderância patente dos dois citados personagens. O que eu queria contar – confessa Gaspari – era a história do estratagema que marcou suas vidas: fizeram a ditadura e acabaram com ela. Na realidade, Élio Gaspari gastou muita vela com maus defuntos e, certamente, por falta de competência, deixou de apreciar o quanto foi feito por Castello Branco em tempo exíguo para que o que poderia ser apenas mais uma quartelada latino-americana se transformasse, mediante um monumental trabalho, em uma arrancada para uma revolução modernizadora que, apesar de traída pela ambição, pela burrice e pela incompetência, marcou profundamente a fisionomia do País e abriu-lhe os horizontes que nunca mais puderam ser escondidos. O autor mostra grande preocupação com o que chama de “a anarquia militar” e em caracterizar o que insiste em afirmar, erroneamente, ter sido “o mais longo período ditatorial de sua história”.
O senhor fala em “besteiras, preconceitos e inverdades” do livro. Poderia citar algumas?
Tentaremos mostrar nesta entrevista uma série de observações sobre pontos em que o já publicado é notoriamente incorreto, ambíguo, tendencioso, parcial ou incompleto, em que pese a enorme equipe que a Companhia das Letras – a grande interessada no sucesso editorial do empreendimento – formou para ajudar o autor.
Élio Gaspari esforça-se para demonstrar uma entranhada paixão pela democracia e pela liberdade, sentimento estranho e tardio em quem, em 1962, alistou-se no estalinista Partido Comunista, o que tanto pode ser um equívoco da mocidade ou um jeito malandro de tirar proveito de ser comunista, como se constata no já citado livro do Mario Conti, pelo elevado número deles nas redações dos jornais e revistas. O que acaba sendo irrelevante, tendo em vista o imenso número dos cristãos-novos da Democracia que andam hoje por aí, no governo, na imprensa e alhures, com gordas indenizações e polpudas pensões, arrancadas do suor do trabalhador e do contribuinte brasileiro.
O autor faz críticas ferinas ao modo de escrever do General Lyra Tavares e dos capitães redatores de um certo Manifesto lançado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) – recentemente revivido –, esquecendo que eles não tiveram a vasta equipe de edição de texto que garantiu a sua boa sintaxe, conforme reconhece nos agradecimentos. Cumpre ressaltar também que o autor contou – além da vastíssima bibliografia já existente sobre o assunto – com a colaboração de muitos “inocentes-úteis” que deram seus depoimentos em troca da honra de constar de um livro supostamente importante. Acima de tudo, contou com a boa fé de muitos depoentes que jamais iriam imaginar o uso perverso que o jornalista faria de suas declarações e confidências, incluindo-as em um livro destinado a enxovalhar a farda a qual dedicaram suas vidas e que Golbery (p. 15) e um frustrado coronel, em outro ponto do livro, chamam debochada- mente de “fantasia”.
Certamente, entre esses – alguns deles pertencentes ao que o gordo Delfim apelidou de “tigrada” – não estão os dois militares que, em meio aos cerca de duzentos informantes arrolados pelo autor, fizeram questão de permanecer no anonimato. Faltou-lhes o pundonor que impede o uso do anonimato para qualquer fim, como capitula entre suas transgressões o nosso velho RDE (Regulamento Disciplinar do Exército).
O livro é farto de afirmativas que o autor não se dá ao trabalho de comprovar ou justificar, bastando para tanto a verdade da palavra “eliana” ou a citação de uma fonte muitas vezes duvidosa. Como na página 22, onde afirma peremptoriamente que “Frota chegou ao generalato graças ao expurgo praticado contra centenas de oficiais fiéis ao regime deposto”. Em 1964, Frota devia ser coronel antigo; logo, o inventado expurgo teria de atingir coronéis mais antigos que ele ou mais bem colocados nos Quadros de Acesso e com o curso de Estado-Maior. Se o Exército dormiu janguista e acordou revolucionário, – como afirmou afoitamente o Marechal Cordeiro de Farias – de onde saíram as centenas de coronéis fiéis a Jango expurgados? Com tantos “coronéis leais”, o “gol- pe” teria sido fatalmente derrotado.
Outra falácia que o autor repete é sobre a criação do Serviço Nacional de In- formações (SNI). E aí há certa justificativa, pois o próprio Golbery dela se pavoneava e muita gente até hoje a repete. O SNI surgiu por transformação do Serviço Federal de Informação e Contra-Informação (SFICI) criado no Governo de Juscelino Kubitschek. Quando este visitou os Estados Unidos, o Presidente Eisenhower manifestou-lhe sua preocupação com a crescente infiltração comunista no governo brasileiro.
Ofereceu-lhe assistência técnica para a criação de uma agência equivalente à CIA, lá surgida no Governo Truman, em 1949. Juscelino Kubitschek desconversou. Na visita ao Brasil, em
fevereiro de 1960, Ike, além de sugerir a Juscelino que reconsiderasse sua decisão
anterior de romper com o FMI, repisou sua antiga preocupação com a infiltração comu- nista no Brasil, o que tornaria necessário um reforço nos órgãos de segurança. Como Juscelino Kubitschek estava, naquele momento, interessado em reatar as negociações com o FMI, concordou em criar a tal agência. Foram implantados o SFICI, bem como Seções de Segurança Nacional nos ministérios civis – invenção atribuída à “ditadura” por mal informados –, todos subordinados à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. (Moniz Bandeira, em “Brasil-EUA – A rivalidade emergente”, Editora Civiliza- ção Brasileira – 1989, citado por Roberto Campos, em “Lanterna na Popa”, (p. 283).
O que o “feiticeiro” fez, depois de ter chefiado o SFICI durante o curto Governo de Jânio Quadros, foi moldá-lo e transformá-lo em um instrumento de suas maquinações de “Fouché crioulo”. Para isso, levou com ele o fichário de personalidades que tinha começado a orga- nizar no SFICI, segundo o próprio Gaspari escreveu no terceiro volume de seu “pentateuco”.
Há, assim, uma enorme quantidade de maus julgamentos, ambigüidades, distorções, meias-verdades e idéias preconceituosas em “A Ditadura Envergonhada” que vale a pena mencionar ainda que brevemente.
Embora, ao dizer que até a demissão do Ministro Frota, em 1977, foram nove anos de restrições, e admita, implicitamente, que até o AI/5 não havia censura (p. 24), pouco mais adiante (p. 41), entra em contradição ao afirmar que “a suspensão da censura à imprensa foi um processo cautelosamente iniciado em 1974 e concluído dois anos depois”. Além disso, erra nas contas ao afirmar que, com o mesmo Ato, o Brasil entrara no mais longo período ditatorial de sua história (p. 35), esquecendo, pasmem, o “curto período” da ditadura de Getúlio Vargas.
O senhor afirma que, apesar de amigo e confidente de Geisel e Golbery, membros da “Sorbonne”, Élio Gaspari demonstra uma profunda ignorância do que era a Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra. Em que o senhor se baseia?
Em primeiro lugar, confundindo-a com o que a esquerda caolha, raivosa e burra chamou de Ideologia, responsabilizando-a pela alegada violência do regime, e alongando-se em pretensiosas considerações que só fazem acentuar essa ignorância, seu despreparo e sua verbosidade (p. 39-40). Essa mesma trêfega ignorância voltaria a manifestar-se mais adiante quando pretende tratar das idéias sobre o planejamento de governo que atribui ao que chama de “direita militar”, ligando-as a um suposto anticomunismo obsessivo. (p. 212/213)
Que outras falhas apontaria no primeiro livro?
Ao sumariar os acontecimentos que antecederam a queda de João Goulart, demonstra que, apesar do tempo de que dispôs e da enorme equipe com que contou, sua pesquisa foi claudicante, errônea e incompleta. Na eleição de Jânio-Jango, esquece e nem menciona a importância dos comitês Jan-Jan. A revolta dos sargentos em Brasília em setembro de 1963 – um dos antecedentes mais importantes da queda de Jango – nem é mencionada. A relevância das breves interinidades de seu amigo Ernesto Geisel no comando da 5a Região Militar é exagerada. Refere-se a um Setor Militar do PCB – seria o SERMIL, mencionado por Luis Mir em seu livro “A Revolução Impossível?” – e esquece notórios oficiais comunistas, como, entre outros, o Major Lauro Garcia Carneiro, valendo-se de depoimentos que teriam sido prestados 33 anos depois dos acontecimentos (p. 53/54). E digo teriam sido, por- que há menção no livro a depoimentos que nunca foram prestados, como o atribuí- do ao então Major Kurt Pessek (nota p.25). Pura invencionice, repetindo comentários que se ouviram na época em Brasília, afirma o oficial.
Ao falar do General Castello Branco (p. 54/56) dá a entender que consultou o arquivo pessoal e privado do ex-presidente, mas ignora malandramente o que de mais importante contém o livro de Luís Viana Filho sobre o Governo Castello Branco – embora mencionado na vasta bibliografia – e dá ouvidos aos cochichos de um ilustre depoente especial, Ernesto Geisel, gravados nas 12 fitas K-7 acima menciona- das, com que a filha do mesmo houve por bem presenteá-lo, conforme confessa (p.
15). Talvez, por isso, ensaia tímidos elogios (p. 139) ao ex-Presidente Castello ao mesmo tempo em que o mimoseia com uma enxurrada de diatribes injustas quanto à prorrogação de seu mandato que lhe foi imposta (p. 239) e a uma alegada “fúria legisferante”, que é como o despeitado Carlos Lacerda chamava o trabalho modernizador do Estado Brasileiro empreendido sob a batuta de Castello pela dupla Bulhões-Campos (p. 293).
Ao tratar do interesse dos americanos na situação brasileira nem de leve tem coragem para mencionar entre os eventos marcantes a ajuda ao pai de seus atuais patrões – os Marinho – com o empréstimo de milhões de dólares do poderoso Time- Life, como forma de fortalecer um grupo que notoriamente se opunha a um preidente que ameaçava jogar o Brasil nos braços de Moscou (p. 59/62). Assis Chateaubriand sempre achou que nessa estória havia o dedo do então embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Campos, que nega o fato em suas memórias (“Lanterna na Popa”, p. 524). A ajuda aos donos da Globo iria minar o predomínio das Emissoras e Diários Associados e fazer nascer um novo império na mídia brasileira que hoje vomita no prato onde comeu.
Além dos mencionados em outros pontos, aqui vão alguns dos muitos erros constatados: – a 1a DIE da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália foi subordinada ao IV Corpo de Exército americano; o 5o era o Exército do General Mark Clark, de quem o Capitão Vernon Walters fora Ajudante-de-Ordens (p. 61); – A Artilharia Divisionária/3 nunca foi em Porto Alegre e o General Barra que a comandava na ocasião mencionada não se chamava Rubens – que, como coronel servia em Curitiba – mas seu irmão Newton (p. 90); – Almirante Vermelho era o apelido pelo qual era conhecido na Marinha o Almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues, da reserva, no- meado ministro nos estertores do Governo Goulart e como conseqüência da revolta dos marinheiros, e não o Almirante Aragão, chamado “o Almirante do Povo”; – a salva de 24 tiros (sic), mencionada à página 108 como parte das honras militares prestadas a Castello Branco em sua visita ao Forte Copacabana, deve ser invenção do “brazilianista” Dulles e falha da “assessoria militar” do autor; – o Tenente-Coronel Silvio Ferreira da Silva, mutilado pela bomba do Aeroporto de Guararapes, não era mais o secretário de Segurança de Pernambuco na ocasião (p. 241); – o Quartel-General da 6a RM era em Salvador, na Bahia, e não em Porto Alegre (p. 269).
Parece que, quanto ao Paraná, essas falhas são, ainda, mais gritantes. Poderia mencioná- las brevemente?
A julgar pela versão dada pelo Marechal Cordeiro de Farias em seu depoimento para Aspásia Camargo e Walder de Góes, sobre os acontecimentos em Curitiba nos idos de 1964, a sua afirmação – encampada por Élio Gaspari – de que “o Exército dormiu janguista no dia 31 e acordou revolucionário no dia 1o”, precisa ser coloca- da de quarentena. Primeiro, porque o Exército nunca foi janguista; havia alguns poucos oficiais que poderiam ser assim considerados, mas a maioria era legalista e foi arrastada dessa posição para o Movimento de 1964 pelos desatinos de Jango e seus amigos. Depois, porque o relato sobre o que se passou em Curitiba – meninos, eu vi! – é inteiramente equivocado. O então comandante interino da Região Militar, General Dario Coelho, fez publicar dias depois (4/05/1964) um relatório sobre os acontecimentos que desmente totalmente a versão do Marechal Cordeiro de Farias.
Em 1964, foi a decidida e pronta adesão do General Dario Coelho, no comando interino da 5a RM, apoiado pelo Governador Ney Braga, que garantiu a retaguada do II Exército, comandado pelo hesitante General Amaury Kruel, e o isolamento dos elementos gaúchos leais ao Governo Goulart. A afirmação atribuída ao General Floriano Machado (p. 113), aconselhando Jango, na manhã de 2 de abril, a abandonar às pressas Porto Alegre porque tropas de Curitiba estavam marchando para a capital gaúcha, é exagerada, mas, na verdade, desde a manhã da véspera o General Dario Coelho determinara o deslocamento de forças para isolar o Rio Grande do Sul. De outra forma, o gesto corajoso, mas afoito, dos generais de Minas Gerais correria um grande risco de fracassar. A crise da renúncia de Jânio Quadros fora uma lição.
Naquela ocasião, foi a adesão da 5a Região Militar aos que defendiam a posse de João Goulart que negou aos que se opunham à solução constitucional uma importante base para a montagem do dispositivo destinado a enfrentar e subjugar a posição conjunta do Governador gaúcho Brizola e do comandante do III Exército. Se tivesse prevalecido a opinião do então Comandante Militar do Planalto, General Ernesto Geisel – como confessa em suas memórias –, uma força de pára-quedistas teria sido lançada para apossar-se do Aeroporto de Afonso Pena e garantir a descida dos aviões de transporte com a tropa de infantaria necessária para ocupar Curitiba.
E na história daqueles dramáticos momentos de 1964, um lance decisivo nunca foi verdadeira e cabalmente contado. O próprio Élio Gaspari, à página 90 do livro, repete a versão que até hoje prevaleceu – falta de visibilidade –, mas que não retrata o que realmente aconteceu. São passados quarenta anos daquela noite de 31 de março, muitos dos personagens envolvidos já estão mortos, mas ainda há alguns sobreviventes que os protagonizaram ou a eles assistiram. No Aeroporto de Afonso Pena, um decidido grupo de civis aliciados por um conspirador militar, em silencioso “golpe de mão”, manteve a pista de pouso às escuras e, com isso, impediu o pouso de um avião que poderia mudar drasticamente o rumo dos eventos que se seguiram, com o inevitável risco de um indesejável derramamento de sangue.
Cerca de nove e meia daquela noite, um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) decolou do Rio de Janeiro levando a bordo três generais fiéis ao Governo João Goulart: o General Ladário Pereira Teles que ia assumir o comando do III Exército em Porto Alegre, o General Silvino Castor da Nóbrega, comandante efetivo da 5a RM, e o General Chrysanto Figueiredo, comandante da ID/5 de Ponta Grossa; estes dois últimos achavam-se em férias naquela cidade e vinham reassumir seus postos. Chrysanto era um notório esquerdista que desenvolvia uma intensa pregação em seus pronunciamentos à tropa. Silvino fora um bravo comandante de Batalhão na FEB e ninguém poderia ter dúvidas de sua coragem e de sua posição governista.
Os militares de Curitiba contrários à deposição de Goulart, mais numerosos entre os sargentos, aguardavam quem os liderasse. Assim o declarou, na época, um jovem e politizado sargento, hoje um próspero empresário curitibano do setor dos transportes. A posição do General Dario era de há muito conhecida, pois, desde setembro de 1963, – quando substituíra o General Ernesto Geisel como comandante da AD/5 – em visita às unidades, já deixava clara sua posição contra os desmandos do janguismo.
Entre os conspiradores mais ativos estava o Tenente-Coronel Francisco Boaventura Cavalcanti, brilhante oficial de Artilharia, que fora transferido do Rio de Janeiro para Curitiba por ter se recusado, em outubro do ano anterior, a participar de uma operação determinada à tropa pára-quedista destinada a prender o Governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Boaventura aliciara alguns civis em sua pregação anticomunista e três deles estavam armados no aeroporto naquela noite. As instala- ções do aeroporto civil Afonso Pena achavam-se na área de responsabilidade da unidade onde servia Boaventura, naquela ocasião sem o seu comandante efetivo, General Reinaldo Mello de Almeida, que, muito ligado ao General Silvino, fora mandado ao Rio de Janeiro para tentar convencê-lo a mudar de lado; desencontrou-se dele e deixou a unidade sob seu comando no “olho do furacão” e sem o seu comandante efetivo. A interdição da pista por tropa do Exército só foi feita no dia seguinte.
O piloto do avião da FAB poderia ter tentado o pouso na Base Aérea do Bacacheri, pois o brigadeiro comandante da Escola ali sediada, embora instado por seus subordinados a fazê-lo, não quis mandar bloquear a pista. Por razões desconhecidas, o piloto não o fez e informou a seus passageiros a inexistência de condições de pouso e seguiu para Porto Alegre. O General Silvino tentou de diversas maneiras e à distância retomar o controle de seu comando, deu ordens para deslocamento de tropas na direção de São Paulo, deu a conhecer aos comandantes das principais guarnições de Santa Catarina que estaria logo ali para reassumir o comando; tudo inútil. O General Dario ainda tentou por telefone fazer-lhe ver que só poderia reassumir seu posto se estivesse disposto a marchar contra o governo com a esmagadora maioria de seus comandados. Não aceitou e rendeu-se ao império das circunstâncias; a ausência de Curitiba e o passar do tempo lhe foram contrários e a história do “golpe” de 1964 na 5a RM deixou de tomar um rumo inesperado e certamente desagradável e cruento.
O escriba Élio chama a episódios como esse de “anarquia” e de “bagunça”, como se fosse possível fazer uma revolução sem elas.
O livro é recheado de estatísticas a partir de certo ponto. Poderia comentá-las?
A partir da página 130, o autor inicia um exercício de “chutometria” numero- lógica a respeito dos presos, mortos, exilados etc. Apresenta dados, desde os que teria a embaixada americana até os que, anos depois, surgiriam do livro de dois farsantes – Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio – intitulado “Dos filhos deste Solo”.
A citação desse (seu) livro, feita no final da longa nota de rodapé que tomou o no 8 (p. 132), dá uma idéia do nível de empulhação que perpassa a obra eliana. A referência cita a página 311, como apoio ao que diz sobre a morte do Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O caso desse oficial se encontra em outra página (561) e registra uma das muitas mentiras do grosso calhamaço editado com o dinheiro do PT (Editora Perseu Abramo-Boitempo) e sobre o qual vale a pena nos alongarmos, pois dá a medida do que se fez na famigerada Comissão de Mortos e Desaparecidos.
Ali consta que “Alfeu era coronel aviador. Foi fuzilado no dia 4 de abril de 1964 na Base Aérea de Canoas no Rio Grande do Sul. A perícia médica constatou que foi assassinado pelas costas com uma rajada de metralhadora, tendo sido encontrados 16 projéteis em seu corpo”.
Em setembro de 1997, a Comissão concedeu indenização aos familiares do coronel – cuja viúva já recebia pensão militar – com o voto favorável do General Oswaldo Pereira Gomes, que, em entrevista à Folha de São Paulo de 7 de junho de 1998, disse: “(…) Houve um caso de um militar janguista que se rebelou num quartel do Rio Grande do Sul. Ele foi morto e a Comissão votou o processo em que ele teria levado 16 tiros pelas costas. Era o Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O pedido de indenização foi aceito. Eu mesmo aprovei o caso. Na verdade, depois de o caso ser aprovado, fui descobrir que o coronel não tinha levado 16 tiros pelas costas, mas sim um tiro, após tiroteio (…)
O que foi para o relatório “Brasil: nunca mais” foi essa versão mentirosa de 16 tiros pelas costas, o que é mais uma inverdade consignada pelos revanchistas. Houve muitos casos como esse”.
O general era o representante das Forças Armadas na Comissão. Suas dúvidas sobre esse processo deveriam ter sido tiradas antes da votação, para que pudesse dar seu voto com conhecimento de causa, como é o mínimo que se espera de qualquer juiz. Elas seriam tiradas se, simplesmente, ele consultasse o IPM que, na época, apurou o fato.
Se o consultasse, teria tomado conhecimento do que ocorrera; o Brigadeiro Nelson Freire Lavanère Wanderley, acompanhado do Coronel Aviador Roberto Hipólyto da Costa, chegou à 5a Zona Aérea, em Porto Alegre, e não à Base Aérea de Canoas, para assumir o comando, que deveria ser transmitido pelo Coronel Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro, oficial mais graduado presente. O Coronel Alfeu, amigo pessoal de João Goulart, após recusar-se a transmitir o comando, atirou e feriu o Brigadeiro, sendo morto com um tiro de pistola 45 pelo Coronel Hipólyto, em ato considerado como de legítima defesa de outrem. O Coronel Hipólyto foi absolvido pela Justiça Militar (jornal Ombro a Ombro, de julho de 1998). Recebi há dias o depoimento do então cabo enfermeiro Oséias Rech que servia no QG do V Comar e foi testemunha dos acontecimentos, tendo conduzido o Coronel Alfeu para o hospital.
É assim que a esquerda conta a estória dos “anos de chumbo”, agora com o auxílio do tortuoso discípulo do Golbery que se vale, à larga, dos dados do livro fajuto do Nilmário e do Tibúrcio.
Além disso, as estatísticas do livro do Gaspari, fazem lembrar as elucubrações que ainda se fazem a respeito do número de índios que havia no Brasil quando da chegada de Cabral ou da falsificação numerológica sobre a população do Paraguai ao iniciar-se a guerra da Tríplice Aliança e que alimentou os inventores do mito do genocídio. “Chutometria” alucinada de burocratas que tinham de preencher e mandar relatórios? No território da 5a RM, os presos não passaram de uns trinta. Devem ter considerados como presos os que fugiram por nada, os exilados voluntários e os que se esconderam. Diz o autor que, em três anos (1964/1966), passaram pelas embaixadas cerca de quinhentos asilados. Os dados sobre as intervenções nos sindicatos e confederações, além de fantasiosos e confusos, são ridículos (p. 131). Mis- turam-se e embaralham-se dados para confundir o leitor e aumentar o número de páginas do calhamaço. Se nem o nome certo do órgão punitivo existente na ocasião eles sabem direito, como acreditar na veracidade do que escrevem.
O autor é mais um que não sabe que a comissão chefiada inicialmente pelo Marechal Taurino era a Comissão de Investigação Sumária (CIS) e que a Comissão Geral de Investigações (CGI) – órgão para apurar atos de corrupção –, só surgiria depois do AI-5, no começo de 1969, e era presidida pelo Ministro da Justiça (p. 134). Outras tolices ainda escreveria mais adiante, ao falar da CGI nos volumes seguintes.
E as incorreções se sucedem, como a que aparece na página 137, ao referir- se à crise da aviação embarcada, quando o número de ministros demitidos é mencionado incorretamente. Dado irrelevante, como se poderia argumentar, mas que desacredita a pesquisa feita e o mais que se escreveu. Depois de tantos anos de pesquisa e com o auxílio de computadores e de uma enorme equipe, o livro tem passagens que fazem lembrar o livro do Barão de Munchausen. O problema é que a mentira, além de pernas curtas, tem muitas faces e a verdade é só uma. Mas, aí o livro já foi vendido e o dinheirinho embolsado.
E o repórter-falsário dos tempos do Galeão reaparece a cada passo, ao omitir detalhes que invalidariam sua tese ou seu raciocínio de uma evidente prevenção contra os militares, apesar de ter-se revelado um perfeito sabujo dos generais quando isso lhe trazia algum proveito. Ao tentar mostrar o que chama de “a anarquia militar”, escamoteia do leitor fatos e circunstâncias relevantes em uma isenta apreciação histórica. Ao mencionar a alegada rebeldia dos quartéis na vigência da Constituição de 1946 esconde que a pressão que levou o Presidente Vargas ao suicídio foi o “mar de lama” que, segundo ele mesmo constataria envergonhado, corria por baixo do Palácio do Catete e que resultara no assassinato de um major da Aeronáutica por um sicário a serviço da guarda pessoal do próprio presidente. Que o impedimento dos senhores Café Filho e Carlos Luz foi contramedida necessária para abor- tar um golpe de que ambos eram parte e que pretendia impedir a posse do presidente legitimamente eleito Juscelino Kubitschek (p.140).
Uma das teclas mais insistentemente batidas pelo autor ao longo de seus cartapácios é a referente à tortura e Gaspari chega a afirmar que “a tortura foi o termômetro da
intensidade da ditadura”. O senhor teria algum comentário sobre esta constante assertiva dos revanchistas?
A tortura, como de hábito, é uma verdadeira obsessão dos que escrevem sobre os “anos de chumbo”. O General Mourão Filho, tratado sempre com desprezo pelo escriba como uma figura caricata, assume ares de credibilidade ao denunciar “essa onda terrível” em suas Memórias, enquanto Carlos Lacerda, apesar de cassado e res- sentido, ainda em 1977, mantinha o que sempre dissera, desde a famosa entrevista em Orly, em abril de 1964 (Gaspari a dá, erroneamente, como sendo em maio).
Com o mesmo ânimo, encampa a notícia falsa publicada em agosto de 1964 como parte da campanha de denúncias de torturas, desencadeada desde julho pelo Correio da Manhã, na qual é afirmado que “o advogado e ex-deputado paranaense Walter Pecoits, que organizava camponeses na região de Cascavel (sic), ficara cego de um olho, seis dias depois de ter sido preso pelo Exército”.
Pecoits era médico e o acusado de lhe ter causado a cegueira foi um oficial da Polícia Militar; a área de atuação desse político do PTB não era Cascavel – que em outro ponto do livro é colocada a duzentos quilômetros de Curitiba, quando fica a quinhentos – mas bem longe dali, em Francisco Beltrão, onde em 1957 houve um levante de posseiros. E, finalmente, fontes insuspeitas declararam que o médico já era deficiente visual e usou a alegação da violência para beneficiar-se politicamente e depois pecuniariamente do fato (p. 144). Sobre esse mesmo jornal de tanta credibilidade, iria escrever à página 206 de A Ditadura Derrotada: “O Correio da Manhã, porta-voz decadente dos empreiteiros que o arrendaram em 1969, ficou a dever ao General Fontoura, Chefe do SNI, a sustação de uma cobrança de dívida do jornal com a Previdência (junho de 1972).” Provavelmente, a campanha difamatória de 1964, desencadeada por um jornal que apoiara decididamente a revolução, tenha algo a ver com a frustração de que no Governo Castello lhe fora negada a esperada benesse que salvaria o já endividado jornal.
Perfilha, algumas páginas adiante, as estatísticas sobre tortura do famoso projeto “Brasil: nunca mais”, montado sobre a alegação geral de terroristas e guerrilheiros – por instrução de seus advogados – para nos Juízos Militares derrubarem as confissões feitas na fase de inquérito – algumas de próprio punho – alegando, sistematicamente, as terem feito sob maus-tratos e tortura. Curiosamente, uma das exceções foi a conhecida Bete Mendes, a Rosa da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), autora de falsa acusação ao Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, em 1985.
Um dos órgãos mais criticados por Gaspari é o SNI. Como se explica isso de um “ami- gão” de Golbery?
O autor, embora um serviçal do Golbery, é um crítico feroz do SNI ao qual dedica um capítulo especial onde compara “o Serviço” com a 4a Delegacia, a famosa central de torturas do Estado-Novo, e tenta justificar o porquê de seu pretenso criador tê-lo chamado de “monstro”. Mas atribui ao órgão um pecado que não foi dele e mostra, mais uma vez, que quando se trata do Paraná, é mais mal informado do que o habitual. A escolha do Deputado Leon Peres para governador biônico daquele estado foi uma conspiração palaciana urdida, sob inspiração do Coronel Manso Neto, junto ao Presidente Médici por gente que se acotovelava no Palácio do Planalto, figurantes de um dos muitos círculos que se criavam na Brasília daqueles tempos – de que fazia parte o deputado e que o Senhor Roberto Médici em depoimento sobre seu pai apelidou de “clube inglês” – e nos quais se faziam os arranjos, onde os sócios trocavam elogios mútuos, procurando valorizarem-se.
Mas, se o SNI – definido em 13 de junho de 1964 pelo Correio da Manhã, antes mesmo de funcionar, como “um Ministério de polícia política, instituição típica do Estado policial, in- compatível com o regime democrático” – chegou a fazer tudo o que o autor menciona (p. 170/171) deveu-se principalmente ao “uso do cachimbo” que lhe impingiu Golbery e que deixou “a boca torta”, de que o próprio Gaspari dá um exemplo ao afirmar que um oficial de Marinha – cujo nome menciona – lhe mostrara em 1976 um informe do mesmo SNI, exemplo da intimidade que o jornalista gozava com gente do “monstro” em sua plenitude nos “anos de chumbo” (nota 61/p. 171) certamente o mesmo sujeito que dotou o arquivo do autor de um volumoso documento confidencial do Centro de Informações da Marinha (Cenimar) (nota 62/p. 190). Obra, aliás, compatível com o caráter de Golbery que o autor começa a esboçar já na página 36 do livro e que terá pleno desenvolvimento no terceiro volume do “pentateuco”.
A chamada guerrilha do Cardim é largamente tratada nesse primeiro volume, com a idéia de valorizar um episódio sem nenhuma expressão. As inverdades não são uma constante nessa sua abordagem?
Sem dúvida, a torrente de equívocos e mentiras prossegue ao tratar o livro extensamente (p. 191/196) da tentativa de guerrilha do “exército brancaleone” de Jefferson Cardim de Alencar Osório, um “porra-louca” na avaliação de seus contemporâneos na Escola Militar e que, no episódio, recebia ordens do ex-sargento da Brigada Militar gaúcha, Alberi Vieira dos Santos, como ficou constatado na apuração do evento. Começa por dizer que, ao atingirem a divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, “os guerrilheiros tinham o Exército no encalço”. O “exército” eram dois majores que tinham recebido a missão de rastrear e acompanhar à distância o bando. A “viagem rotineira” do Presidente Castello Branco era um importante evento para a época, qual seja a inauguração da Ponte da Amizade, iniciada por Juscelino Kubitschek e que, ao contrário do que fariam anos mais tarde com as grandes iniciativas deixadas pelos governos dos generais-presidentes os revanchistas odientos, fora continuada e concluída. E de repente, no relato “eliano” e como soe acontecer nos seriados históricos da TV Globo, o entrevero entre os aprendizes de guerrilheiro e a tropa legal viaja dezenas de quilômetros e muda-se para “as vizinhanças da cidade de Cascavel, duzentos quilômetros a oeste de Curitiba”.
O local certo é nas proximidades da cidade de Leônidas Marques, como corretamente assi- nala Jacob Gorender na mesma página do livro onde Gaspari foi buscar a referência à tortura que teria sido infligida ao coronel. E aí termina a ignorância geográfica de quem não sabe a verdade e começa a falsificação torpe de quem se empenha em difamar o Exército Brasileiro. Não pelo episódio da prisão que poderá ter aconteci- do com a relatada atitude de destempero do capitão (?) comandante da tropa ao prender um dos responsáveis pela morte de um de seus sargentos, o que justificaria sua compreensível ira. O problema é que a prisão foi feita por um tenente e o coronel estava fardado.
A partir daí, volta a funcionar a fábrica de mentiras do discípulo do Ibrahim Sued com as torturas em três quartéis, a desconfiança de Castello com a rapidez das confissões – certamente sob tortura – e a comparação desses fatos com episódios históricos de 1922 e 1924.
Jefferson Cardim durante sua prisão, como condenado pela Justiça Militar, foi tratado com tanta consideração que conseguiu que comparsas seus armassem uma fuga espetacular, explorando suas regalias, que descrevo no Capítulo 5 do meu último livro. A apontada “rapidez das confissões” (prisão em 28 de março e leitura do presidente em 13 de abril) indicativa de uso de tortura é notícia do pasquim porto-alegrense Coojornal, de dezembro de 1978, o que por si só já desqualifica a afirmação, não fora a tolice de considerar que o prazo de 15 dias fosse motivo de espanto para a difusão de uma informação.
E a comparação entre a ação de desatinados terroristas e guerrilheiros, a serviço de uma potência estrangeira e subsidia- dos por dinheiro cubano, com as tropelias internas de descontentes (1922 e 1924) com um governo que não os anistiou e os perseguiu enquanto pôde, é descabida, mas coerente com tudo o que o autor assoalha em toda a obra, quando, sistematicamente, escreve que os do lado da lei “morrem” e os subversivos, terroristas e guerrilheiros são “assassinados”, assim como os integrantes de partidos e facções comunistas são apenas esquerdistas. Coisas do Eremildo…
E para terminar este longo, embora parcial, exame de A Ditadura Envergonhada vale a referência comparativa com o que o autor chama a “Roda de Aquários”. As mãos que no Brasil tentavam mover a roda de Aquários eram as mesmas que se diziam dispostas a pegar em armas para criar neste país um ou mais “vietnames” e que aqui mesmo faziam suas vítimas, iguais àquelas do Vietname verdadeiro, pelas quais os jovens americanos faziam protestos.
É emblemática a leniência com que o autor trata a violência dos desordeiros americanos – que era reprimida sem contemplações pela polícia e que mais adiante motivaria severas medidas contra a indisciplina nos “campi” universitários – com a decisão com que os governos pós-1964 enfrentaram a guerrilha urbana e a luta armada comunista em nosso País.
A obra mercenária de Élio Gaspari vem a lume no justo momento em que a democracia americana – atingida em seu próprio solo pelo terrorismo islâmico – adota medidas de salvaguarda que deixam o nosso AI-5 como um mero regulamento de um colégio de freiras e onde os “porões” da ditadura brasileira – que tanto incomodaram certos círculos da terra de Tio Sam e muitos ditos brazilianistas – ficam a parecer um “jardim de infância” se comparados com os de Guantânamo…
No primeiro volume de seu “pentateuco” das Ilusões Armadas, o escriba Élio Gaspari esforçou-se para tentar desmoralizar o movimento cívico-militar de março de 1964 e alguns de seus chefes. No segundo tomo, qual a tônica do escritor?
No segundo volume de sua longeva obra, o antigo auxiliar de Ibrahim Sued empenha-se em provar que a luta armada comunista só foi derrotada pela ação da tortura institucionalizada e generalizada, transformada em “política de Estado”. Daí, ocorreu-me a seguinte comparação: o matemático grego Euclides – que viveu no século III a.C. – estabeleceu um postulado – “de um ponto exterior a uma reta só é possível traçar uma única perpendicular a essa reta” – e sobre ele foi construída a geometria euclidiana. O Élio Gaspari criou um postulado “eliano”, axiomático – foi a tortura que derrotou a luta armada – e sobre ele construiu um grosso volume, em que mistura ficção, meias-verdades, mentiras inteiras, escritas em seu “magnífico estilo” e com uma sintaxe escorreita, ajudado que foi por numerosa equipe editorial. Bem diferente, ao que julga, do “estilo de compota” que atribui, por exemplo, aos escritos do General Octavio Costa.
A prática da tortura é tão velha quanto o homem. O uso da dor física como punição, como provação ou como forma de obrigar um indivíduo a confessar um crime ou fornecer informações, já era comum entre gregos e romanos. A apuração dos chama- dos crimes de “lesa majestade” ou de “lesa majestade divina” admitia o uso da tortura, especialmente nos processos da Inquisição. Somente em meados do século XVIII, o uso legal da tortura foi abolido na maioria dos países da Europa. Em 1816, uma bula papal proscrevia o uso da tortura nos países católicos.
Modernamente, a tortura em larga escala foi ressuscitada pelos regimes nazi-fascistas e comunistas, como meio de coação política. Deve-se aos comunistas a introdução de uma nova técnica com a chamada “lavagem cerebral”, resultante dos estudos de Pavlov sobre os reflexos condicionados, e intensamente aplicada na guerra da Coréia. Os franceses na Argélia e os ingleses ainda hoje contra o IRA são acusados de largo uso de tortura física e psicológica.
No Brasil, o assunto foi vastamente explorado após a queda do Estado-Novo de Getúlio Vargas, regime acusado de torturar dissidentes. Mais recentemente, passou a ser um dos assuntos preferidos pela propaganda da esquerda, desde os primei- ros dias do movimento que derrubou o Senhor João Goulart. Já na famosa entrevista de Carlos Lacerda no Aeroporto de Orly na França, nos primeiros dias de abril de 1964, os jornalistas perguntaram sobre a ocorrência de tortura no Brasil. No início do Governo Castello Branco, as acusações voltaram a ganhar curso com grande preocupação para o presidente. Nunca pararam e continuam a fornecer matéria com que escribas desonestos enchem suas pautas sem assuntos sérios.
Mas uma das mais surpreendentes manifestações sobre as alegadas torturas, antes mesmo da publicação pelo CPDoc da FGV dos “Anos de Chumbo” e dos calhamaços do Elio – nos quais a tecla sobre a tortura é uma “torturante” obsessão – tivemo-la no livro do jornalista Hélio Contreiras – “Militares – Confissões”, onde o ponto mais delicado dos depoimentos do citado livro é a afirmação de que aconteceram real- mente as denunciadas violências contra os presos políticos.
Releva citar que pelo menos dois desses depoimentos são contrafações, a mim declaradas pelos depoentes. Um deles nega haver feito tais declarações e o outro foi entrevistado pelo telefone e só viu suas supostas declarações no livro e as repudia em sua maior parte. São depoimentos de 38 figuras ilustres do regime autoritário que incluem um ex-presidente, seis ex-ministros, cinco generais-de- exército, três ex-ministros do Superior Tribunal Militar (STM), inúmeros generais, almirantes, brigadeiros e coronéis, quase todos censurando aqueles abusos, mas afirmando que não concorreram de nenhuma forma para eles e que, no âmbito de suas atuações e responsabilidades, não houve tortura.
Acredito que, se indagados se presenciaram alguma dessas – ao que se alega – corriqueiras ocorrências, com toda a certeza o negariam com a mesma veemência com que as condenaram por “ouvir dizer”. Se as condenaram, por que não as denunciariam na época? Por que deixariam de agir para promover a responsabilidade dos alegados torturadores, o que não seria difícil, dadas suas elevadas posições hierárquicas e funcionais e, prin- cipalmente, tendo em vista que, de há muito, é considerado, no mínimo, transgressão disciplinar “maltratar ou permitir que se maltrate preso sob sua guarda”.
Neste livro, Gaspari, o Élio Parmegiani do Partido Comunista, ex-empregado da Embaixada cubana, os desmente a todos, acusando indiscriminadamente os chefes militares, sem dizer quais, de mandantes da tortura, sem a qual a luta armada comunista não teria sido derrotada.
Segundo Gaspari, a tortura acontecia em de- corrência de um conluio de omissões, tolerâncias e negligências.
Mas, em que consistia a alegada tortura? Pressão psicológica, maus-tratos, ameaças? E, afinal, quem são os responsáveis pelos abusos, apresentados como institucionalizados, rotineiros e largamente praticados, e dos quais não escapou nenhum dos subversivos levados a julgamento na Justiça Militar, pois eram unânimes em declarar em juízo que seus depoimentos, mesmo os escritos de próprio punho, tinham sido obtidos mediante tortura. Foi com essas maciças declarações que o trêfego Cardeal Arns e seus acólitos – entre eles, José Gregori e José Carlos Dias – conseguiram montar o famoso livro “Brasil: Nunca Mais”, a Bíblia dos Revanchistas. No final do Capítulo 4 de meu livro, “O Fascínio dos Anos de Chum- bo”, o leitor encontrará meu testemunho pessoal de dois exemplos das mentiras contidas nesse livro de Evaristo Arns, entre tantas outras.
General, gostaria que o senhor falasse dessas duas mentiras para que, nesta oportuni- dade, desmascarasse, também e cabalmente, os autores do livro “Brasil: Nunca Mais”, em especial o Cardeal Vermelho, mui amigo de seqüestradores – especialmente os es- trangeiros –, como se viu no seqüestro de Abílio Diniz?
Só muito recentemente veio às minhas mãos o badalado livro em cuja preparação e publicação o Cardeal Arns usou milhares de dólares subtraídos à ajuda aos necessitados de sua diocese. Embora ainda, até hoje, à venda nas livrarias, encontrei o best seller “Brasil: Nunca Mais”, em um “sebo”. Hesitei em comprá-lo, mas era tão barato que resolvi arriscar-me a jogar fora meus dez reais. Valeu a pena. Dois episódios de Curitiba, com os quais havia lidado pessoalmente, ali estavam apresentados de forma distorcida e falsa. Duas falsidades de que posso falar com absoluto conhecimento de causa, visto que abordam episódios vividos por mim.
O primeiro, apresentado à página 44, como parte do conjunto “Menores torturados”, refere-se a Milton Gaia Leite. Esse subversivo, dirigente do MR-8 (Niterói), codinome Fyatt, é o personagem do episódio que relatarei a seguir. No livro do arcebispo, a retirada da esposa de Fyatt e das duas crianças da casa – para evitar que corressem riscos e testemunhassem a detenção do pai – é apresentada como “prisão”, mentira ignóbil, pois na realidade, tratava-se de lamentável decorrência do uso pelo guerrilheiro de seus próprios filhos como “fachada” para encobrir suas atividades criminosas, subterrâneas e subversivas.
A confortável e ampla casa no meio de um aprazível terreno da Rua Alferes
Poli, no centro de Curitiba, alugada recentemente pelo caixeiro-viajante, parecia a morada de uma família de classe média, onde duas crianças, freqüentemente, enchiam o jardim com suas correrias e seus brinquedos. No entanto, essa fachada encobria o esconderijo de “Fyatt”, codinome de um dos líderes do MR-8. Identificado o mora- dor, uma operação para prendê-lo foi montada. Um agente, utilizando um pretexto qualquer, bateu na casa procurando pelo chefe da família.
A mulher, aparentemente sem nada suspeitar, o atendeu e disse que seu marido estava viajando e que não sabia quando ele voltaria. Nesse momento, uma das crianças, de uns cinco anos, na sua inocência delatou o pai dizendo que ele voltaria no domingo.
Era verdade e contou-me depois o encarregado da operação o quanto o tocara aquele detalhe amargo, quando a alegria ingênua de uma criança acabara, involuntariamente, servindo a um fim desagradável para seu próprio pai. As crianças e sua mãe foram retiradas da casa por medida de segurança e precaução e no domingo seguinte “Fyatt”, ao regressar, em vez da família, encontrou em casa agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) que o prenderam. Com ele, foram apreendidos mais de 60 milhões de cruzeiros em dinheiro, parte do dinheiro roubado do Banco do Brasil pelo “Bom Burguês” e que, além de financiar o MR-8, foi engordar a conta na Suíça do antigo e esperto gerente.
O outro fato aparece à página 80 do livro do cardeal com o intuito de exemplificar casos em que “mesmo feridos, alguns prisioneiros eram levados diretamente à tortura”, citando o de João Manoel Fernandes, preso em Curitiba. Participei direta e pessoalmente do caso e, no Capítulo 4 de meu livro, conto, em suas minúcias, o episódio, onde relato a prisão do secundarista, baleado ao tentar reagir e que, milagrosamente, escapou com vida. Ao invés de “ser levado a pontapés para o Pronto Socorro” (sic) foi ele que tentou agredir o policial que o custodiava. Outras tantas mentiras, do mesmo calibre ou maiores, certamente existiram no livro que se tornou fonte corriqueira de referência dos revanchistas e dos escribas capciosos.
General, a alegação dos terroristas, procedente ou não, de violência policial para obter confissões passou a constituir nova e permanente preocupação das autoridades?
Exatamente. Tornou-se freqüente a autoflagelação por marginais presos para investigação, pois se, ao serem soltos, não ostentassem marcas de violência, isso passaria a ser julgado por seus chefes e comparsas como indício de “alcagoetagem”, o que os colocava sob risco de represálias violentas pelas próprias quadrilhas.
No início do Governo Castello Branco, o fechamento da União Nacional dos Estudantes (UNE) – tradicional valhacouto de subversivos – e a detenção do comunista Florestan Fernandes serviram de pretexto para o recrudescimento das agitações estudantis e de uma campanha pela imprensa baseada em denúncias de terror cultural e de torturas em prisioneiros, principalmente em São Paulo e Pernambuco, veiculadas pelos jornais Correio da Manhã e Última Hora.
De imediato, foi despachado para os locais onde eram denunciadas as violências o General Ernesto Geisel, Chefe do Gabinete Militar da Presidência, “a fim de buscar minuciosas informações para a adoção de providências e assegurar a vigência de todas as franquias constitucionais”, segundo nota oficial, lida da tribuna da Câmara dos Deputados pelo líder Pedro Aleixo.
Em São Paulo, os portões da Base Aérea de Cumbica foram franqueados às altas autoridades civis, eclesiásticas e à imprensa para visitarem e ouvirem os presos ali detidos. Em Pernambuco, além da presença do General Geisel, que constataria a improcedência das denúncias, o General Murici solicitou e obteve a apuração por uma comissão de alto nível e de jorna- listas os fatos denunciados, inclusive em uma visita a presos na ilha de Fernando de Noronha. O jornalista Edmundo Morais, redator do Diário de Pernambuco, assim noticiou a visita:
“À ilha de Fernando de Noronha, onde estavam dois ex-governadores, ex- deputados e outros acusados, acompanhamo-la (a visita), este rabiscador de notas e os confrades Vladimir Calheiros e José do Rego Maciel Júnior e mais oficiais superiores do Exército, entre os quais o Coronel Antônio Bandeira. As autoridades na ilha-prisão deixaram-nos à vontade para ver, ouvir, filmar e fotografar durante mais de uma hora. Nós e os presos, sem ninguém por perto. Os “torturados” disseram como viviam; nenhum vexame de ordem física ou moral. A sofrer, apenas o constrangimento da prisão, como era óbvio.”
Na mesma época, houve o caso dos membros da falsa missão comercial da China Comunista, presos após 31 de março de 1964 e que a imprensa internacional dava como submetidos a sevícias e torturas no hoje famoso quartel da Rua Barão de Mesquita. Para desmascarar a farsa, foram convidados a visitar os presos o embaixador da Indonésia – que respondi
Na mesma época, houve o caso dos membros da falsa missão comercial da China Comunista, presos após 31 de março de 1964 e que a imprensa internacional dava como submetidos a sevícias e torturas no hoje famoso quartel da Rua Barão de Mesquita. Para desmascarar a farsa, foram convidados a visitar os presos o embaixador da Indonésia – que respondia pelos interesses da China – e uma comissão da Cruz Vermelha, os quais constataram a improcedência das denúncias.
Não obstante, a imprensa internacional manipulada pela esquerda continuou em Paris e Nova Iorque a atacar o regime brasileiro. Era um ensaio da central de infâmias montada mais tarde em Paris por Márcio Moreira Alves e outros, com o dinheiro dos argelinos. A reiteração dessa cantilena veio agora com os livros de Élio Gaspari de que estamos nos ocupando.
O comunista Jacob Gorender, apesar de um feroz acusador de torturas praticadas e de um estrênuo defensor dos desatinos da esquerda que ele, benevolamente, chama “a violência dos oprimidos”, em seu livro “’Combate nas Trevas”, confessa uma infâmia praticada por seus companheiros de prisão a respeito de uma inventada tortura que teria sido infligida à filha menor do terrorista Virgílio Gomes da Silva, um dos seqüestradores do embaixador americano.
Essa mentirosa acusação foi inserida na redação de um Manifesto de jornalistas que saiu do Presídio Tiradentes, inexistente no texto original, de cuja redação Gorender participara. Quantas infâmias, como essa, foram e continuam a ser repetidas?
Outro caso emblemático é o da morte no DOI de São Paulo do jornalista Vladimir Herzog, largamente explorado pela esquerda e focalizado pelo ex-Presidente Geisel em seu depoimento histórico publicado em 1997. Profundamente irritado com a ocorrência e levado pela grita levantada, o ex-presidente foi à Cidade de São Paulo e, não só determinou a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM), como escolheu o seu encarregado, um general de sua absoluta confiança – Fernando Cerqueira Lima –, já falecido. O inquérito, feito com o maior rigor, com laudos e perícias de toda a ordem, concluiu que, por negligência na vigilância, o preso conseguira suicidar-se.
O IPM foi dissecado em todos os seus detalhes na Justiça Militar e sua conclusão referendada, exceto na exploração ideológica do cadáver que o próprio Geisel sintetizou, ao dizer: “Agora a esquerda tem um herói!” Um apagado e desimportante membro de uma célula do PCB na Revista Visão que, de próprio punho, delatara seus companheiros e ia ser posto em liberdade; ao sabê-lo, entrou em crise de consciência e matou-se.
Esse o fato, comprovado em um IPM feito por um homem íntegro, mas cujas conclusões irretorquíveis foram obscurecidas pelas versões dos interessados em explorar o novo e inesperado herói. E se as versões contrariam os fatos, pior para os fatos, já sentenciava Nelson Rodrigues. O próprio Geisel ajudou nisso.
Nesse aspecto, é muito ilustrativa uma erudita crônica em jornal, há tempos publicada pelo sempre imaginoso e prolixo (nos dois sentidos) Jornalista Élio Gaspari, em que o autor, sem dizer especificamente a quem se referia, ensaiava veemente defesa do delator que confessa sob tortura. Na verdade, a alegação de tortura ser- viu, na maioria das vezes, para justificar fraquezas e delações gratuitas. Muitos as trocaram por liberdade, emprego e nova identidade em lugares seguros. Não é sem motivo que esse tipo de guerra, de há muito, é dita suja e vez por outra reaparece um desaparecido.
As acusações vêm sempre desacompanhadas das necessárias provas e aí voltamos ao conselho do Doutor Goebbels: “uma mentira, repetida mil vezes, passa a ser verdade”. Os revanchistas têm enchido páginas e páginas de livros, revistas e jornais com essas acusações. Uma delas ganhou notoriedade em setembro de 1985. Tratava- se de uma deputada federal e antiga militante da VAR-Palmares – Bete Mendes – que, ao voltar de viagem ao Uruguai integrando a comitiva do Senhor José Sarney, armou um rebuliço, amplamente acolhido pela mídia, em que denunciava ter encontrado como Adido Militar naquele país o seu antigo carcereiro e torturador, Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra que, como major, comandou o Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, em São Paulo, entre setembro de 1970 e janeiro de 1974. Só que, em sua encenação, a deputada-atriz omitiu coisas importantes e excedeu-se em minúcias inventadas, esquecida que “é mais fácil pe- gar-se um mentiroso do que um coxo”.
O oficial, depois de passar para a reserva, resolveu publicar um livro excelente, em que desafiava a acusadora a apresentar provas simples e fáceis do que alegara, tais como: o nome do amigo cujo cadáver, dissera, lhe fora apresentado no DOI como forma de intimidá-la. “Rompendo o Silêncio”, nome desse importante livro, ficou até hoje sem resposta. A atriz viu murchar uma promissora carreira política e a “Rosa” da VAR-P voltou às suas novelas. Quantas Rosas andarão por aí? Por outro lado, o livro do Coronel Ustra mostra exemplos que desmentem a má fama dos “porões” com indicação de nomes e circunstâncias. Seriam falsos? Por que nunca foram contestados ou desmascarados? No Capítulo 7 desse meu último livro, mostramos alguns deles.
Mas, podemos voltar ao nosso objeto: A Ditadura Escancarada?
Sem dúvida. Como no primeiro livro, o autor ajunta em seu novo cartapácio de mais de quinhentas páginas uma série enorme de incoerências, falsificações, juízos e conclusões tendenciosas e sem base. O velho falsificador de entrevistas dos tempos do Galeão parece esquecer que estão vivos muitos dos personagens dos eventos – alguns dos quais ele blandiciosamente conseguiu enganar para que lhe passassem impressões e opiniões sobre os acontecimentos da época – e que estão dando, e ainda darão testemunhos que corrigem e desmascaram suas falácias que só servem para engrossar seu livro. Muito do que afirmamos no meu livro e nesta entrevista nos foi revelado por alguns companheiros “que estiveram lá”.
Mas, até mesmo o que alguns subversivos registraram em seus depoimentos escritos, na enxurrada de livros com que a esquerda vem, há muito tempo, tentando justificar seus seguidos fracassos para tomar o poder pela violência, não o ajuda a provar sua tese mal enjambrada. Tal acontece no capítulo intitulado A Matança, ao tratar do chamado “Grupo Primavera”, em que ignora o que escreveu em seus dois livros – “Viagem à Luta Armada” e “Nas Trilhas da ALN (1979)” – o guerrilheiro urbano Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz.
Para apontar todas as falhas e desmistificar as invencionices apresentadas, seria necessário escrever um livro de igual grossura, mas a menção às mais gritantes ajudará a ver a empulhação que resultou da segunda das amostras do trabalho que o jornalista diz ter levado longos dezoito anos para fazer nascer. Nascituro que, nos primeiros vagidos, acompanhados pelos anúncios espalhafatosos da mídia, dava a impressão de que iria desvendar segredos seriíssimos guardados no diário do Heitor Aquino e nos arquivos secretos do Golbery, onde este colecionava documentos surrupiados das gavetas oficiais, ao tempo em que o “Feiticeiro” era um dos “capos” da Pindorama, que é como o adventício Gaspari, com ironia, gosta de chamar o país onde veio abrigar-se, fugindo de uma Itália faminta e devastada pela guerra.
Já de início deixa no leitor uma dúvida, ao afirmar que “faltou ao surto terrorista a dimensão que lhe foi atribuída” (p. 18). Ora bolas! Por que e para que gastar 507 páginas para tratar de coisa tão insignificante? Só para ajudar a Companhia das Letras a ajudá-lo a ganhar um bom dinheirinho? Para que gastar tanta tinta, se no fecho do já citado capítulo A Matança (p. 396), afirma que “o surto terrorista brasileiro nada teve de incruento”(?)
O mais provável é não saber o significado do vocábulo – que, segundo Caldas Aulete, quer dizer “em que se não derramou sangue” – besteira que talvez nem o Ibrahim Sued chegaria a dizer.
Com a maior sem-cerimônia avança afirmações para as quais valem como prova sua lógica “eliana” e sua palavra oracular. Generais que ordenaram, estimularam e defenderam a tortura e levaram as Forças Armadas ao maior desastre de sua história. Não diz quem, nem o quê. Quais os generais e que desastre foi esse? Um general que publicamente justificou o uso da tortura para obter informações foi o seu amigo dos últimos tempos – Ernesto Geisel – com quem teve conversas particulares e de quem gravou duas dezenas de entrevistas. E que foi também – diz o autor – o grande incentivador da publicação da obra. Só que o denominado “ditador da abertura” não viveu o suficiente para ver que o autor o desmente em muitos pontos do que deixou como depoimento a outros fascinados pelos “anos de chumbo”.
Cita opiniões de generais e as interpreta ao seu bel-prazer e de acordo com as conveniências de sua arenga. Faz uma comparação entre o terrorismo no Brasil e na Irlanda, citando inclusive o grande número de bombas que explodiram nos Esta- dos Unidos, para concluir que, em nenhum desses dois países, “a tortura foi política de Estado”. Tenta tapar o sol com a peneira e finge que não sabe que os terroristas do IRA nunca foram tratados a “pão-de-ló” e que não é necessário a nenhum negro americano jogar bombas para ser arrebentado de pancada pela polícia. Gostaria de saber o que pensa o escriba do que passaram a fazer os americanos com os acusados de terrorismo que lhes caem nas mãos após os atentados de setembro de 2001. O que pensa o escriba de Guantânamo? No caso da Irlanda, o autor, esquecendo o que escrevera páginas antes, se desmente ao falar da tortura nesse país, na página 26.
Na verdade “eliana”, a acusação de tortura no Brasil é sempre verdadeira e foi “a anarquia militar” que gerou o “projeto subversivo” e o terrorismo e deu origem aos órgãos de segurança (p. 27). Não podia ser mais confuso e mais inverídico.
Uma boa medida da maneira capciosa de o autor abordar certos temas em seu livro, nos é dada na página 24, ao falar da Medalha do Pacificador, onde, por ignorância ou mais provavelmente por má-fé, estabelece uma confusão entre os dois tipos completamente distintos da citada recompensa, insinuando que ela seria concedida, indiscriminadamente, aos que acusa de torturadores, sem mencionar a exigência do risco de vida, no caso da outorga da medalha com palma.
Essa ignorância pretensiosa se verifica, também, ao atribuir, na página 26, aos oficiais que servissem no SNI, no Centro de Informações do Exército (CIE) ou nos DOI (sigla, cujo significado correto a equipe do Gaspari não descobriu) vantagens especiais e indevidas na carreira, desconhecendo os critérios para as nomeações dos adidos militares, deixando-se levar por opiniões de ressentidos, como aquele que cita para apoiar sua leviana afirmação (Nota 28).
Enche páginas com o exemplo da Argélia, do qual certamente muito se bene- ficiou com o conhecimento de causa de Dorrit Harazim que, como vimos, teria fugido para o Brasil para se livrar da perseguição da polícia francesa que a julgava ligada a grupos terroristas. Mas comete erros grosseiros, como dizer que o comunista Jacob Gorender, autor do interessante e muitas vezes citado livro “Combate nas Trevas”, foi “vítima dos torturadores do Exército em São Paulo” (p. 38), falsidade que o próprio Gorender deveria, a bem da verdade, desmentir, pois, no seu livro, ele alega ter sido torturado no DEOPS, órgão policial, onde chegou a tentar o suicídio, quebrando uma janela ao querer pular por ela e ferindo-se nos pulsos.
A “chutografia eliana” prossegue na página 49, quando trata do desmonte do MR-8 – o primeiro – que não era do Rio de Janeiro e sim de Niterói e cuja derrocada começou com prisões no Paraná que constituem o Capítulo 4 de meu livro muitas vezes citado, onde reproduzo textos há muito publicados. Posteriormente, o grupo que seqüestrou o embaixador americano (DI/GB) retomou a designação, como uma forma de tentar desmentir e desmoralizar o Cenimar que havia anunciado o desbaratamento completo do primeiro MR-8.
Um outro assunto de que se ocupa o autor é a OBAN. O que o senhor teria a dizer sobre essa parte do livro?
O autor dedica um capítulo inteiro à Operação Bandeirante (OBAN) (p. 59/67) e, como de hábito, mistura alhos com bugalhos e tem o olhar caolho para ver mais um lado do que o outro da moeda. A OBAN – que foi substituída pelo Departamento de Operações de Informações (DOI) – e cuja organização e objetivos estão claramente expostos no livro “Rompendo o Silêncio”, do Coronel Ustra, várias vezes citado por Gaspari. Tratava-se de uma estrutura improvisada e destinada à coordenação dos ele- mentos de diferentes origens que participavam do combate à luta armada. Nada tinha de paramilitar, pois cada segmento continuava com suas características próprias.
A visível intenção é compará-la aos atuais grupos de extermínio de bandidos, que são rotulados de “paramilitares”. A OBAN surgiu antes da expedição da Diretriz para a Política de Segurança Interna, baixada pela Presidência da República, o que ocorreu cerca de um mês depois da criação pelo Comandante do II Exército daquele órgão de combate ao terrorismo que crescia de forma avassaladora na Capital de São Paulo.
Era uma organização pioneira e que só seria estendida a outras guarnições bem mais tarde, com a criação dos CODI e dos DOI, em decorrência, já então, da Diretriz de Segurança Interna, baixada em março do ano seguinte (1970), no Governo Médici. Graças à OBAN é que passaram também a morrer – em confrontos e não por tortura – os guerrilheiros e terroristas que antes roubavam e matavam impunemente e que foi a melhoria da situação a que o General Dale Coutinho – à época Comandante da 2a Região Militar – quis se referir na conversa gravada com o “sacerdote” Geisel e que viria a ser farta- mente explorada pela mídia no lançamento do 3o volume do “pentateuco gaspariano”.
Ao falar da organização da OBAN (p. 60), Gaspari menciona o apoio que a ela deu o General Ernani Ayrosa da Silva, Chefe do Estado-Maior do II Exército. Cita o livro de memórias do general, mas comete três erros: o ano da vinda dele para São Paulo, a natureza de seus ferimentos em combate na Itália e o tempo que ficou prisioneiro, falseando, embrulhando e deturpando o que lá está escrito; maliciosa- mente recorda que Ayrosa, como capitão, fora mutilado (sic) nos últimos dias da guerra na Itália, caíra prisioneiro dos alemães por duas semanas e devia sua vida à Convenção de Genebra que protege os prisioneiros de guerra, insinuando que não seria essa a prática da OBAN que classifica como uma “célula repressiva, uma anomalia na estrutura militar convencional” e “um desvio doutrinário”, no que mostra partilhar do ódio que os comunistas devotam à organização que, pela primeira vez, os fez provar do veneno que vinham destilando.
Ainda com o objetivo de buscar, obstinadamente, o sucesso do livro, Élio Gaspari faz referência a um grande número de fontes consultadas. O senhor concorda?
Realmente, como no primeiro volume, o autor recorre a uma infinidade de fontes – convenientemente selecionadas de acordo com sua tese – e as transforma em verdades inarredáveis, sem se dar conta do ridículo de certas afirmações. Na página 88 – uma das muitas que usou para recontar a estória, já tantas vezes e de diferentes formas contada, do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick –
afirma: “A Dissidência (Dissidência Universitária da Guanabara – um racha do “Partidão”no Movimento Estudantil – depois rebatizada sucessivamente de DI/GB e MR-8) ofereceu à Aliança de Libertação Nacional (ALN) parceria e ficou com o trabalho logístico ao passo que à outra coube o comando da ação em si.” Errado, a DI/GB não ofereceu parceria.
Reconhecendo sua inexperiência para ações desse vulto, pediu ajuda à ALN/SP que já possuía um bom know-how em guerrilha urbana. Para tanto, vieram de São Paulo um comunista histórico, mas bisonho em luta armada (Joaquim Câmara Ferreira ou “Toledo”) e três guerrilheiros urbanos experientes (Virgílio Gomes da Silva, o “Jonas”, Manoel Cyrillo de Oliveira Neto, “Sérgio”, e Paulo de Tarso Wenceslau, “Geraldo”. O comando da ação como um todo ficou com “Toledo” e a chefia da emboscada com “Jonas”.
A DI/GB não atuou apenas no trabalho logístico; dos dez guerrilheiros que emboscaram o embaixador, apenas dois eram da ALN; isto não é logística. Durante o cativeiro, as tarefas que implicavam deixar o aparelho – entrega de comunicados, cobertura de pontos etc. – foram realizadas por militantes cariocas e essas tarefas de risco não são atividades logísticas; da mais perigosa delas – a liberação do diplomata – os paulistas não participaram, pois dois deles já tinham deixado o cativeiro no dia 6, como se poderá ver a seguir.
À página 97, Gaspari reproduz trecho do depoimento dado em entrevista ao Jornal do Brasil, em setembro de 1989, por Franklin Martins – o “Valdir”, apontado como autor intelectual da façanha, e atualmente prestigiado comentarista político da TV Globo – no qual o referido terrorista, que se encontrava em um carro de escolta à viatura onde ia o seqüestrado, rumo à sua libertação, conta: “Aí (quando o líder do grupo ordenou que abrissem o caminho à bala), eu pensei que ia morrer.
A granada ia destruir o carro deles, o nosso e metade do quarteirão.” Pelo jeito, levavam não uma simples granada de mão, mas uma “bomba atômica”. E assim, se conta a história dos “anos de chumbo”. Quantas invencionices desse calibre recheiam o livro do bem infor- mado Élio Gaspari?! Talvez seja por isso que o escriba, em crônicas de jornal, mostrou- se um crítico acerbo de “O que é isto companheiro?”, fazendo severas restrições ao famoso livro que virou filme.
A escolha do substituto de Costa e Silva constitui um alentado capítulo deste volume…
…mas de credibilidade muito discutível já que se baseia em algumas fontes suspeitíssimas, como Jayme Portella de Mello – uma espécie de “golbery” do “seu Arthur” –, o despeitado Carlos Lacerda e o então serviçal da “ditadura”, jornalista Carlos Chagas que, apeado da sinecura que arranjara, tornou-se um feroz e ressenti- do detrator dos militares. Outras, surpreendentes – para quem nunca acreditou no Relatório Saraiva –, como a do então Ministro Delfim Netto, em um suposto depoi- mento de maio de 1988. Curiosamente, pelas notícias e pelo foguetório que, como de hábito, acompanharam o lançamento do terceiro livro do “pentateuco eliano”, é o antigo “gordo sinistro” um dos que levam chumbo grosso do Élio Gaspari.
As demonstrações de apego ao Poder, as ambições, as vaidades e o entrechoque de grupos são parte de um quadro que tem certa credibilidade, mesmo para quem não se ceve na peçonha que o autor destila ao descrever certos acontecimentos e que honestamente admita que tais mazelas são parte de um sistema de poder que preocupava Castello Branco, mas que já dava sinais claros da perda de rumo que faria do Movimento de1964 mais uma revolução perdida, sinais que desapareceram com a escolha e durante o governo brilhante de Emílio Médici. Mas, apesar e independente daqueles sinais, a “tigrada” sempre esteve fiel ao cumprimento de sua missão de impedir a comunização do País, relegado a ser uma nova Cuba ou enfrentar uma guerra civil que ainda hoje infelicita um de nossos vizinhos, embora sem se dar conta que, no fundo, estava apoiando certos governantes e seu séqüito de áulicos carreiristas, como o autor mostra no terceiro volume de sua obra, de que trataremos mais adiante.
E mais do que isso, o “concílio dos generais” acabaria por escolher um de seus pares, capaz de demonstrações de autoridade, simplicidade, modéstia, desprendi- mento e integridade moral que mesmo um autor caviloso, tendencioso e parcial foi incapaz de esconder. Quantos presidentes neste País poderão receber os elogios que o autor dedica ao General Médici, registrados à página 133:
“Presidiu o País em silêncio, lendo discursos escritos pelos outros, sem confraternizações sociais, implacável com mexericos. Passou pela vida pública com escrupulosa honorabilidade pessoal. Da Presidência tirou o salário de Cr$ 3.439,98 líquidos por mês (equivalente a 724 dólares) e nada mais. Adiou um aumento da carne para vender na baixa os bois de sua estância e desviou o traçado de uma estrada para que ela não lhe valorizasse as terras. Sua mulher decorou a granja oficial do Riacho Fundo com móveis usados, recolhidos nos depósitos do funcionalismo de Brasília.”
Muito nos ufanamos dele no Exército e nas demais Forças Armadas; reconheçamos
em sua figura ímpar o destacado General e grande Presidente da República.
General Negrão, como Élio Gaspari aborda a luta da Revolução de 1964 contra a corrupção?
Ao falar do combate à corrupção (p.166), registra vários equívocos que mostram um trabalho de pesquisa falho. O General Oscar Luiz nunca foi Presidente da Comissão Geral de Investigações (CGI), mas apenas seu vice-presidente; o presidente era o esperto advogado Alfredo Buzaid, “dublê” de ministro da Justiça. O trabalho de investigação da Comissão era totalmente descentralizado pelas comissões estaduais, logo sua apontada ineficácia não se deveu à centralização – como afirma o autor – mas a manobras escusas e injunções políticas que neutralizaram a aplicação das sanções aos autores das patifarias comprovadas em inúmeros processos.
As declarações atribuídas ao General Oscar Luiz e que teriam sido publicadas, em fevereiro de 1970, na revista Veja, jamais poderiam falar em cinco anos de funcionamento, uma vez que a CGI foi criada por decreto de 16 de dezembro de 1968 e começou a operar no ano seguinte.
Dentro desse tema, em que faz inúmeras acusações e aponta casos de corrupção, seria interessante que, tendo consultado o livro de Luís Mir – “A Revolução Impossível” – e falado no Front Brasilien d’Information, fosse mais adiante nas escabrosas e nebulosas estórias dos “fundos revolucionários” de que o livro de Mir está repleto. Se o fizesse, provavelmente teria que envolver figuras como Miguel Arraes, Márcio Moreira Alves, o trêfego Hélio Bicudo e a ASPLAN, com suas ligações com o governo paulista, e outras figuras sinistras da pecúnia nacional e internacional. Parece confirmar o dito que quem tem rabo de palha não passa perto do fogo e quem tem telhado de vidro não joga pedras no telhado do vizinho.
Trata-se de um exemplo da solidariedade das esquerdas no acobertamento da corrupção que adoram apontar nos adversários, coisa em que o PT é mestre e que agora no governo ficou à mostra inteiramente.
Na página 180, não se sabe guiado por qual experiência, arvora-se a escrever que “repe- tia-se no DOI o defeito genético da OBAN, misturando-se informações, operações, carceragem e serviços jurídicos”. O que o Senhor gostaria de comentar a respeito?
Recolhi a experiência de quem conheceu a fundo o que se passou nos DOI e essa pessoa afirma com sua autoridade que não houve tal mistura. Para obter informação é necessário conhecer o dado negado, a matéria-prima mais valiosa para a produção do conhecimento, e a obtenção do dado negado é tarefa das Operações, na busca; assim, Operações e Informações são atividades que devem ser desenvolvidas em conjunto. A carceragem é a residência do preso que, a qualquer momento e a qualquer hora, precisa ser interrogado pelo homem de informações, fornecendo mais conhecimento e acionando as operações; logo a carceragem ficar em presídios e delegacias seria inconcebível.
O serviço jurídico foi extremamente útil, já que legalizava, de imediato, as buscas e prisões e agilizava o combate ao terrorismo e à guerrilha. A estrutura dos DOI, calcado no pioneirismo da OBAN, foi extremamente eficaz e adequada, como os resultados comprovaram. A ânsia para criticar um assunto – do qual se é ignorante – é extremamente traiçoeira, como ocorre na mesma página 180 e na seguinte (181), ao falar o escriba sobre o efetivo dos DOI que parece acreditar seriam todos iguais. Nada mais falso.
Só mesmo – como diria Nelson Rodrigues – uma “obtusidade córnea ou má-fé cínica” poderia imaginar ou querer que uma guerra suja, sem regras e sem quartel – uma guerra entre porões – pudesse ser vencida com luvas de pelica e de maneira convencional. Élio Gaspari – que esteve tantas vezes nos Estados Unidos, tentando aprender, sem conseguir, como eles fazem jornalismo sério – será que não ouviu falar em “guerra não convencional”?
Deve ter ouvido, pois faz referência em seu livro à “Força Delta”, a mesma que participou da operação que resultou na morte dos filhos de Saddam Hussein, um dos quais foi encontrado ainda com vida e morto com dois tiros na boca, disparados pelo membro da “Delta Force” que o encontrou no banheiro da mansão onde se refugiara, conforme relatado pela revista Time, em sua edição de 11 de agosto de 2003.
Na página 182, cita o Capitão Freddie Perdigão Pereira como sendo o “Nagib” do DOI carioca em 1970. Repete a afirmação às páginas 184 e 377, sempre apoiada nas profusas notas de rodapé, cuja credibilidade tem de ser posta em dúvida pela simples e boa razão de que o citado oficial nunca pertenceu ao DOI do I Exército e nunca usou esse codinome que pertencia a um capitão da PM/RJ, prestando serviço naquele órgão. Aí a verossimilhança para as acusações de torturador e de membro da alegada rede terrorista da “tigrada” passa a se basear em dados pessoais do oficial, o que não é difícil de obter, incluindo insinuações relativas a vantagens pecuniárias indevidas ou exageradas.
A censura à imprensa recebeu do autor o epíteto de mordaça e é longamente tratada no livro. Gostaria de comentar esse aspecto?
Ele o faz usando “dois pesos e duas medidas”. A pressão econômica sobre certos órgãos é julgada de modo diferente das benesses concedidas ao fundador do “império” herdado por seus atuais patrões e a comparação das restrições dos “anos de chumbo” – a mordaça – com o “controle da imprensa” na ditadura Vargas limita- se à errônea comparação dos períodos de duração. O terrível arrocho imposto pelo regime mais discricionário que o Brasil conheceu, o DIP, o empastelamento de jornais – como o do Diário Carioca em 1932 – e o completo fechamento de quaisquer canais de manifestação política imposto pelo Estado-Novo são coisas que o trêfego escriba não menciona, embora deva conhecer. Paradoxal e surpreendentemente, a primeira publicação no Brasil dos Cadernos do Cárcere, do comunista italiano Antonio Gramsci – uma iniciativa de Ênio Silveira e de sua Editora Civilização Brasileira – veio à luz entre 1966 e 1968, com uma reedição em 1970, em plena “ditadura”. Um “cochilo” da censura ou a “mordaça” não era tão severa como muitos na época e ainda hoje querem fazer crer? Isto é a confirmação do que afirmou Olavo de Carvalho, ao dizer que “por uma coincidência das mais irônicas, foi a própria brandura do governo militar que permitiu a entronização da mentira esquerdista como história oficial” quando “o governo, influenciado pela teoria golberiana, jamais fez o mínimo esforço para desafiar a hegemonia da esquerda nos meios intelectuais, considerados militarmente inofensivos”.
Essa constatação já o tinham feito, em ocasiões diferentes, dois ex-coman- dantes do II Exército, de São Paulo, em plena vigência do AI-5. O primeiro, o General Humberto de Souza Mello em declarações à Folha de São Paulo, publicadas em 31 de março de 1971 (A Ditadura Derrotada – p. 193) e, cerca de quatro anos depois, o General Ednardo Ávila Melo, conforme relatório “Secreto” do Ministro da Justiça Armando Falcão ao Presidente Ernesto Geisel (Anexo 2, do Dossiê Geisel, Editora FGV,2002, p.184), ao denunciarem a pertinaz campanha de difamação das Forças Armadas feita pelos jornais.
A tenaz campanha no exterior contra a “ditadura brasileira” mereceu do autor vinte e duas páginas, nas quais, como era de esperar de quem afirma que a tortura derrotou a luta armada comunista, pretende demonstrar que não se trata de difamação, mas da decorrência das violências proclamadas e supostamente documentadas. A que não faltaram o sucesso editorial da publicação de uma edição francesa do “Minimanual do guerrilheiro urbano” do “democrata” Carlos Marighela, apoiada por nada menos que vinte e uma das maiores editoras francesas e as aparições parisienses do ex-integralista e saltitante candidato ao Nobel da Paz, Helder Câmara. Uma delas, para 10 mil pessoas no Palácio dos Esportes, denunciando a tortura no Brasil é motivo de noticiário do Jornal da Tarde, de 27 de maio de 1970, num “baita” cochilo da “mordaça”. Deve ter sido nessa ocasião que um dos que assistiram à feroz diatribe contra o nosso governo teria perguntado ao palestrante se ele, depois de tudo aquilo, ainda iria voltar para o Brasil e, estupefato, ouviu o “bondoso” bispo dizer que sim. O russo Alexander Soljenitsyn, autor da pergunta e do livro “Arquipélago Gulag”, deve ter pensado: “Pô, que ditadura camarada é essa?
Outra demonstração de sua maneira peculiar de fazer jornalismo – e exercitada no livro – é a exemplificada às páginas 298/299. O autor apresenta uma longa lista de ações terroristas para mostrar a escalada da violência comunista na América Latina, no fim da qual inclui o seqüestro do cônsul brasileiro em Montevidéu, Aloysio Dias Gomide, mantido em cativeiro durante seis meses. Para fechar o parágrafo, registra o que teria escrito em livro um “ex-linha dura” do Exército, acusando o adido aeronáutico brasileiro no Uruguai de, na mesma época (1970), “contrabandear explosivos para uma rede de policiais brasileiros que explodiam sedes do Partido Comunista”. Contrapõe, assim, uma notícia notoriamente falsa, por inverossímil, a outras verdadeiras que quer minimizar. Só alguém que julgue seus leitores idiotas tentaria impingir essa estória ridícula de mandar do Uruguai dinamite para terrorismo “de direita”.
A mesma técnica capciosa é usada mais adiante (p. 392) ao dizer que “à ferocidade da tigrada correspondeu uma fase pistoleira dos terroristas”, pretendendo igualar a ação dos agentes da lei aos assassinatos por vingança e motivos torpes de companheiros e de inocentes, vítimas da sanha comunista que Jacob Gorender justifica como “a violência dos oprimidos”, a que o autor faz uma tímida referência no rodapé da página 397, ao mencionar os assassinatos de um comerciante na Mooca, em São Paulo, e do delegado Octavio Gonçalves Moreira Júnior, transitando, em férias e de bermudas, pelo calçadão de Copacabana.
E a célebre “casa de Petrópolis”?
No capítulo intitulado A Matança – a que já fizemos referência – o autor apresenta certos pormenores intrigantes na longa e pormenorizada descrição de eventos envolvendo a célebre casa de Petrópolis – o Codão (p. 377/384). O primeiro tem a ver com o “Nagib” que não era “Nagib”. Outro, refere-se à guerrilheira “Alda” da VAR-Palmares (sic), seqüestradora de embaixador, e ao que realmente foi lá fazer o médico Amílcar Lobo. Teria sido requisitado para cuidar de uma mulher atropelada. Tratava-se de Inês Etienne Romeu, a Alda, – da VPR e não da VAR-P, como erroneamente cita o autor – que, “deixada como isca” em uma rua em Cascadura, se atirara contra um ônibus, fora levada ao Hospital Central do Exército (HCE), onde um oficial médico não permitiu que fosse interrogada, ficou ali pelo menos um dia, foi visitada três vezes pelo zeloso diretor do hospital, transferida para o hospital civil Carlos Chagas e depois levada para Petrópolis, segundo o relato da própria, feito 11 anos depois (1981).
O médico teria subido a serra dois dias depois da requisição e durante duas horas suturou “os dois grandes ferimentos na barriga e numa coxa” que a mulher apresentava. Não precisa ser muito esperto para ver que alguma coisa não “fecha” nessa estória: uma atropelada passa por dois hospitais – sendo em um deles visitada pelo atencioso diretor do nosocômio, sem que ninguém se lembre de suturar seus ferimentos?! Por que não levar logo a sub- versiva – que para fugir de seus captores, tentara suicidar-se jogando-se à frente de um ônibus – para a casa de Petrópolis que – segundo o relato – “funcionaria como um aparelho de torturas e assassinatos”?
Outro mistério envolvendo essa casa de horrores de onde “ninguém sai com vida”, pela confissão tardia de Amílcar Lobo, é o fato surpreendente de terem deixado a Inês Etienne ou Alda lá, durante 96 dias, assistindo a tudo, anotando as mortes, quem sabe ouvindo, além da ameaça de para lá levarem o então Ministro Jarbas Passarinho, os rumores dos esquartejamentos denunciados pelo caricato ex-sargento Marival Chaves Dias do Canto, e a deixaram sair com vida e com tantas
estórias para contar ao Pasquim. Coisas de um grupo de torturadores e assassinos descuidados, boquirrotos e incompetentes ou estórias de um bando de mentirosos?
Outra intrigante curiosidade é relativa à versão macabra (p. 384) que diz que os mortos da mesma famosa casa de Petrópolis “eram esquartejados e enterrados nas cercanias”. Com tantos farejadores de esqueletos que andam por aí – e o deputado Greenhalgh é um dos mais ativos – ninguém se lembrou de ir desenterrar os vestígios daqueles hediondos crimes? Ou tentaram e aconteceu o mesmo que com os corpos que o Burlesco Marival disse à Veja que eram jogados em certo rio e que os mergulha- dores procuraram exaustivamente e nunca acharam?
Ainda no mesmo capítulo (p. 392) o autor trata dos “justiçamentos” de companheiros e é deveras parcimonioso ao citar apenas três deles, ainda assim com uma incorreção. Pesquisadores mais atentos e confiáveis relacionam mais sete, a saber:
– a ALN matou um militante, ex-marinheiro, por julgá-lo informante do Cenimar;
– a VAR-Palmares assassinou dois criminosos comuns, recrutados para participar de ações armadas, por considerar que sabiam demais sobre a organização terrorista;
– no Maranhão, em fevereiro de 1971, a APLM matou o militante Antonio Lourenço;
– em Pernambuco, em agosto de 1971, o PCR matou o militante Amaro Luiz de Carvalho;
– na Base da Gameleira/PA, em Xambioá, foram fuzilados por elementos das forças guerrilheiras do PC do B, por desejarem abandonar a área da guerrilha, Rosalino Cruz Souza (Mundico) e “Paulo” (não identificado). Mundico foi morto pela célebre “Dina”, Dinalma da Conceição Oliveira Teixeira, uma das desaparecidas pelas quais estamos pagando indenização.
Em todo o livro, a citação das fontes em centenas de notas de rodapé parece apenas tentar fazer passar um ar de credibilidade ao que é escrito, pois registra eventos com erros ou omissões facilmente perceptíveis se as tais fontes tivessem sido utilizadas. Ou, o que seria pior, falseia os fatos para encobrir alguém. Como é o caso do autor dos disparos que mataram o agente federal que dava segurança ao embaixador da Suíça, Giovanni Bucher, claramente indicado no livro “Os Carbonários”, de Alfredo Sirkis, participante do seqüestro, como tendo sido dados pelo “Cid”, ou seja, Carlos Lamarca (p. 339).
Ao tratar do seqüestro do mesmo embaixador, o livro registra as dificuldades para completar a lista dos que seriam libertados em troca da vida do diplomata e à página 341 registra que 18 presos se recusavam a deixar o país. Até hoje ninguém esboçou uma explicação para o estranho fato de presos que, segundo a versão assoalhada e reiterada convictamente por Gaspari, eram tortura-
dos e mortos, recusarem a liberdade e o fim das torturas. Curioso!
Curiosíssimo! Por que pessoas sujeitas à tortura e à morte se recusaram a obter a liberdade para se livrarem de tão impiedoso tratamento? Com a palavra os revanchistas. Explica, ó Gaspari!
O autor trata da morte de Lamarca?
Na página 355, ao tratar da Operação Pajussara, que resultou na morte do guerrilheiro, o autor afirma que o nome da operação teria sido dada pelo Major Nilton Cerqueira, dando a entender que seria ele o comandante, o que é falso: a operação foi dirigida por outro oficial do CIE, Chefe de Operações do Centro. Na página seguinte, faz referência à rivalidade entre “soldados nativos e a equipe vinda de Brasília” que quase teria resultado em tiroteio entre eles na ocasião. Vários equívocos: a equipe não era de Brasília, mas do Rio, nunca houve essa rivalidade e o risco de incidente ocorrera meses antes do início do cerco a Lamarca.
A seguir, afirma que “Rocha, o militante que trouxera do Rio de Janeiro Yara e Lamarca sabia tudo o que a tigrada` queria”. Não sabia, porque ignorava onde estava Lamarca. Os três militantes presos no “aparelho” da Pituba desconheciam o local do esconderijo do “Paulista”. Nem Yara, sua amante, o sabia. Ironicamente, quem deu a pista foi o próprio Lamarca.
Em uma das muitas cartas que costumava escrever para Yara, ele comenta “que as chuvas de São Miguel não haviam chegado”. Essa carta, junto com um revólver 38, foi esquecida por um distraído militante – ou seria um informante infiltrado? – dentro de um táxi na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, a muitos quilômetros de distância de Brotas de Macaúbas.
Uma semana depois, foi desencadeada a operação que o destruiu. Aliás, pelo que afirma Gaspari, as cartas de Lamarca – que só viriam a ser publicadas em 1987 num folhetim –, já deviam circular livremente, pois ele garante que a esposa de um oficial, em São Paulo, acompanhava aquele romance epistolar lendo as cartas apreendidas.
O laudo da necropsia de Lamarca, elaborado pelos médicos do IML de Salvador (cuja data a nota 87 da página 357 registra erradamente), ficou ignorado durante 25 anos e voltou a ser manchete de O Globo, em 1996. Nessa época, Gaspari tinha sua página dominical no Estadão, na qual, em 19 de maio, tentou desmoralizar o General Cerqueira, então secretário de Segurança do Rio de Janeiro, pondo em dúvida seu depoimento e o diálogo final que tivera com Lamarca moribundo. A alegação é de que ninguém fala depois de levar três tiros no coração. Agora, em seu livro nada diz sobre isso. Na certa descobriu que, como é seu hábito, naquela ocasião escrevera açodadamente e por ouvir dizer.
O que escreve Gaspari sobre o Grupo Primavera?
O autor trata longamente do Grupo Primavera – também chamado “da Ilha”, “dos 28” – e alonga-se em esmiuçar seu trucidamento pela repressão que, às vezes, – diz o escriba – exagerava no valor da resistência deles para se valorizar, engrandecer-se e arrotar valentia, no que teria sido um verdadeiro genocídio(!)
Mais um punhado de mentiras, afirmações tendenciosas e pura ignorância. As verdadeiras causas do total fracasso da turma do Molipo são apontadas, inclusive por depoimentos feitos em livros de guerrilheiros, como Carlos Eugênio Sarmento da Paz, mostrando que aquela gente voltou ao Brasil sem nenhum esquema de recepção ou atuação, sem infra-estrutura, contatos arriscados, esquemas abertos, desconheci- mento das quedas, falta de informações, tudo isso fruto de um voluntarismo fatal, de que os órgãos de segurança não têm culpa.
Antes de voltarem ao Brasil, fizeram um pacto de não se deixarem apanhar vivos; alguns esqueceram o pacto na hora do confronto, atitude prudente e saudável, uma vez que o preparo que receberam na ilha de Fidel foi unanimemente considerado uma lástima e de uma irrealidade es- pantosa, inclusive pelo Zé Dirceu que, ciente disso, foi esconder-se prudentemente em Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná, como o pacato Pedro Caroço, até ver a banda passar. Talvez por isso, um grande ausente dos livros do esperto Élio Gaspari.
E da famosa vala do cemitério de Perus?
Seria de espantar que, no meio de tantas patranhas, faltasse a indefectível referência à famosa vala do cemitério de Perus sobre o qual se construiu uma verdadeira mitologia a que não têm faltado as missas “politicamente piedosas”, celebrada por Paulo Evaristo Arns, por abrigar “milhares de ossadas das vítimas da repressão”, como alardeiam, histericamente e sem nenhuma comprovação, os “Procuradores de Ossos”.
O grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma) tem sido incansável – mas pouco ouvido – em sua luta para desmistificar essa lenda a que o Élio Gaspari presta sua homenagem, ao citá-la à página 388, com a colaboração dos delirantes Nilmário Miranda, Percival de Souza e Caco Barcelos, dizendo que “Fleury governava uma vala no cemitério de Perus, administrada por um policial do DOPS”, acrescentando, assim, a sua pitada de inconseqüência à enxurrada com que diz ter-se escancarado a ditadura do “sacerdote” Geisel e do “feiticeiro” Golbery.
O número de enterrados tem variado de milhares ou de centenas até a umas poucas dezenas de “assassinados”. O Correio Braziliense, de 20/12/02, publicou em seu caderno Coisas da Vida, que pesquisadores brasileiros e ingleses começarão a examinar os “corpos de 1.200 desaparecidos durante a ditadura militar” que estão sepultados no cemitério de Perus. O Grupo Tortura Nunca Mais diz que são 184 os mortos e 136 os desaparecidos na “luta contra a ditadura”. Desses 136 desapareci- dos, 53 teriam sido durante a guerrilha do Araguaia, em plena floresta amazônica.
Portanto, restariam 83 corpos de desaparecidos para o restante do Brasil, inclusive
para o cemitério de Perus que, por sinal, nunca foi clandestino. A mídia transforma cinicamente 83 desaparecidos em 1.200, “sepultados clandestinamente”. Absurdos iguais a estes são publicados, periodicamente, pela imprensa, talvez para que o povo nunca esqueça dos “milhares de desaparecidos” criados pelos falsários da notícia e pelos “marajás” aposentados do “INSS da guerrilha”.
Quando Luiza Erundina era prefeita de São Paulo iniciou a campanha para encontrar os “desaparecidos da ditadura no cemitério clandestino de Perus”. Os jornais da época noticiavam em primeira página e as TV em seus noticiários, o encontro de milhares de ossadas de desaparecidos e mostravam ossadas e mais ossadas sendo desenterradas para serem entregues aos legistas da Unicamp, que iriam identificá-las.
Ninguém foi identificado, mas os desmentidos nunca foram feitos. À opinião pública resta a crença de que em Perus existem centenas de ossadas de desaparecidos, vítimas inocentes da “ditadura”. A mídia e os escribas de aluguel, porém, nunca se preocuparam em dizer que o famoso “cemitério clandestino” não passava de valas comuns, onde eram enterrados os indigentes e, também, os corpos daqueles para quem as famílias não renovavam o aluguel das covas ou dos jazigos onde estavam sepultados. Essas ossadas, na realidade, são muitas e com o acúmulo dos anos podem ter chegado aos milhares.
Lá, nesse cemitério, podem até ser encontradas ossadas de terroristas que morreram em combate e que portavam documentos aparentemente verdadeiros, conseguidos por meio de certidões de nascimento falsificadas. Verdadeiros, no entanto, porque foram fornecidos, legalmente, por um serviço de identificação a partir das certidões “verdadeiras” obtidas em cartório por meios ilícitos. Assim, como temos repetido em várias ocasiões, o terrorista morto em combate era enterrado como indigente e com o nome e identidade que portava no momento do óbito.
Tudo feito às claras, devidamente registrado no cemitério e no inquérito policial que apurava o caso. Basta procurar nos arquivos do Superior Tribunal Militar para confirmar. Não nos “dossiês” dos revanchistas pagos com as esmolas que o cardeal recebia para seus pobres e desviava para fins políticos. Alvo preferencial da funérea bonomia de Dom Paulo, o cemitério de Perus, nestes últimos dias de finados, não teve novamente a sua paz importunada pelo “piedoso desvelo da Igreja engajada”.
General Negrão, o que gostaria de acrescentar sobre A Ditadura Escancarada?
Encerramos este já longo depoimento sobre o segundo livro, com a parte em que o jornalista Élio Gaspari apresenta um falso libelo contra os militares, citando um caso em que foi colocado o nome completo de Licio Augusto Ribeiro Maciel, então major do CIE. Os dois livros já publicados pecam pela falta de veracidade e o caso da guerrilheira “Sônia” relatado às páginas 441 a 443, é mais um exemplo que prova que, em muitos casos, o autor escreveu valendo-se de fontes cuja veracidade não se deu ao trabalho de conferir ou confrontar, ou apenas por ouvir dizer.
Quem o lê fica imaginando que uma pobre moça foi morta pelos militares, na “floresta dos homens sem alma” da fantasia “eliana”. Naquilo que Gaspari – com o habitual exagero – afirma ter sido “o mais famoso combate da guerrilha do Araguaia”, Lúcia Maria de Souza, 29 anos, ex-quartanista de medicina, esperou de arma na mão por quem lhe havia assegurado que iria salvá-la e desferiu-lhe um tiro no rosto, à queima-roupa.
Pasmm! Este é o mais famoso combate da guerrilha na doentia visão eliana!… No documento da perícia médica oficial – chamado Atestado de Origem – consta: “Às 17h30min do dia 24 de outubro de 1973 foi ferido à bala por subversi- vos, quando cumpria missão ao sul da localidade de Metade, próximo à rodovia Transamazônica, no Estado do Pará. O ferimento pérfuro-contuso, com bordas irregulares, na região malar, foi produzido por projétil de arma de fogo, ficando o projétil localizado na região retro-auricular entre a face e o pescoço. Outra perfu- ração na mão direita, como indicado.”
O incidente é assim relatado pelo Major Licio:
“O encontro com os subversivos, que redundou na morte da Sônia, é apresentado por Gaspari completamente deturpado. Sônia fazia parte de um numeroso grupo (depois confirmado, de 18 subversivos do grupo A, do Paulo). Eles eram seguidos pela equipe por mim comandada e, em determinado momento, Sônia apareceu inesperadamente, como que voltando, e recebeu voz de prisão, repetida três vezes, e mais três advertências “Não faça isso”, à medida que ela tentava sacar o revólver do coldre. Após a terceira, como não obedecesse e já tendo a arma na mão, foi alvejada na perna e caiu. Fui rapidamente até ela e, enquanto procurava o revólver, lhe disse para ficar quieta que iríamos salvá-la. Não achei o revólver no meio à densa folhagem, já com razoável escuridão na mata fechada. Tivemos que ir em cima do restante do grupo de subversivos, que, alertado pelo disparo, fugiu, atravessando um córrego. Como começava a anoitecer, a mata já muito escura, voltamos. Aproximando-me da Sônia, caída, ela abriu fogo, à queima-roupa, pois tinha acha- do o revólver. Caí desacordado e fui socorrido pelos meus companheiros. Levei dois tiros, um na cara e outro na mão; o Capitão Curió que vinha atrás de mim, foi atingido no braço. No grupo de subversivos, estava um garoto, morador da região, que relatou, depois, que eles tinham preparado uma emboscada, estando eu sendo carregado numa rede armada em um pau nos ombros de dois soldados.”
O confronto seria famoso por terem sobre ele dado depoimentos o ex-Presidente João Figueiredo e o General Hugo Abreu, ambos – a acreditar-se no que escreveu o autor – mais fantasiosos do que a versão dada pelo próprio Gaspari que está mais próxima do que relata o Major Licio. Fica claro que a moça era uma guerrilheira e que, armada, atirou nos oficiais, sendo morta, em conseqüência e num ato de legítima defesa dos militares da patrulha.
A acusação implícita é de que o corpo da moça teria sido deixado insepulto, sendo depois devorado por animais. Essa acusação é ridícula, pois imaginar que, na escuridão, sabendo que havia inimigos por perto e tendo um major e um capitão feridos – o primeiro com certa gravidade – fosse a patrulha perder tempo para sepultar a guerrilheira morta ao invés de evacuar os feridos. A obrigação de procurar saber o que ocorrera com sua companheira cabia aos guerrilheiros, bem como socorrê-la ou dar-lhe sepultura.
Ainda hoje, nomeiam-se comissões e há políticos procurando colher dividendos na procura de corpos de guerrilheiros desaparecidos. Havendo a tola suposição de que os militares que lá estiveram possam indicar onde tais despojos se encontram. É irracional que se possa imaginar que alguém tenha condições de informar onde achar os restos de um corpo comido por animais em meio da selva e depois de tantos anos.
Mas, enfim, o inesgotável “fascínio dos anos de chumbo” vai servindo para que alguns sejam notícia e, ao mesmo tempo, outros continuem ganhando dinheiro com “estórias da carochinha”!
Vale lembrar que felizmente tais estórias começam a ser questionadas como se pode observar em artigo de Adauri Antunes Barbosa, publicado no jornal O Globo, de quarta-feira, 24 de novembro de 2004:
“SÃO PAULO. O juiz federal Paulo Alberto Jorge, da 1a Vara de Guaratinguetá, no vale do Paraíba, no interior de São Paulo, determinou ontem que as indenizações para os anistiados políticos, conforme direito garantido pela Lei 10.559/2002, sejam limitadas ao valor mensal de R$2,4 mil, o teto do regime geral da Previdência. Na mesma liminar, concedida ontem a pedido do Ministério Público Federal (MPF), o juiz determinou também que, quando esse benefício aos anistiados for pago em uma única parcela, que ela não ultrapasse R$ 100 mil.”
– Esse valor do teto da Previdência, também válido para os funcionários públicos, é absurdamente razoável para uma pessoa viver, o que está de acordo com a lei – explicou o juiz Paulo Alberto Jorge. (….)
“Há pessoas em condições melhores do que antes.”
Na liminar de ontem, Jorge aceitou o argumento do Ministério Público de que há pessoas beneficiadas com valores altos e que não precisam do dinheiro para seu sustento.
– O que se tem visto pela imprensa são pagamentos para pessoas que não têm
a menor necessidade. Há muitas distorções. Há jornalistas, escritores beneficiados
que reconstruíram suas vidas e estão em condições melhores do que antes de serem perseguidos políticos – disse.
Há uma “questão moral”, segundo ele, já que o pedido da indenização ao Ministério da Justiça pressupõe que seja feito por pessoas que tenham necessidade desta reparação.
“É claramente atentatório aos princípios constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária que pessoas sem a menor necessidade recebam amparo do Estado, enquanto milhares passam fome e para conseguirem um mísero benefício de um salário mínimo do INSS precisam sofrer todo tipo de agruras, mui- tas vezes não o obtendo mesmo quando claro o direito de recebê-lo”, diz Jorge em sua decisão.
Para o juiz, há grande contradição na concessão desses benefícios. “Não é possível conceber que alguém que foi perseguido político porque lutava por um mundo melhor…. hoje não tenha mais qualquer compromisso com este tipo de postura e pense exclusivamente no seu benefício pessoal, pouco se lixando com a sociedade…. dela exigindo e aceitando o oneroso pagamento de indenizações.” O Ministério Público pediu ainda que as indenizações pagas acima de R$ 2.400
por mês pelo governo sejam revistas.
Com o título, de “A Ditadura Derrotada”, Élio Gaspari lançou o terceiro livro de seu volumoso “pentateuco”, destinado, segundo dizem, a ser a mais completa obra sobre os “anos de chumbo” que assim seria a última e definitiva manifestação do incansável fascínio que sobre a mídia vêm exercendo aqueles conturbados tempos. O senhor leu esse novo livro?
Não só li, como o esmiucei a fundo. Veremos que se trata de mais um tendencioso trabalho revisionista, no qual o autor, entupido de dados, não os pôde ou soube “digerir” e assimilar e os reduziu, em alguns pontos, a delirantes conclusões em que certas afirmações – como as existentes no Diário de Heitor Aquino – são consideradas como verdades transitadas em julgado, o que, por si só, é um enorme absurdo.
Como aconteceu com os dois livros, de que já tratamos, a nova produção veio acompanhada de ampla cobertura jornalística. O jornal O Globo dedicou-lhe cinco páginas de sua edição de 5 de novembro de 2003 e a revista Época outro tanto em um de seus números. Embora equivalente aos dois primeiros volumes, em equívocos, falsificações, meias-verdades e interpretações tendenciosas, o novo livro vale-se principalmente da farta gama de material que o autor recebeu de seus ami- gos fardados a quem não poupa agradecimentos e elogios. Isto faz deste livro o lamentável produto de uma ação criminosa de altos funcionários que prevaricaram, ao se apropriarem de documentos e fitas gravadas, dos quais tinham a guarda em função dos cargos – alguns classificados como ultra-secretos e secretos – para entregá-los a um jornalista esperto e inescrupuloso que com eles vai ganhar bom dinheiro e, paradoxalmente, enxovalhar-lhes a memória ou, como no caso de Heitor de Aquino Ferreira, pôr-lhe a nu o caráter. No caso do ex-Presidente Geisel, as falsificações e equívocos tornam-se muito mais gritantes ao entrar em conflito com o que declarou o “sacerdote” em suas memórias – por ele próprio revisadas – e transformadas no livro da FGV já citado.
Qual a razão da designação de sacerdote?
Não se chega a entender bem o porquê da designação de “sacerdote” para o ex-Presidente Geisel. Ela parece dizer que Ernesto Geisel entendeu sua missão na Presidência como um verdadeiro sacerdócio no qual cumpriria o “sagrado ministério” de derrubar a “ditadura” à qual não pudera – com a ajuda de seu feiticeiro e de alguns fiéis acólitos – dar os rumos que dissera perdidos quando soube que o substituto de Castello Branco seria Costa e Silva.
O autor confessa alhures que o objetivo de sua obra é contar como foi desmontada a ditadura por Geisel e Golbery, cujos perfis resume. Geisel seria um mora- lista, defensor convicto de um Executivo forte, adversário do sufrágio universal como forma de escolha dos governantes e crítico acerbo do Parlamento como instituição eficaz. Defensor quase religioso da instituição militar, trazia da caserna o sentido da ordem e uma visão prática da atividade pública, capaz de levá-lo, com freqüência, ao antiintelectualismo. Em outro ponto, volta a pintar um Geisel ditatorial que “queria acabar com as eleições diretas”, um “estorvo num país povoado por analfabetos”. O autor não define quais os rumos Geisel daria à sua obra e o “sacerdote” que emerge do livro está muito longe da biografia que foi alardeada quando da morte do ex-Presidente.
O livro é muito revelador quando mostra que, enquanto a “tigrada” arriscava a vida para evitar o assalto dos comunistas ao Poder, este era rateado e assaltado por um consórcio que o Professor Roberto Médici designara certa vez de “clube inglês”. Desse clube, uma das figuras mais destacadas é o “acólito” Heitor de Aquino Ferreira, “unha e carne” do autor do livro, e que já merecera do “sacerdote”, em seu depoimento paralelo à turma do CPDoc da FGV, os maiores elogios. Certamente, Geisel não sabia que seu homem de confiança, a quem dissera que concordava com o prosseguimento das gravações feitas no final de 1973 e início de 1974, desde que posteriormente fossem condensadas para registro histórico e apagadas, o traíra e que Heitor de Aquino
não as apagou e as surrupiou, entregando-as, anos depois, ao seu amigo Gaspari.
E quanto ao aproveitador Heitor de Aquino Ferreira, o que escreveu Gaspari?
Tomando por base os livros de Élio Gaspari, Heitor é um desses sujeitos que aliam inteligência a uma esperteza calculista e maquiavélica. Tenente de Cavalaria – Arma que, segundo seus colegas, escolhera apenas com o objetivo de ser o primeiro da turma de 1956 – logo percebe os segredos do caminho para o sucesso. Desde muito cedo, já revela inclinações políticas e um precoce senso de “arquivismo” que Gaspari viria a rotular como “interesse pela preservação da história”.
Em 1961, na campanha de Jânio Quadros, consegue apossar-se de anotações feitas pelo candidato antes de uma entrevista à Rádio Guaíba, em Porto Alegre, sede da unidade a que pertencia. Durante o meteórico governo do “homem da vassoura” descobre que uma figura importante da área militar era Chefe do Serviço Federal de Informação e Contra-Informações (SFICI), órgão que viria mais tarde a ser transformado no SNI. Escreve-lhe uma carta com idéias sobre a “vassourada” a dar no Exército, ao fim da qual indaga significativamente ao destinatário, Coronel Golbery do Couto e Silva, quais as posições mais importantes e relevantes na cúpula do governo e de interesse militar. Começava aí uma longa troca de cartas que seria o início de uma “societas celeris” que se estenderia pelos anos afora, muito bem mostrada no livro.
A inesperada renúncia de Jânio a desmonta temporariamente, mas a vitória da Revolução de 1964 a refaz com a ida de Heitor para o SNI. Ali, junto à Presidência da República, conhece e cai nas boas graças de Geisel que viria a ampará-lo em uma fase de ostracismo durante o Governo Costa e Silva. Por intermédio de Roberto Campos, consegue um bom emprego no Projeto Jari, do milionário americano Ludwig, lá na longínqua Belém do Pará, de onde o vai tirar seu protetor e amigo Geisel ao ser levado por Médici à presidência da Petrobras.
A partir daí, torna-se o elemento de ligação de seu antigo mentor Golbery com Geisel de quem se torna secretário e confidente. Não tirarei aos eventuais leitores das quinhentas e tantas páginas de Gaspari o prazer de conhecerem as maquinações do trio, já então acrescido de um “infiltrado” na rede palaciana, João Figueiredo, ao pé do desprevenido Médici, e já ungido então, em acordo secretíssimo, como o quinto presidente em futura e ainda longínqua “troca da guarda”.
Na página 25, lemos a revelação de que, em 22 de agosto de 1972, a sucessão de Médici já estava praticamente resolvida, o que poderia justificar aquilo que vem na página seguinte, quando após rasgados elogios ao “milagre” promovido pelo Presidente “Emílio Garrastazu Médici, o autor atreve-se a dizer que Médici foi o único brasileiro a governar seu país num regime de contínua supressão das liberdades individuais e de censura à imprensa”. Nesta altura, o leitor tranqüilamente poderia fechar o livro e jogá-lo no lixo, pois um autor que se atreve a tal despautério deixa de merecer crédito para o que venha a escrever mais adiante.
Élio Gaspari, por ignorância ou má-fé, é useiro e vezeiro em esquecer a ditadura mais repressiva e totalitária do Brasil que foi o Estado-Novo getulista. Coisa do Eremildo, o idiota, de quem tanto gosta o nosso escriba e cuja idiotice parece, muitas vezes, incorporar.
Vale enfatizar que o autor em “A Ditadura Derrotada” continua a intercalar, na história do assalto ao Planalto pela “troica”, seus inevitáveis comentários sobre a tortura e um número muito grande de tolices sobre o Exército e sobre algumas de suas figuras.
Da culpa pelas sandices que escreve sobre o “Glorioso”, parece ter Gaspari uma boa atenuante. Nos profusos e longos agradecimentos, credita a três ilustres generais – que enumera – a ajuda que lhe teriam dado para “reconstruir a situação militar do período”(sic).
Dessas personalidades, uma delas, não obstante um carreirista, ainda ostentaria alguma qualificação intelectual, mas as duas outras – embora tenham assumido altas funções – nunca passaram de mediocridades espertas e bem-sucedidas, apesar de serem possuidores de currículos escolares abaixo da média.
Ao descrever o Exército que o jovem Tenente Ernesto Geisel encontraria ao sair da Escola Militar, em 1928, talvez por descuido de seus “assessores militares” afirma, louvado em Nelson Werneck Sodré: “A Cavalaria não tinha cavalos, a Artilha- ria não tinha canhões e a Infantaria não tinha fuzis.” E, de moto próprio, prossegue: “Seus generais perderam três expedições massacrando jagunços em Canudos e mil homens enfrentando caboclos nas matas de Santa Catarina.”
É o vezo antimilitarista do ignorante Gaspari, velho falsificador de textos, apostando na desinformação de seus eventuais leitores, para, nas páginas seguintes se desmentir ao falar nos canhões e nos cavalos do 4o. Grupo de Artilharia a Cavalo, de Santo Ângelo, que, de repente, aparecem em São Paulo para ajudar a plantar Getúlio no Catete; fala nos “canhões de tiro lento”(?) da bateria que o Tenente Geisel foi incumbido de levar para a Paraíba – em verdade, canhões Schneider de dorso de tiro rápido, com os respectivos muares de transporte; mais adiante, fala nos cavalos de cuja limpeza Geisel tinha de cuidar no Grupo Escola de Artilharia em Deodoro e nos canhões que ele manejou para varrer o pátio de manobra dos hangares do Campo dos Afonsos, impedindo que os insurretos comunistas de 27 de novembro de 1935 levantassem vôo com seus aviões.
Na página 45, novo “cochilo” de seus “aspones” ou a pétrea ignorância do autor que insiste, arrogantemente, em tratar do que não conhece, ao falar do regresso, em abril de 1945, do já então Major Geisel do curso de especialização em blindados (?), em Fort Leavenworth, e de seu mau aproveitamento depois da ilustração obtida na melhor força armada do mundo. O autor parece não ter lido o que disse o próprio interessado em seu depoimento à turma do CPDoc, onde ele relatou corretamente o que foi fazer nos “states”.
Adiante, em resultado de conversa de 1983 e talvez já com Geisel mostrando os lapsos de memória que revelaria em muitos depoimentos da época, o autor prova desconhecer que o destino normal dos oficiais que vinham de cursos no exterior era uma escola do nível correspondente ao curso feito, no caso a Escola de Estado- Maior do Exército, pois desse nível era a escola freqüentada por Geisel em Leavenworth. Acontece que, com a guerra, as escolas brasileiras de aperfeiçoamento de oficiais e de estado-maior ficaram fechadas.
E a leviandade da crítica torna-se mais evidente ao registrar o escriba, duas páginas adiante, que, em outubro daquele mesmo ano, o Major Geisel era “Chefe de Gabinete do Comando do Núcleo da Divisão Blindada, no Rio de Janeiro, comandada pelo General Álcio Souto”; na verdade, o era da Direto- ria de Motomecanização, onde o General Álcio tinha como Ajudante-de-Ordens um esperto tenente de Artilharia, vigésimo classificado de sua turma de 34 Aspirantes no Realengo e que, três anos depois de sair da Escola, já mostrava uma aptidão que o acompanharia ao longo de sua bem-sucedida carreira militar: “eficiente cabide de alamares”. Por outro lado, os talentos e o cabedal profissional de Ernesto Geisel nunca foram mal aproveitados; alguns meses depois, o seu chefe o levaria para uma função no Gabinete Militar do Presidente Dutra e, em seguida (abril de 1947), viria a designação para ser o Adido Militar no Uruguai.
A reação civil e militar contra o continuísmo e o queremismo comuno-getulista na visão caolha e tendenciosa de Gaspari nada tem a ver com a redemocratização pela qual pugnaram os líderes civis mineiros, com o retorno vitorioso da FEB ou com o empenho honesto da maioria dos generais para acabar com o Estado-Novo. “O golpe contra Getúlio” foi dado apenas para “preservar uma eleição que haveria de colocar na Presidência um general ou um brigadeiro”, afirma o escriba, demonstrando mais uma vez a sua idiotice por acreditar que escreve para seres irracionais.
Há tempos, os jornais publicaram um desmentido de Jarbas Passarinho a uma acusa- ção de Gaspari ao General Álcio Souto. Gostaria de comentar o fato?
É verdade, pois, na página 50 do livro, Gaspari pratica mais uma falsificação, característica e marca registrada de sua longa vida de escriba irresponsável, acusando o acima citado General Álcio Souto de “simpatizante ostensivo da Alemanha nazista”, apoiando-se no que teria declarado Jarbas Passarinho, cadete ao tempo em que, como Coronel, Álcio Souto comandara a Escola Militar do Realengo. Foi desmentido publicamente por Alvir Souto, filho do general, em carta a O Globo, publicada em 27 de novembro de 2003, em Cartas dos Leitores, e por Passarinho, cuja declaração, em um livro citado pelo autor, fora grosseiramente falseada.
A respeito da leviana e criminosa deturpação por Élio Gaspari do que Jarbas Passarinho escreveu no livro Histórias do Poder para macular o grande conceito que desfruta o General Álcio Souto, o próprio Passarinho se referiu no extraordinário Prefácio do livro, também notável, “O Fascínio dos Anos de Chumbo”. O que Passarinho disse no Prefácio do último livro que o senhor escreveu?
Jarbas Passarinho, que dispensa apresentações, aborda, em seu brilhante Prefácio, onde se houve com absoluta correção, o seguinte trecho referente a Élio Gaspari: “(….) A profusa bibliografia surgida desde a anistia, que de boa fé pretendíamos significasse esquecimento e, ao revés, proporcionou o “revanchismo” odiento, ganha corpo como se fosse o relato da verdade. Alguns deles, como o do jornalista Élio Gaspari, cujo conceito divide a sua geração de profissionais da imprensa, é o que mais se assemelha ao que Churchill disse de Maculay: ‘que apesar do estilo cativante e de sua inaudita suficiência, deixava-se por vezes empolgar pela imaginação que punha acima da verdade e denegria ou glorificava os homens, coletando documentos segundo as necessidades da narrativa.’
Do jornalista, polêmico entre os seus pares da imprensa, tenho uma prova de desonestidade intelectual. Citou-me, falseando a verdade do que escrevi no livro “His- tórias do Poder”, sobre o falecido General Álcio Souto, que foi meu comandante na Escola Militar do Realengo, no Rio. Diz que o chamei nazista. Na página referida digo o contrário: ‘o General Álcio Souto, como outros generais, tinham simpatia, não pelo nazismo, nem por Hitler, mas pelo exército alemão.’ Uma deturpação dessa natureza me permite pôr dúvida sobre muito que consta do que Élio Gaspari escreve usando documentos herdados do General Golbery, na verdade um coronel que passou para a reserva com vencimentos de general. Papéis, de resto, selecionados, impregnados de animosidade que marcou a cizânia entre grupos de militares importantes, conforme a intenção de denegrir ou glorificar os responsáveis pelo regime autoritário.”
Com sua permissão, General Negrão, vou prosseguir com Passarinho em seu Prefácio:
“Contra as inverdades, quer as constantes dos livros de Gaspari, quer as veiculadas pela esquerda vencida na luta armada, se insurge o General Negrão, levando imensa desvantagem. De Élio Gaspari, comprova erros factuais notórios, mas isso não terá a mesma divulgação obtida pelo êmulo de Maculay favorecido pelo marketing que o faz autor de best sellers.
O valor verdade, deturpado, tem um alcance enormemente maior que a restauração dos fatos. Longe, todavia, de esmorecer, persiste o General Negrão escrevendo sucessivos livros fundamentados na verdade.”
93
(….) “O livro de Negrão Torres espero que seja leitura – não a obrigatória nas escolas, como gente da esquerda sugere sejam lidos os livros de Gaspari – mas de historiadores isentos, que queiram mostrar, como é da natureza da história, o ‘facho de luz que ilumina o passado’.
Quanto ao prefácio, dizia a querida e saudosa Rachel de Queiroz, que, se o livro não presta, não há prefácio que o melhore, e se o livro é bom não precisa de prefácio. É precisamente este o caso do livro de Raymundo Negrão Torres: não precisaria de prefácio, pois é muito bom. O autor honrou a caserna onde chegou por mérito ao generalato e agora honra as letras, profilaticamente limpando-as da lama da mentira que pretende ser história.”
Depois, destas justas considerações de Passarinho em seu Prefácio, reparando a clamo- rosa injustiça de Gaspari com relação a Álcio Souto e enaltecendo o valor do nosso entrevistado, eu lhe pergunto: Que outra acusação faz Gaspari ao tratar da fuga de Carlos Lamarca ao cerco que lhe foi feito pelo Exército no Vale da Ribeira?
Outra acusação sem base, encampada pelo autor, está na página 287, quando trata da fuga de Carlos Lamarca ao cerco que lhe fazia o Exército na frustrada tentativa de guerrilha no Vale da Ribeira em 1970. Élio Gaspari retira do Diário de Heitor Aquino o registro do desgosto do quase empossado Presidente Ernesto Geisel pela promoção, em 1972, do General Paulo Carneiro Thomaz Alves – que lutara na Itália como capitão – e um comentário crítico ao desempenho desse militar no comando das tropas que combateram a citada guerrilha, atribuindo ao mesmo a responsabilidade direta pela fuga dos guerrilheiros da área de cerco, “nas suas barbas”.
Na verdade, a fuga deu-se “nas barbas” do então comandante do Regimento de Artilharia de Itu que viria a fazer parte da primeira turma de coronéis promovidos pelo Presidente Geisel e cujo protetor e mentor tivera uma longa conversa com o futuro presidente em 17 de dezembro do ano anterior, segundo registra a nota de rodapé da mesma página.
A narração do episódio feita por Gaspari à página 200 do Segundo livro de seu “pentateuco” – “A Ditadura Escancarada” – é baseada no relato do guerrilheiro Ariston Lucena, um dos autores do bárbaro assassinato do Tenente Mendes Júnior, da PM de São Paulo, na operação, que fantasia o seu desfecho. No final do Capítulo 9 de meu livro, registro o depoimento de um oficial que integrava uma das unidades participantes das operações. Não sei se o General Paulo teria um filho ou outro descendente para defendê-lo, como fez o General Alvir Souto em memória de seu pai. Na dúvida, faço-o eu.
O senhor fez referências aos freqüentes lapsos de memória existentes nos depoimentos do ex-Presidente Geisel. Segundo o livro, em depoimento de outubro de 1994, ele teria
dito erradamente que os ministros militares que se opuseram à posse de João Goulart ganharam o apelido de “os três patetas”. Esse desairoso epíteto foi dado por Ulisses Guimarães aos ministros militares que organizaram uma Junta Militar e impediram a posse do Vice-Presidente Pedro Aleixo, em 1969. Gostaria de comentar esse fato?
Em declarações anteriores, já nos referimos aos exageros e equívocos na apreciação de certas passagens da vida militar do ex-Presidente Geisel. O autor gaba-se de ter tido longas conversas com ele, restando assim a dúvida se esses exageros e equívocos são do autor ou do personagem. Ao falar da passagem de Geisel pelo comando da Artilharia Divisionária em Curitiba, em 1962, os seus excessos e enganos se repetem e confirmam a maneira falaciosa como o livro foi escrito. O mesmo sujeito que classifica de “canil” o comando de um CPOR, como o de Belo Horizonte, arvora-se a classificar como “comando de primeira classe” o da AD/5.
Duvido que o próprio Geisel o considerasse à altura de seus talentos, ao tempo em que o exerceu, tanto que se dedicava, na época, a fazer cursos por correspondência para encher seus muitos momentos de tédio, com um Estado-Maior reduzido, insta- lado em um aquartelamento precário, partilhado por uma porção de organizações, uma verdadeira “cabeça de porco”, como o chamávamos; como não havia casa funcional, morava em modesta casa cedida pelo Reitor da Universidade Federal do Paraná, Flávio Suplicy de Lacerda, que ele, em suas memórias, chamaria injusta- mente de “trapalhão”.
Em diversas ocasiões respondeu pelo Comando da 5a Região Militar, sendo protagonista, em uma delas, do episódio do telegrama do General Jair Dantas Ribeiro que é narrado no livro com a costumeira incorreção e bisonhice. O telegrama não foi endereçado ao presidente e sim ao ministro da Guerra, o então General Amaury Kruel, e estava vinculado a uma programada greve geral pela antecipação do plebiscito. Já se sabia que o General Jair seria o novo ministro. Não só os “generais do povo” pressionavam o Congresso; todos os políticos com aspirações presidenciais ajudaram nas manobras para antecipar a volta ao presidencialismo. Assim, o relato a respeito do episódio, feito por Geisel em seu depoimento ao CPDoc, está mais perto do que presenciei como oficial do estado-maior da 5a RM, na época.
A entrega da papelada do Golbery ao escriba acrescentou um toque perverso, mas infelizmente verídico, ao livro. Foram de cambulhada com os milhares de documentos, inúmeras cartas que desavisados “puxa-sacos” e interesseiros mandaram ao “sacerdote” e ao seu “feiticeiro” com manifestações de apoio, pedidos de favores e empregos e outras demonstrações de falhas de caráter ou de simples ética, e que, agora, vêm a público. Incluem desde generais a políticos sem compostura. O autor regozija-se em enumerar uma longa série de casos (p. 90/93) que só fazem confirmar a procedência da afirmativa de Castello ao justificar a necessidade de abreviar a duração do ciclo autoritário: “O Poder corrompe e o Poder absoluto corrompe de forma absoluta.”
Na página 94, o autor atribui a paternidade da idéia da criação do Ministério da Defesa ao ex-Presidente Geisel e a ele também o abandono da mesma, por causa da rejeição da Marinha, louvando-se em um escrito sem data do arquivo Golbery/Heitor e em um depoimento de Geisel de 1994. Isso tem fundamento?
Deve ser mais um lapso de memória do ex-Presidente que é desmentido pela farta documentação existente e que mostra que já em 1958, em conferência na Escola de Estado-Maior do Exército, o General Castello Branco advogava a criação de um Ministério das Forças Armadas, o que viria a repetir, já como presidente em várias ocasiões – como em conferência na Escola de Guerra Naval, em 12 de dezembro de 1964 – e em documentos e diretivas aos comandantes militares. A medida – que seria incorporada à reforma administrativa – foi cogitada até o fim do governo na expectativa de poder ser concretizada, mas que acabou atingindo apenas a estrutura da administração civil, pelo Decreto-Lei no 200, expedido no apagar das luzes de seu governo em 25 de fevereiro de
1967, vinte dias antes de passar a faixa a Costa e Silva. A alegada frustração de Geisel por não ter podido concretizar sua idéia poderia ter sido consertada ao assumir ele a Presi- dência, pois, em reunião do Alto Comando das Forças Armadas, realizada em 10 de junho de 1974, a reafirmou, sem, contudo a pôr em prática nos cinco anos de seu governo. O livro de Luís Vianna Filho sobre o Governo Castello Branco é muito elucidativo sobre essa e muitas outras questões, a respeito das quais os livros de Élio Gaspari ou silenciam ou passam muito rapidamente “como gato em cima de brasas”.
E sobre Golbery o que diz o autor?
Élio Gaspari gasta cerca de setenta páginas de seu livro para uma minibiografia de Golbery do Couto e Silva, cujo cognome de o “bruxo” muda – num rasgo de originalidade – para o “feiticeiro”, que no fim quer dizer a mesma coisa. A designação deve ter surgido por alguns acreditarem que ele possuía poderes mágicos, capazes de enfeitiçar as pessoas.
Na realidade, foi um dos personagens mais complexos e enigmáticos dos últimos tempos da história brasileira. Possuía a volúpia de exercer o poder, não ostensivamente, mas aquele poder de manipulação dos fatos e das pessoas, sempre em segundo plano e nas sombras. Deveria ter um enorme poder de sedução, pois foi beneficiário de um dos dois únicos itens do “testamento político” de Castello Branco que, ao fim do governo, o nomeou para o Tribunal de Contas da União de onde se aposentou um ano depois para tornar-se empregado de um poderoso grupo multinacional. O outro item do “testamento” foi a promoção de Ernesto Geisel e sua colocação hibernando no Superior Tribunal Militar. Geisel tinha por Golbery uma admiração quase reverencial e só nos últimos tempos parece que anda- ram estremecidos, não se sabe bem o porquê.
Como era comum na época, tentaram cooptar o Tenente Golbery para o comunismo e ele andou escrevendo uns textos que, nos seus tempos de SNI, colocariam seu autor no fichário dos seus “clientes”. Muito inteligente, Golbery era também bastante esperto e logo percebeu que o caminho do PCB não levava a nada; arranjou os alamares de ajudante-de-ordens que já em 1939 lhe dariam acesso ao Palácio do Catete pelas mãos do Coronel Mario Ary Pires, mesmo declarando não nutrir simpatias pelo Estado-Novo e por Getúlio Vargas. Mas, para um bom escriba, extremamente ambicioso não haveria melhor começo.
A menção à ida de Golbery para a guerra já no seu final, serve de gancho para o autor exercitar sua proverbial ojeriza ao Exército com um breve comentário sobre a organização da FEB, onde mistura aspectos que todo mundo está cansado de saber com algumas alfinetadas injustas, idiotas e despropositadas. Mostra não saber que as mazelas de nossa tropa foram o retrato do que era o Brasil no início da década de 1940, o que foi exemplarmente mostrado por um febiano em magnífico livro. Se o escriba sabichão tivesse tido a oportunidade de ler “A Guerra Proscrita”, do Coronel Germano Seidl Vidal, poderia entender que um Brasil subdesenvolvido, analfabeto, doente e desdentado não poderia mandar para a Itália uma força de super-homens.
Mandou seus caboclinhos, de baixa escolaridade e fisicamente débeis, mas que depois de um duro aprendizado no próprio campo de batalha, derrotaram os aguerridos arianos para desespero de certos racistas enrustidos e ajudaram a libertar a terra que nos mandaria o menino Élio. Os brasileiros da FEB, ao adentrarem em várias cidades italianas, por ocasião da fase do Aproveitamento do êxito, logo após a conquista de Montese, eram aplaudidas vivamente e chamados, com toda vibração pelo povo, de “liberattoris”.
Ao tratar dos problemas do Brasil do pós-guerra, o escriba prefere encantar- se com as teorias de um tal de Gerald Haines, um historiador a serviço da CIA, do que recorrer ao que deixou escrito Roberto Campos sobre esse período e sobre os trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, um dos que mais de perto os conheceu e os relatou extensamente em seu livro Lanterna na Popa.
Quase sócio fundador da Escola Superior de Guerra – a “Sorbonne” (apelido que Gaspari classifica de pernóstico e Geisel diz que era assim chamada pelos despeita- dos) – Golbery iria aos 41 anos ingressar naquele “templo do saber” que o levaria às culminâncias da fama de ser um dos grandes “intelectuais do Exército”. A respeito da ESG, Élio Gaspari, neste terceiro livro, passa a distribuir quase que igualmente elogios e ironias, não chegando, todavia, a denegrir a Escola.
Mas a auréola de intelectual, se lhe dava prestígio e abria muitas portas, não satisfazia sua necessidade de manipular e dominar ainda que sub-repticiamente. Essa oportunidade surgiria no rápido Governo Jânio Quadros, quando Golbery, ao assumir o cargo de Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional, o acumularia com a chefia do SFICI, o precursor do SNI, em que se transformaria três anos depois. Ali, o “feiticeiro” começaria a construir o “monstro”, que é como ele passou a denominar o SNI, quando já não o podia mais manipular. Durou pouco o interregno, mas o suficiente para Golbery começar a organizar um fichário que levaria, como coisa pessoal, ao deixar o órgão quando da renúncia de Jânio. O mesmo que faria mais tarde com a papelada que por vingança, em 1985, entregaria a Élio Gaspari.
Fundamente comprometido com os que se opunham à posse de João Goulart, acabou sendo varrido pelo sucesso da Campanha da Legalidade. Transferido para a Paraíba, pediu transferência para a reserva, fazendo nascer o “general de pijama” Golbery. Mas não vestiu o pijama sem antes chamar de “cagões” os que não provocaram derramamento de sangue para que ele – que tinha horror à tropa – continuasse sua carreira de palaciano inveterado.
Dali em diante, surgiria o conspirador para a derrubada de Jango e, nesse trabalho subterrâneo, de manipulações e manifestos, o feiticeiro sabia onde pisava. Esteve sempre no centro das articulações e da mobilização de recursos para as campanhas patrocinadas pelo IPES, entidade financiada por empresários paulistas e cariocas, temerosos dos rumos que ameaçavam levar o País para uma ditadura de esquerda ou comunista, os mesmos que, algum tempo depois, ajudaram a financiar a OBAN que reagiria às tropelias de terroristas e guerrilheiros urbanos em São Paulo.
Em uma das manifestações mais contundentes sobre o caráter de seu parceiro, escreveria Gaspari: “Em 1965, Golbery defenestrou o Coronel Rubens Resstel do SNI e, nos vinte anos seguintes, demonstraria, em relação a esse oficial, uma das características mais reprimidas de seu temperamento, um tipo de rancor raro e seletivo, porém implacável.” Mistura de Fouchê com Torquemada…
O autor deixa-se influenciar por certas falácias criadas em torno de Golbery ao registrar ser ele o articulador de um suposto “plano moderadamente reformista” do Governo Castello (p. 167) e, em contrapartida, reconhece nele um “trapaceiro político” que sonhou ser interventor na Guanabara quando da crise das eleições de 1965. Ao sentir que fora ultrapassado em suas maquinações para influir na escolha do sucessor de Castello, passa a ignorá-lo e, dali em diante, raramente o mencionaria e embora não o criticasse, nunca o elogiou (p. 177 e 179).
Decidida a escolha do sucessor de Médici com insuspeitada antecedência na época, as atenções de Ernesto Geisel, Golbery e dos membros de sua entourage que conheciam o segredo voltaram-se para os movimentos reais ou imaginários que a pudessem pôr em risco e o autor, baseado nos volumosos “alfarrábios” de que dispunha, os mostra com alguns lances de pura ficção delirante, como os apresentados à página 191.
A sugestão do nome do General Euler Bentes Monteiro para o Ministério do Exército, em dezembro de 1971 e a demissão do General Rodrigo Octávio Jordão Ramos, do comando da ESG, abatido na mesma época pelo “chanfalho” de Orlando Geisel, por ter supostamente convidado os estagiários a participar de um trabalho sobre a “institucionalização política do processo revolucionário”, estão nessa cate- goria. Élio Gaspari – um diligente visitador do Almanaque do Exército – e seus “consultores” fardados deviam saber que, à época, o General Euler era um general-de- divisão moderno e um dos mais próximos e prestigiados auxiliares do Ministro Orlando Geisel, como Chefe do Conselho Superior de Economia e Finanças (CONSEF); mandava e desmandava nesses assuntos e foi o responsável por medidas desastrosas para as unidades do Exército; que o “chanfalho” deve ter sido de outrem, pois a ESG não era subordinada ao ministro do Exército e os trabalhos impostos aos seus estagiários são determinados com muita antecedência e, em outubro, já estariam concluídos. O Gene- ral Rodrigo Octávio era um atrabiliário, mas essa estória está mal contada, como tantas do “pentateuco eliano” ou, como disse o Cony, “suetoniano”.
A tecla da tortura continua a ser batida em várias partes do livro e sempre com a costumeira falta de indicação de nomes, flagrantes incorreções ou louvando- se em testemunhos desmoralizados, como o do ex-sargento Marival do Canto (p.268), um comprovado mentiroso, que colaborou com a contumaz “molecagem” da revista Veja – como a chamou o Mario Sergio Conti – em matérias sensacionalistas, logo desmentidas pelos fatos. Na página 236, ele escreve que “Um ex-deputado da Arena entregou a Golbery uma lista com os nomes de seis oficiais acusados de torturar presos”. A nota de rodapé correspondente, diz:
“Folha de papel com os nomes do Major Innocêncio Fabrício de Mattos Beltrão e dos capitães Homero César Machado, Dalmo Lucio Cirillo, Benoni de Arruda Albernaz e Carlos Alberto Brilhante Ustra. Numa folha do bloco Heitor anotou: ‘Fonte afirma que são torturadores.’ Noutra Golbery identificou a fonte: ex-deputado Gilberto Azevedo. APGCS/HF. Todos os oficiais listados serviam no DOI de São Paulo. Esse papel deve ter sido entregue a Golbery no segundo semestre de 1972.”
Essa a versão. A verdade é que Innocêncio Fabrício Beltrão, foi Comandante do 2o Esquadrão de Cavalaria Mecanizado, em São Paulo, e nunca serviu no DOI/II Exército. Homero César Machado nunca foi do DOI; serviu na OBAN logo no início. Carlos Alberto Brilhante Ustra, major desde 1967, chegou a São Paulo em janeiro de 1970 como estagiário da ECEME; chefiou o DOI do II Exército de 29 de setembro de 1970 a 23 de janeiro de 1974. Acusado como torturador pela Deputada Bete Mendes anos depois, escreveu um livro em defesa de seu passado e o que diz no livro nunca foi desmentido. Élio Gaspari o conhece, teve contatos com ele e faz várias citações dele e de seu livro.
Quais as principais referências a civis feitas no terceiro livro de Gaspari?
Um dos grandes nomes focalizados no capítulo A Grande Encrenca (p. 257 e seguintes) é Delfim Neto, a “estrela” civil do Governo Médici, que é tratado de forma comprometedora, não obstante ter sido um dos muitos entrevistados pelo autor e cuja colaboração é motivo de referências em muitas partes do livro de que nos ocupamos e dos precedentes. Em uma delas, diz o autor, que, quase vinte anos depois, Antonio Delfim Neto levantaria o véu que encobriu toda a crise de 1968, ao afirmar: “Naquela época do AI-5, havia muita tensão, mas no fundo era tudo teatro.” O ex-ministro continua na atividade política como deputado federal e é freqüentador constante das páginas dos jornais e das telas da TV; com certeza, fará sua própria defesa e levará às barras dos tribunais os caluniadores, como sistematicamente ameaçava fazer com quem, em outros tempos mais bonançosos, ousasse
mencionar o famoso “Relatório Saraiva”, um informe de rotina do adido militar junto à embaixada do Brasil em Paris e que, na época, teve grande repercussão, sendo poucos, no entanto, os que na realidade sabem o que relatava o correto coronel, posto na rua da amargura pelo seu relato, julgado “uma grande imprudência”.
Nesse mesmo capítulo, o autor trata de um incidente em torno de aprecia- ções incluídas pelo famoso economista Paul Samuelson, em uma reedição de seu não menos famoso livro “Economics” – o livro-texto mais vendido no mundo sobre o assunto – consideradas injustas e desprimorosas em relação ao Brasil. Houve interferência de economistas brasileiros ligados ao nosso governo e o professor concordou em mudar parte do que escrevera, ante à ameaça do editor brasileiro de não publicar a nova edição do best seller. O que as pessoas não fazem no interesse do “vil metal”. O mordaz Élio Gaspari que o diga!
No capítulo seguinte, ao tratar da escolha dos ministros militares, aproveita a oportunidade para mais uma vez demonstrar sua má vontade e prevenção com as Forças Armadas e sua desinformação, misturando coisas corretas e irrespondíveis com apreciações equivocadas e apressadas, para dar credibilidade a estas últimas, em uma técnica marota que sempre costuma usar. Numa coisa ele está totalmente certo: Geisel – que, segundo seu biógrafo bissexto, achava que todo político era falso e todo milionário era ladrão (p. 232) – sabia que “estavam botando dinheiro fora”, gastando
mal, por falta de organização, os valiosos recursos resultantes dos bons ventos do “milagre” e pode ter pensado em fazer muitas mudanças, mas nem acabou com o desperdício, nem mudou nada. Não queria ministros que lhe pudessem fazer sombra e os escolheu com essa preocupação. As vacilações e acomodações que criticara em Castello, as repetiria dez anos depois.
Criticou os chefes do Estado-Maior do Exército dos últimos dez anos e nomeou ministro o último deles; para aquele cargo – o mais importante para a operacionalidade da Força – preferiu a antigüidade menos competente a um general mais moderno e que julgava ser mais capaz. Deu clara prioridade ao desenvolvimento, em detrimento da segurança. Esta, a “tigrada”, abnegada e hoje injuriada, garantiu. Com relação ao desenvolvimento, os choques do petróleo e as besteiras do civil Reis Veloso ajudaram a derrotar, com planos que o Mario Henrique Simonsen chamou de “obras de ficção” e que o escriba Élio diz, tolamente, que se destinavam “a satisfazer a mitologia planejadora dos militares”.
Outro tanto se poderia dizer com relação às críticas feitas ao Exército em várias ocasiões por João Figueiredo, que o autor não se furta em ressaltar em vários pontos do livro. Na Presidência, João pedia a seu amigo Walter Pires que o poupasse, evitando ficar postulando por recursos, já então não tão fartos.
O assunto mais destacado na mídia quando do aparecimento de “A Ditadura Derrota- da” foi um trecho da gravação da conversa entre Geisel e o seu futuro ministro do Exército. Gostaríamos de ouvir seus comentários a respeito.
É o que consta do capítulo Esse Negócio de Matar, exibido às páginas 324 e
- 325. A exploração tendenciosa e escandalosa que se fez de uma pequena parte de uma conversa de três horas consistiu na retirada desse trecho do seu contexto, sem uma análise imparcial e isenta do que na realidade aquilo queria dizer. Os interlocutores eram um general da ativa que se refere à sua experiência recente da luta armada comunista e o futuro presidente que, reiteradamente em suas memórias, confessa-se desinformado por ter estado cerca de dois anos em um tribunal militar e cerca de quatro em função civil, como presidente da Petrobrás. Pode-se concluir que, pela diferença de nível de conhecimento entre os dois interlocutores do que se passava nos “porões” da luta armada, eles, em alguns aspectos, estavam tendo “um diálogo de surdos”.
Coutinho: – Fui para São Paulo logo em 1969, o que vi naquela época para hoje… Ah, o negócio melhorou muito. Agora aqui entre nós, foi quando nós começamos a matar.
Geisel: – Porque antigamente você prendia o sujeito e o sujeito ia lá para fora.
Oh! Coutinho, esse negócio de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser.
Coutinho: …Outro dia no último relatório do CIE, o fio da meada dessa guerrilha em Xambioá começou num estouro que nós fizemos em 1972 lá em Fortaleza. Foi dali que um falou que tinha guerrilheiro no norte de Goiás.
Geisel: Sabe que agora pegaram o tal líder e liquidaram com ele (Oswaldão). Se tivesse havido o alardeado interesse de reconstituição histórica, ter-se-ia
percebido que:
– o que o General Dale Coutinho viu em 1969, quando em São Paulo comanda- va a 2a RM, está exaustivamente contado no livro do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – “Rompendo o Silêncio” – publicado em 1987, e que sintetizamos no Capítulo 3, intitulado As Sementes do AI-5, do meu último livro;
– que “o negócio melhorou muito” quando as forças da lei passaram a trabalhar coordenadamente na OBAN e deixou de morrer gente só de um lado;
– que “o fio da meada” de Xambioá foi achado em um “estouro” de um “aparelho” da subversão e esses estouros já tinham sido objeto de exploração sobre uma conversa entre o Presidente Médici e o seu Ministro do Exército, Orlando Geisel, inserido no livro de Jarbas Passarinho “Um Híbrido Fértil”, em que o ministro, em resposta à observação do Presidente Médici de que deveriam entrar nos aparelhos atirando para não termos tantas baixas do nosso lado, teria ponderado que não deveríamos “quebrar a cadeia” nesses estouros;
– que a expressão do General Orlando Geisel pode dar ao leitor desavisado a impressão de que o interesse era pegar vivo o subversivo para matá-lo ou torturá-lo. A expressão “não quebrar a cadeia” traduz uma das preocupações dominantes na resposta à luta armada. A clandestinidade e a fragmentação em células tornava as informações dos subversivos presos de extrema importância para o desmantelamento das organizações atuantes.
O terrorista morto era menos um combatente, mas de pouca valia na busca de informações. Esse, certamente, foi o sentido da afirmação feita pelo ministro.
Para falar uma palavra do Capítulo 3 – As Sementes do AI-5 – do seu mais recente livro, ao qual o senhor se referiu há pouco, devo interrompê-lo ressaltando a maneira extremamente objetiva e didática com que ele foi apresentado, obediente a cronologia, facilitando o perfeito entendimento do assunto, o que é, aliás, uma das características de sua bela obra que bem merece esta referência especial. Ler “O Fascínio dos Anos de Chumbo” é o mesmo que se encontrar com a verdade num português agradável e escorreito.
Em certo trecho de suas memórias à FGV, Geisel diz que, na Presidência, Figueiredo parecia outra pessoa. O mesmo deve ter pensado o diligente Heitor Aquino ao ver certas atitudes de seu amigo Geisel. Um inesperado e inexplicável distanciamento, a recomendação para abster-se de suas atividades políticas, onde sua desenvoltura o tornara um dos homens mais influentes do País, com apenas 38 anos, assegura Gaspari.
Não mais aqueles momentos de intimidade onde insistia em conseguir de Geisel um maior afastamento das incômodas figuras fardadas que sempre o rodearam. Até os assuntos para o Diário escassearam, pois as coisas ficaram mais complicadas com a chegada ao Palácio daquela inesperada e estranha figura com cara de bebê, cabeça raspada e que parecia bem exemplificar o apelido dado ao uísque Passport pelos ressentidos e gozadores, comparando-o aos militares: verde, quadrado e cheio de medalhas. Hugo Abreu, o Chupetinha do apelido carinhoso dos seus cadetes, iria ser um estorvo, como um indesejável “estranho naquele ninho”.
Desde novembro do ano anterior (1973), Heitor gravava quase todas as conversas de Geisel, seja no Jardim Botânico ou no Largo da Misericórdia, e pretendia que a coisa continuasse no Planalto com algumas modificações. A interferência do Chupetinha iria acabar com as “chupetas” e as escutas; ao propor ao presidente que alguém do Gabinete Militar cuidasse dos detalhes técnicos. Geisel percebeu que o que era um segredo do restrito grupo palaciano acabaria como um “segredo da Candinha” e proibiu a escuta. E, assim, acabou o que Amália Geisel chegara a dizer que era “horrível e pior que Watergate”. Mas só o esperto Heitor lembrou-se de guardar as valiosas fitas que iriam parar nas mãos de seu também esperto amigo de trinta anos, Élio Gaspari.
E o livro, se encerra com o episódio da inesperada derrota eleitoral da Arena no final de 1974, os primeiros indícios de que a anunciada “abertura lenta, gradual e segura” iria se transformar no “arrombamento” do João Figueiredo e “dar com os burros n´água”.
Certamente, é o que veremos, na versão eliana, nos próximos dois volumes do rendoso “pentateuco”.
15 de setembro de 2014
in blog do Lício Maciel