Neste momento, o Brasil está andando sobre gelo fino porque o polo de poder que mais atrai não é o que governa; e o que está na Presidência se enfraqueceu nas últimas horas ao comprovar-se que não consegue mobilizar mais do que 137 votos, 27% da Câmara. Ficaremos em suspenso até a decisão do Senado. Enquanto espera, o país continuará fazendo essa perigosa travessia com todos os indicadores em extrema vulnerabilidade. Quem se deixar embalar por alguma euforia de mercado, ou elogios de federações de empresários, não saberá enfrentar a crise.
Os deputados que deram votos para a aceitação do processo contra a presidente, Dilma Rousseff, apresentaram uma série de queixas dos seus redutos que só serão resolvidas com mais gasto público, mas o Brasil está no meio da pior crise fiscal das últimas décadas. Essa mistura de queda de arrecadação, aumento de demandas e fragilidade governamental é explosiva.
O vice-presidente, Michel Temer, demonstra mais ambição pelo poder do que o outro vice que esteve nesta situação, Itamar Franco. Por outro lado, se Temer nada fizesse para se preparar para a eventualidade de ocupar a Presidência, o país teria que pagar o preço da improvisação, caso se confirme em algumas semanas a necessidade de o vice assumir o comando do governo. Pelo que se ouviu no áudio vazado dias antes da votação no Congresso, ele pensa ter o condão que tudo resolverá: “a mudança trará esperança”, disse. Não é simples assim. Será necessário saber o que fazer no curto e médio prazos, ter um time competente e ser capaz de mobilizar o Congresso para aprovar medidas. Nada será trivial. O pior erro que Temer pode cometer, se assumir o governo, é subestimar a dimensão da crise e achar que montará uma coalizão apenas com distribuição fisiológica de cargos.
Medidas indigestas terão que passar pelo Congresso, como a reforma orçamentária. É uma necessidade velha que nunca foi enfrentada por governo algum, exceto com o paliativo como a DRU (Desvinculação de Receitas da União), que foi proposta pelo ex-presidente Fernando Henrique e foi sendo renovada pelos governos do PT. Agora, o Congresso retarda mais uma renovação e o que será necessário fazer é bem mais amplo. Foram criadas tantas rubricas de gastos obrigatórios no Orçamento que hoje o governante tem acesso a apenas 8% do que é gasto. A ideia defendida por economistas é fazer uma reforma para tirar algumas das amarras do Orçamento, mas isso significa, na prática, subtrair dinheiro de áreas que têm hoje um percentual garantido da receita. Todas as medidas necessárias para aumentar a capacidade de governar o Brasil vão gerar polêmicas.
Ao falar ontem, a presidente Dilma tinha outro tom de voz, mas permaneceu na mesma linha, de afirmar que há um golpe em andamento e de queimar pontes pelas quais precisará passar. Ela chamou de traidores os que votaram contra ela. E disse que fará um novo governo, caso vença. Com quem ela terá que governar? Com os que ela chama de traidores. O STF não julgou o mérito, mas as instituições brasileiras não assistiriam de braços cruzados a um golpe de Estado. Ao longo deste embate, chamou de golpistas todos os brasileiros que dela divergem. Pela soma das complicações, este é o momento mais delicado que o país atravessa desde a redemocratização e estamos no meio da travessia.
21 de abril de 23016
Miriam Leitão, O Globo