Revoga-se a ideia corrente de que todos os problemas se resolvem com mais dinheiro. Na verdade, ele existe, porém parte importante é desperdiçada
Em mais uma divulgação de Índices do Desenvolvimento Humano (IDH) pela Organização das Nações Unidas, estes referentes a 2013, o Brasil repete o desempenho de versões anteriores, em que há avanços, mas nada que garanta a chegada do país aos primeiros lugares do ranking, em horizonte de tempo previsível.
O Brasil subiu uma posição, para o 79º lugar, numa relação de 187 países, ficando ao lado de Geórgia e Granada, e, na América Latina, abaixo, por exemplo, de Chile, Uruguai e Cuba. Como na última vez, o governo — agora, com mais motivos, devido à campanha eleitoral — reclama da ONU o uso de dados atualizados sobre educação, e de questões metodológicas. A seguir os números do governo, o Brasil teria ficado na 67ª posição do ranking. Não seria uma mudança estrondosa, mas certamente ajudaria na propaganda.
O progresso do Brasil é indiscutível, e nenhum governo isoladamente pode capitalizá-lo. Todos deram uma contribuição. De 1980 em diante, o IDH brasileiro cresceu 36,4%. Entre os fatores que ajudaram nesta evolução, a expectativa de vida do brasileiro aumentou 11,2 anos (está em 73,9 anos), a renda per capita, 56% (US$ 14.275), e a escolaridade média passou de 2,6 anos para 7,2 anos. Mas, observando-se os últimos anos, constata-se uma perda de dinamismo no IDH: de 2008 a 2013, o índice passou de 0,731 para 0,744 — quanto mais próximo de 1, melhor —, porém, no período, o Brasil perdeu três posições. Ou seja, há países em que o desenvolvimento humano evolui num ritmo superior ao do brasileiro.
E a taxa de aumento médio do IDH brasileiro tem desacelerado: 1,16% ao ano entre 1980 e 1990, 1,10% entre 90 e 2000, e apenas 0,67% de 2000 a 2013.
É preciso entender o que acontece. No período iniciado em 2000, tem-se o aumento substancial dos recursos para programas sociais, enquanto se inicia, de maneira mais focada, o programa de melhoria da qualidade do ensino público básico, séria vulnerabilidade do país. Há, ainda, a partir de 2011, a desaceleração da economia e a passagem da inflação para um patamar superior. E, além de tudo isso, persistem as deficiências no SUS.
Ao analisar este último relatório da ONU, o cientista político Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), disse estar o Brasil numa “armadilha da renda média”. Para ele, o brasileiro tem uma renda relativamente alta em relação a países africanos, a mortalidade infantil melhorou, as crianças estão nas escolas, mas a questão é como ter uma educação de qualidade. Dar, enfim, o salto para o estágio de desenvolvimento.
É muito provável que tudo passe pela melhoria dos gastos bilionários de um Estado que já absorve 40% das rendas da sociedade. Revoga-se, assim, a ideia corrente de que todos os problemas se resolvem com mais dinheiro. Na verdade, ele existe, porém parte importante dele é desperdiçada.
26 de julho de 2014
Editorial O Globo
Em mais uma divulgação de Índices do Desenvolvimento Humano (IDH) pela Organização das Nações Unidas, estes referentes a 2013, o Brasil repete o desempenho de versões anteriores, em que há avanços, mas nada que garanta a chegada do país aos primeiros lugares do ranking, em horizonte de tempo previsível.
O Brasil subiu uma posição, para o 79º lugar, numa relação de 187 países, ficando ao lado de Geórgia e Granada, e, na América Latina, abaixo, por exemplo, de Chile, Uruguai e Cuba. Como na última vez, o governo — agora, com mais motivos, devido à campanha eleitoral — reclama da ONU o uso de dados atualizados sobre educação, e de questões metodológicas. A seguir os números do governo, o Brasil teria ficado na 67ª posição do ranking. Não seria uma mudança estrondosa, mas certamente ajudaria na propaganda.
O progresso do Brasil é indiscutível, e nenhum governo isoladamente pode capitalizá-lo. Todos deram uma contribuição. De 1980 em diante, o IDH brasileiro cresceu 36,4%. Entre os fatores que ajudaram nesta evolução, a expectativa de vida do brasileiro aumentou 11,2 anos (está em 73,9 anos), a renda per capita, 56% (US$ 14.275), e a escolaridade média passou de 2,6 anos para 7,2 anos. Mas, observando-se os últimos anos, constata-se uma perda de dinamismo no IDH: de 2008 a 2013, o índice passou de 0,731 para 0,744 — quanto mais próximo de 1, melhor —, porém, no período, o Brasil perdeu três posições. Ou seja, há países em que o desenvolvimento humano evolui num ritmo superior ao do brasileiro.
E a taxa de aumento médio do IDH brasileiro tem desacelerado: 1,16% ao ano entre 1980 e 1990, 1,10% entre 90 e 2000, e apenas 0,67% de 2000 a 2013.
É preciso entender o que acontece. No período iniciado em 2000, tem-se o aumento substancial dos recursos para programas sociais, enquanto se inicia, de maneira mais focada, o programa de melhoria da qualidade do ensino público básico, séria vulnerabilidade do país. Há, ainda, a partir de 2011, a desaceleração da economia e a passagem da inflação para um patamar superior. E, além de tudo isso, persistem as deficiências no SUS.
Ao analisar este último relatório da ONU, o cientista político Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), disse estar o Brasil numa “armadilha da renda média”. Para ele, o brasileiro tem uma renda relativamente alta em relação a países africanos, a mortalidade infantil melhorou, as crianças estão nas escolas, mas a questão é como ter uma educação de qualidade. Dar, enfim, o salto para o estágio de desenvolvimento.
É muito provável que tudo passe pela melhoria dos gastos bilionários de um Estado que já absorve 40% das rendas da sociedade. Revoga-se, assim, a ideia corrente de que todos os problemas se resolvem com mais dinheiro. Na verdade, ele existe, porém parte importante dele é desperdiçada.
26 de julho de 2014
Editorial O Globo