Um sentimento de mesmice invade a alma nacional. A luta política, que se trava na arena do processo sucessório muito antecipado, é a teatralização de uma velha guerra que exibe perfis já conhecidos, bordões gastos e quase nenhum elemento de diferenciação.
Para se ter uma ideia, o slogan central das principais pré-candidaturas está centrado na “fazeção”: fazer mais e melhor. Tanto a presidente Dilma Rousseff quanto o governador Eduardo Campos trabalham nessa direção discursiva.
O repertório de denúncias começa a ser reaberto, a lembrar, com mais de ano de antecedência, as conhecidas querelas entre o principal partido da situação, o PT, e o principal partido da oposição, o PSDB. Mensalão contra Trensalão.
Ao contrário do que seria de esperar, a sociedade parece esgotada. Não se anima com esta bateria de denúncias recíprocas. Há uma razão para tanto: a repetição cansativa de escândalos embrutece a sensibilidade, como se uma pesada camada de chumbo passasse a cobrir os nossos corpos.
O governo federal enfrenta contrariedade em sua própria base. É reativo, perdeu o comando da ação. A presidente ainda não se convenceu da necessidade de mudar o time que faz articulação política.
Os governadores mais se assemelham a dândis na escuridão. Aguardam, com expectativa, as pesquisas para saber se deverão continuar a surfar na onda governista ou a preparar o barco para novas travessias. Estão à mercê das pressões de suas populações.
Já os parlamentares, tanto deputados quanto senadores, esperam que a presidente mude seu comportamento ante o Parlamento. Hora de cobrar as emendas para as bases. É bem verdade que o balcão das trocas foi aberto, mas talvez a moeda sonante ainda seja escassa para enfrentar uma semana decisiva: a que vai decidir sobre a derrubada dos vetos presidenciais. Há quatro vetos que podem ser derrubados, o que significaria, nesse momento, mais uma tsunami de dissabores para a presidente Dilma.
A disputa sucessória antecipada dá o tom. Pré-candidatos correm atrás de apoio dos partidos, inclusive o tucano José Serra, que começa a por obstáculos no caminho do correligionário Aécio Neves, já consagrado como o nome tucano a entrar no páreo de 2014.
Fala-se de tudo e com todos. Mas conceitos e programas ficam a desejar. As oposições não encontraram rumo. Dilma, apesar da ojeriza que parece conservar sobre a classe política, continua como franca favorita, apesar de se saber que os opositores, hoje, somariam mais de 50% das intenções de voto. Ela teria algo como 40%. Segundo turno na certa.
Claro, se a disputa contar com Dilma, Aécio, Serra, Marina e Eduardo Campos. O que será difícil, levando-se em consideração que Lula ainda tem poder de influência sobre o governador pernambucano e Serra poderá recuar e vir a se candidatar a senador pelo PSDB. E não a presidente da República pelo PPS.
Procura-se um bode expiatório para a crise. Tucanos estão sob a mira do PT. Tudo vai depender dos resultados das investigações sobre o affaire dos trens. Que se espraia por algumas capitais do país, não se restringindo a São Paulo. Mas o governo federal também é foco das pressões.
O fato é que é refém de três ameaças que podem influenciar o processo eleitoral: o baixo crescimento do país, a volta da inflação e o cofre apertado para socorrer Estados e municípios.
Constata-se, ainda, que a tecnocracia é responsável pela imprevisibilidade e improvisação do Governo, pela departamentalização da eficácia econômica e pelo desprezo ao cinturão político.
As obras da Copa continuam atrasadas. As obras do PAC, essas, então, estão fora do calendário. Já na frente política, a articulação é frágil. Na esfera gerencial, portanto, aquilo que era mais forte e visível na índole da presidente – a capacidade gerencial – se esgarça.
Infelizmente, a eficiência e a eficácia organizacional são precárias e acabam prejudicando o manejo político e econômico. O resultado aí está: a baixa capacidade de governo, o que comprova a tese muito difundida de que os dirigentes latino-americanos, apesar de qualidades pessoais, têm dificuldades de lidar com a complexidade das máquinas.
A pior gestão é aquela que consome o capital político do governante sem alcançar os resultados anunciados e perseguidos e isso ocorre por mau manejo técnico.
Os políticos, por sua vez, aproveitam-se das circunstâncias para tirar proveito. A crise passa a ser oportunidade para aumentar o capital. E continuam a não ouvir o eco das ruas. Parecem anestesiados. Não sentem o cheiro de povo, não ouvem o grito rouco das ruas. Hibernam em densa e fria camada de gelo. E por que tanta insensibilidade? Por acharem que o povo esquecerá rapidamente suas demandas.
O fato é que a democracia representativa no Brasil vive aguda crise. Os quadros são velhos. A renovação se dá de maneira muito limitada. Os partidos, todos, se amalgamaram. Não há mais diferenciais entre as siglas, com exceção dos partidos que militam nos extremos do arco ideológico. Diante dessa moldura quebrada, o que fazer?
O olho social está vendo o nada. E a sociedade se distancia cada vez mais da política. No Judiciário, o clima é de guerra. Nunca se viu em toda a história do Poder Judiciário cena tão deprimente com as ásperas palavras trocadas entre o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, e seu colega Ricardo Lewandowski. Chamar um ministro da mais alta Corte do País de chicaneiro é a mais visível demonstração de que a lama toma conta de todos os espaços institucionais. Vamos aguardar os próximos acontecimentos. Muita água há de rolar carregando novas correntes.
Como rugiu Zaratustra, o profeta de Nietzsche: ”não apenas a razão dos milênios - também a sua loucura rompe em nós. É perigoso ser herdeiro. Ainda lutamos, passo a passo, com o gigante chamado acaso”. Nunca fomos tão cercados pela imponderabilidade. 2014 é um oceano de interrogações.
18 de agosto de 2013
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.