Charge do Nani (nanihumor.com)
A cabeleireira Sandra Rita dos Santos, de 38 anos, viu sua renda cair pelo menos 40% nos últimos meses com o movimento mais fraco do salão de beleza onde trabalha em São Paulo. O resultado foi o atraso em contas como telefone e internet. Seu nome ainda não está negativado na praça, já que ela não deixa as contas vencerem por três meses consecutivos. Mas ainda não conseguiu colocar tudo em dia. “- Minha renda caiu em torno de R$ 800. Atrasei o pagamento de contas como telefone e internet por pelo menos dois meses, desde março passado. Ainda não consegui colocar tudo em dia. Mas não deixo passar três meses consecutivos para não ficar negativada” – conta a cabeleireira, que é solteira.
Sandra se enquadra no perfil do brasileiro inadimplente, segundo uma pesquisa inédita do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), que será divulgada nesta terça-feira.
DESEMPREGO – Mesmo com sinais de melhora da economia, incluindo a geração de vagas formais de trabalho (no primeiro semestre foram criados 67,3 mil postos, segundo o Ministério do trabalho), o desemprego e a queda na renda ainda são apontados como os principais fatores da inadimplência no país, segundo a pesquisa.
O levantamento mostrou que entre as pessoas com contas em atraso em até 90 dias, 26% ainda culpa a perda do emprego pelo calote e outros 14% apontaram a queda na renda como causa. A pesquisa foi feita em todos os estados do país e entrevistou 600 pessoas. Em anos anteriores da pesquisa, o desemprego foi apontado por 28% dos entrevistados (2016) e 33% (em 2015) como maior culpado pelo atraso nas contas.
Atualmente, segundo o SPC Brasil, existe uma legião de 59,4 milhões de brasileiros com o CPF negativado na praça – o que significa que o nome já foi parar nas listas de inadimplentes, após 90 dias de atraso.
MARGEM DE ERRO – Em janeiro deste ano, o total de negativados chegava a 58,3 milhões de pessoas. Há uma elevação de 1 milhão de negativados, mas o número continua dentro da margem de erro da pesquisa, segundo explicou o SPC.
“O desemprego e a perda de renda continuam sendo os principais fatores que levam à inadimplência. Mesmo com inflação abaixo de 3% e queda nos juros, o brasileiro ainda não sentiu no bolso os efeitos desse processo. O desemprego continua elevado e a renda segue deprimida, o que ainda afeta a vida financeira das pessoas” – diz Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil.
A dívida média em atraso do brasileiro é de R$ 2.980,00 um valor considerado alto pela economista do SPC. Mas o que mais assusta e mostra descontrole financeiro, diz ela, é o fato de que 43% das pessoas não sabem ao certo o quanto devem.
DESCONTROLE – A pesquisa mostrou ainda que outros motivos que levaram os brasileiros à situação de inadimplência foram a falta de controle financeiro (11%) e o empréstimo de nome a terceiros (5%). Na comparação com 2016 (9%) e 2015 (7%), houve uma queda no percentual de pessoas que apontam o empréstimo de nome a terceiros como causa da inadimplência.
“Provavelmente quem emprestava o nome para terceiros agora compartilha das mesmas dificuldades de quem pedia o nome emprestado” – afirma o educador financeiro do portal ‘Meu Bolso Feliz’, José Vignoli.
CLASSES SOCIAIS – O perfil do inadimplente mostra que a maioria é de mulheres (56% contra 44% dos homens), reflexo da população do país. Por faixa etária, a maior concentração de calotes está em pessoas com idade entre 25 e 49 anos, que juntos detém 65% da amostra.
Segundo a pesquisa, nove em cada dez (93%) dos inadimplentes entrevistados são das classes C, D e E, e 7% pertencem às classes A e B. O estudo revela que de cada dez consumidores com contas em atraso, cinco (48%) não acreditam que vão conseguir pagar nem ao menos uma parte de suas pendências nos próximos três meses.
“É importante lembrar que cerca de 70% dos brasileiros pertencem às classes C, D e E. Portanto, não é supresa o percentual de 93% apontado pela pesquisa. E houve um impacto grande negativo da crise no setor de serviços, onde muita gente das classes C, D e E trabalha informalmente. O resultado foi a diminuição da renda” – diz Maurício Prado, diretor executivo da Plano CDE, uma empresa que pesquisa esse segmento da população.
23 de agosto de 2017
João Sorima Neto
O Globo