"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 7 de setembro de 2013

BRASILIA PROTESTA CONTRA CORRUPÇÃO DO PT


A foto síntese.

PT E SUAS AFRONTAS AO ESTADO DE DIREITO E A CADA BRASILEIRO


Em solidariedade a Dirceu, amigos vão acompanhar julgamento na casa do petista
A festa para um bandido.
 
Nas democracias, um político, quando condenado por um crime, recebe dos seus pares no máximo uma mensagem: que ele pague pelos seus erros e, depois, retorne para o nosso meio como um homem livre, com todos os seus direitos.
 
Já o politico condenado tem, para os seus pares, apenas um apelo humilde e cheio de arrependimento : perdoem os meus erros, vou pagar por eles e quero, ao voltar, poder olhar cada um nos olhos, a começar pela minha família, pelos meus amigos, sem a vergonha que sinto hoje.
 
Não é o que ocorre no Brasil, neste Brasil dominado por esta verdadeira quadrilha que tomou o poder.  O que o PT está mostrando ao Brasil, no julgamento do Mensalão, é um atentado contra o Estado de Direito. É uma bofetada na cara da nossa Democracia. É um acinte a todo regramento que organiza a sociedade brasileira. 
 
Atacam o Supremo Tribunal Federal, que fez um julgamento aberto, transmitido ao vivo pela televisão, comprovando cada crime cometido pelos políticos petistas e seus aliados. Pressionam os ministros indicados pelo partido, não raro com algum sucesso, para que usem chicanas jurídicas e truques abomináveis em busca da absolvição de criminosos já condenados. Ignoram que uma das maiores demandas dos milhões que foram às ruas é a prisão imediata dos mensaleiros, pois simbolizam a corrupção desenfreada que assola o país desde o momento em que o PT subiu a rampa do Planalto.
 
Na última semana, então, o PT escancarou, resolveu assumir de vez a sua genética criminosa. "Intelectuais" do partido, como assim se autodenominam, organizaram uma festa de apoio para José Dirceu, o chefe da quadrilha do Mensalão, assim acusado nos autos do processo pelo Procurador Geral da República.  Com ele deram para assistir o que poderia ter sido a última sessão do julgamento, antes do seu recolhimento ao presídio, onde vai cumprir uma pena de mais de 10 anos. Havia até mesmo um bolo em forma de coração. Sim. De coração. Em vez de resignação e comiseração, havia um clima de revanche contra a Justiça. Perderam completamente o decoro, o recato, a compostura.
 
De outro lado, ministros e políticos do partido organizaram um "abraço-assinado" para o deputado José Genoíno, já condenado a mais de seis anos de prisão e que, agora, tenta comprovar que tem uma lesão incurável no coração, para obter o benefício de aposentadoria integral, enquanto paga a sua pena, extensiva ao resto dos seus dias. Um homem com vergonha na cara, que tantos crimes cometeu no exercício do seu mandato, deveria ter a hombridade e a honra de abrir mão de embolsar recursos públicos, vindo de impostos de gente honesta . Não. Vai ter uma vida de marajá recebendo quase R$ 30 mil mensais, exatamente o valor que ele pagava, como Mensalão, para cada deputado comprado pelo partido que ele presidia.
 
O texto do "abraço-assinado" diz coisas assim sobre o criminoso condenado ao vivo e a cores pelo STF:
 
"Estamos aqui para dizer em alto e bom som que José Genoino é um homem honesto, digno, no qual confiamos".
 
"Estamos aqui porque José Genoino traduz a história de toda uma geração que ousa sonhar com liberdade, justiça e pão".
 
"Genoino personifica um sonho. O sonho de que um dia teremos uma sociedade em que haja fraternidade e todos sejam, de fato, iguais perante a lei".
 
Hoje, em todo o Brasil, centenas de protestos vão pedir a prisão dos mensaleiros do PT. É um sentimento nacional ver estes bandidos na cadeia ou pelo menos banidos da política que tanto corromperam. No entanto, os petistas, os responsáveis, os criminosos, organizam festas e "abraços-assinados" para os seus bandidos. É a mesma coisa que dizer que não há Lei neste país. Que não há Justiça. Que não há democracia. É uma afronta a cada um de nós. Uma cusparada em nossa cara. Assim como o foi o pronunciamento criminoso, em termos eleitorais, e acintoso, pelas mentiras nele contidas, feito por Dilma Rousseff, ontem à noite, no Jornal Nacional. Mas este é outro assunto. Vamos ver, hoje, nas ruas, como os brasileiros vão responder a tantas ofensas. Ou se efetivamente merecem esta podridão petista que empesta o ar do Brasil.
 
07 de setembro de 2013
in coroneLeaks

ALEMANHA ENDOSSA "REAÇÃO FIRME" À CRISE SÍRIA

O país havia sido o único da União Europeia presente na reunião do G20 que ainda não havia assinado documento, ratificado por outros onze países
 

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama abraça a chanceler alemã, Angela Merkel fora da Chancelaria em Berlim. Obama vai revelar planos para uma redução acentuada ogivas nucleares em um discurso histórico no Portão de Brandemburgo
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama abraça a chanceler alemã, Angela Merkel (Thomas Peter/Reuters )

A Alemanha anunciou neste sábado seu apoio à declaração assinada no marco do G20 por 11 países em favor de uma "forte resposta internacional" após o uso de armas químicas na Síria, após ter avaliado as posturas dos demais membros da União Europeia.
 
O ministro das relações exteriores alemão, Guido Westerwelle, afirmou que o país não havia apoiado o documento antes porque queria discutir o assunto em escala europeia com os países não representados na cúpula do G20 em São Petersburgo. "Esta é uma tradição da Alemanha. Sempre acreditamos que a Alemanha deve ser o advogado dos países menores na União Europeia, que não têm oportunidade de participar do G20", explicou.
 
Neste sábado, o secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, agradeceu neste sábado a "mensagem forte" dos ministros das relações exteriores da União Europeia sobre a Síria, que exige resposta pelo uso de armas químicas no país árabe. "Estou muito agradecido pela declaração que saiu do encontro a respeito da Síria", disse Kerry em um breve pronunciamento a jornalistas depois de se reunir com os ministros da União Europeia em Vilnius, na Lituânia.
 
Documento - Na sexta-feira, ao fim da reunião de cúpula do G20, realizada em São Petersburgo, na Rússia, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que uma resposta contra o regime do ditador sírio Bashar Assad é necessária e não deve partir da organização -- deixando claro que ela terá de ser tomada unilateralmente. A Casa Branca, então, divulgou um comunicado que mostra que onze países presentes na reunião pediram uma "resposta internacional firme" à crise síria.
 
O texto, assinado por Austrália, Canadá, França, Itália, Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Espanha, Turquia, Reino Unido e EUA, assinala que as evidências do ataque químico de 21 de agosto, que aconteceu na periferia de Damasco e deixou mais de 1 400 mortos, segundo os EUA, apontam para responsabilidade do regime do ditador e defende os esforços realizados por Washington para "garantir a proibição do uso de armas químicas". A Alemanha tinha sido o único dos países da União Europeia presentes em São Petersburgo a se abster de respaldar a mensagem. O Brasil também não assinou.
 
EUA - Para o presidente americano, o uso de armas químicas pelo regime sírio abre caminho para uma ação internacional. “Pessoas foram mortas com gás. Isso não é uma coisa que inventamos. Algo que estamos usando como desculpa para uma intervenção. Eu fui eleito para acabar com guerras, não para começá-las. (...) Mas há momentos em que temos que fazer escolhas difíceis para defendermos aquilo que acreditamos. E esse é um desses momentos”, disse Barack Obama, que falou sobre o caso de Ruanda, em 1994, em que quase 1 milhão de pessoas foram massacradas em meio à total falta de ação das potências.
 
"É unânime que armas químicas foram usadas na Síria e é unânime que elas não devem ser usadas. A maioria do mundo está confortável com a nossa conclusão de que o governo de Assad foi responsável pelo uso (de armas químicas)”, disse Obama, que também anunciou que na próxima terça-feira vai falar diretamente ao povo americano sobre a crise síria e a possível intervenção no país.

07 de setembro de 2013
Veja
(Com agência EFE)

"O MONSTRO DE OLHOS AZUIS"

Entre as seis idosas de cadeira de rodas, estava a diva do teatro Tônia Carrero. Elegante como sempre, aos 91 anos
 
 

Tônia Carrero (Foto: Divulgação)

 





 
Quando vi a fila de seis idosas em cadeiras de rodas numa praça do Leblon, à luz do sol de inverno, com acompanhantes, passei direto – mas voltei para registrar a imagem terna com meu celular. Pareciam amigas. Unidas pelos anos e limites físicos, fofocavam coisas da vida, dos netos e bisnetos.

Não desconfiei que a da ponta, elegante, com óculos escuros de aro branco, colar, camisa branca, calça estampada e chapéu de aba frondosa sobre os cabelos louros curtos fosse uma de nossas maiores divas do teatro e cinema, talvez a mais bela: Tônia Carrero, que acaba de fazer 91 anos. 


 
Ao me aproximar do grupo com a curiosidade de quem tem pai e mãe de 91 anos, ouvi uma cuidadora me dizer: aquela é a atriz Tônia Carrero. Senti zero de pena, porque Tônia não merece nem precisa disso. Até hoje é cercada de amigos, tem um filho, Cecil Thiré, quatro netos e cinco bisnetos. Dessa prole, seis são atores. No ano passado, celebrou os 90 com uma festa vespertina. Escolheu o bolo e as taças de champanhe. Não quis maquiagem. Pediu ao filho: “Quero receber todos de cara limpa”.
 
>>Fotos da carreira de Tônia
 
O que senti ao ver Tônia na minha frente, com o rosto abaixado, foi emoção. Era um encontro mudo com o “monstro de olhos azuis” – título de seu livro de memórias, lançado em 1986 e reeditado no ano passado. Tônia não dá mais entrevista. Vive reclusa como Greta Garbo, a atriz sueca que foi muito mais radical. Garbo sumiu aos 36 anos, para viver anonimamente em Nova York por meio século. Não é o caso de Tônia. Não há covardia. Apenas cansaço e pudor. Ela jamais receou envelhecer sob os holofotes, algo difícil para as extremamente belas. Hoje, acha que já disse tudo. Aos 80, afirmou, em entrevista a ÉPOCA: “Estou velha sim. A melhor coisa de ficar velha é que hoje estou acima do bem e do mal. Digo o que bem entendo, não tenho medo”.


Disse tudo o que outras atrizes escondem. Revelou amores extraconjugais e plásticas. “Fiz três no corpo: uma na barriga, outra na coxa e uma terceira nos seios. Todas com Pitanguy. Depois, fiz mais duas no rosto. E manutenções periódicas, com aplicações de Botox. Aconselho qualquer mulher que tenha dinheiro a fazer plástica. Sou a favor.”


“Ela fala pelos cotovelos!.. Mas que cotovelos”, disse certa vez o escritor e cronista Rubem Braga no Degrau, bar do Leblon, sobre a mulher por quem nunca se desapaixonou. Braga foi um dos casos tórridos dessa atriz assumidamente desinibida. “Tudo na minha vida aconteceu em decorrência de paixões e por isso não me arrependo de nada. Sempre casei com quem eu quis, mas nunca deu certo.”


Filha de um militar e uma dona de casa, Maria Antonietta Portocarrero nasceu no Rio de Janeiro. “Mariinha”– como o pai a chamava – apaixonou-se aos 14 anos por um rapaz de 19, Carlos Arthur Thiré. Quando foi a sua casa, Carlos levou uma patinete de presente, tão menina achava ser a namorada. Tônia se casou aos 17 anos. “Estava muito atraída por ele e queria fugir da minha família.” Teve mais dois maridos: o italiano e homem de teatro Adolfo Celi e o empresário César Thedim. Com o ator Paulo Autran, foi paixão fulminante. “O melhor amante de todos”, dizia a amigas.


Tônia optou pela reclusão, por não conseguir mais falar ou andar direito. Sua última aparição pública foi em abril de 2011, para ver o filho no palco. Sofre de hidrocefalia, acúmulo de água no cérebro. Aos 76 anos, caiu da escada em casa, bateu a cabeça. Dois anos depois, pôs um dreno embaixo do couro cabeludo. “É como ter um ladrão na minha caixa-d’água”, disse com humor. Um novo dreno há quatro anos não surtiu efeito.


Atuou no último filme, de Laís Bodanski, aos 87 anos. O nome do filme, Chega de saudade, é sugestivo. A saudade pode alegrar, em vez de amargurar. E Tônia tem recordações de gata de sete vidas. Em mais de 60 anos de carreira, atuou em 54 peças, 19 filmes, 15 novelas e nove programas especiais de TV. “O que me entristece mais é perder amigos, vê-los partir”, disse. Ela mora com o sobrinho, Leonardo Thierry, além da governanta e duas cuidadoras, no Leblon, a dois quarteirões do filho.


Como continua lúcida, Tônia deve ter sabido que Jack Nicholson, segundo “fontes de Hollywood”, decidiu se aposentar da carreira de ator por perda de memória. Não consegue mais lembrar suas falas. Nicholson não atua desde 2010. Não quer tributo algum. Parece estar feliz por se juntar ao clube dos aposentados, como Sean Connery.


O tempo é assim, impiedoso e implacável. Com anônimos e famosos. Tira-nos o vigor, o viço físico e intelectual. É isso ou a morte. Tônia chegou a dizer: “Se um dia eu perder o entusiasmo pela minha profissão, prefiro desaparecer”.

Desapareceu do palco, mas continua presente. Na praça e em nossas lembranças de uma atriz excepcional.

As outras senhoras todas têm mais de 90 anos, algumas perto de 100 – e as conversas são sobre vida, netos e bisnetos (Foto: Ruth de Aquino)
 

FERNANDO GABEIRA: "O ESTADO SE TORNOU UMA EXTENSÃO DO PT"

Afastado da política, o jornalista e escritor diz que ainda se considera de esquerda, critica os governos petistas e não vê mais o socialismo como alternativa viável
 

 
CORRUPÇÃO O jornalista Fernando Gabeira. “A condenação dos acusados no mensalão foi uma advertência” (Foto: André Arruda/ÉPOCA)

 
 
Ex-guerrilheiro, ex-deputado federal, jornalista e escritor, Fernando Gabeira já se reinventou várias vezes. Aos 72 anos, decidiu deixar a política – embora continue filiado ao PV e ainda dê palestras ocasionais para militantes do partido – e voltar ao jornalismo. Em seus artigos, publicados quinzenalmente no jornal O Estado de S. Paulo, tem batido no PT, no governo e no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Gabeira lançará um programa de reportagens na GloboNews, com estreia prevista para domingo dia 8. Nesta entrevista a ÉPOCA, ele afirma que o socialismo deixou de ser uma opção viável de poder e critica o aparelhamento do Estado pelo PT. 


ÉPOCA – Ao longo de sua trajetória política, o senhor passou pela luta armada, pelo PT e pelo PV. Hoje tem sido um crítico do PT, do governo e da esquerda. O que aconteceu?
Fernando Gabeira –
O que mais me incomoda é a sensação de que você é detentor de uma verdade importantíssima e de que todos os seus atos devem ser relevados por isso. O que me distingue dessa esquerda é que, para mim, os fins não justificam os meios. É preciso trabalhar dentro dos critérios democráticos. Também me incomoda que, uma vez no poder, eles se sentem os donos do Estado. O Estado brasileiro passou a ser uma extensão do PT. A política externa brasileira é do partido, e não nacional. Isso também me incomoda muito. O Brasil se apresenta ao mundo com as limitações mentais, ideológicas, do PT. Tenho vergonha de um presidente da República, como o Lula, que diz que a oposição no Irã parece uma torcida de futebol. Tenho vergonha de um presidente que diz que os presos políticos em
Cuba são semelhantes aos presos comuns no Brasil. Ao se atrelar a alguns países da América do Sul, abandonando a possibilidade de relações com o resto do mundo, eles prestam um desserviço. Não que a integração regional não seja importante, mas o Brasil precisa se abrir também para outros centros, com uma capacidade tecnológica maior. Você não pode associar seu destino a esse grupo de países, como eles fizeram, por causas ideológicas.
 

ÉPOCA – Como o senhor analisa os 12 anos do PT no poder, com Lula e Dilma, do ponto de vista político?
Gabeira –
Politicamente, o grande problema do PT foi ter prometido uma renovação ética no Brasil – e, ao chegar ao governo, aliar-se aos políticos que eles criticavam, recorrer aos mesmos métodos usados antes e incorporar outros igualmente condenáveis. Nesse aspecto, o PT significou algo muito negativo para o Brasil, porque, no fundo, dizia que quem propõe mudar ou traz a esperança está apenas enganando a população, e que os artífices da esperança são os mesmos que construirão uma nova armadilha. Isso acaba se transformando em aumento do voto nulo e do voto em branco. Leva a um rebaixamento da legitimidade do poder constituído.



ÉPOCA – Em sua opinião, a condenação dos réus no processo do mensalão poderá levar a uma mudança na forma de fazer política no Brasil?
Gabeira –
Considero a condenação dos acusados no mensalão uma grande advertência. Primeiro, porque ataca a corrupção política. Segundo, porque mostra ao homem comum que o acesso à Justiça não é impossível. Eles gastaram mais de R$ 60 milhões com honorários de advogados e perderam. Isso traz uma expectativa de que haja mais cuidado na prática política e de que a Justiça seja feita com mais frequência. Agora, pelo que conheço do Congresso, jamais haverá mudança que não seja imposta. Eles só mudarão forçados pelo instinto de sobrevivência. Existe no Brasil uma tendência de o eleitor esquecer em quem votou. Esquecendo em quem votou, você não tem a quem cobrar. A população precisa ter o nível de vigilância e de cobrança permanente que os americanos têm em relação a seus congressistas.

 
"O brasileiro precisa cobrar
seu congressista como
os americanos cobram"
 
ÉPOCA – Até que ponto as manifestações de junho devem contribuir para essa mudança?
Gabeira –
Essas manifestações foram muito positivas. Elas desfizeram a sensação de que tudo ia bem, de que vivíamos numa prosperidade e estávamos supersatisfeitos. Mostraram que a população está insatisfeita com os serviços que recebe pelos impostos que paga, com a corrupção e com o governo. Essa demonstração alterou muito o quadro, inclusive a psicologia e o comportamento dos próprios políticos. Pelo menos, aquela arrogância, aquela distância em relação à população, desapareceu. Isso tudo constituiu algo novo e bom no Brasil. Como todas as manifestações de massa, há um momento em que elas refluem. As pessoas não podem ficar permanentemente na rua, a não ser que haja um objetivo claro, que você esteja prestes a derrubar um governo. Não era esse o caso, uma vez que, no Brasil, vivemos numa democracia, e os governos se sucedem por eleições.



ÉPOCA – Como o senhor analisa a violência que tomou conta das manifestações?
Gabeira –
Desde o princípio, houve atos de violência, contrapostos pela imensa maioria que participava da manifestação de forma pacífica. Uma vez que os grupos que se manifestavam pacificamente refluíram, sobrou o território para a violência. Hoje, você continua vendo as manifestações como se fossem uma continuidade daquelas que aconteceram em junho, mas não há vínculo real entre esse pessoal que está nas ruas e as multidões que, dois meses atrás, saíram às ruas das principais cidades do país.

 
ÉPOCA – Durante as manifestações de junho, surgiu o fenômeno da Mídia Ninja. Eles afirmam que a imprensa profissional é parcial. Como o senhor vê essa questão?
Gabeira –
Se examinar friamente as manifestações, todos os temas levantados ali nasceram do trabalho da grande imprensa. Queiram ou não, as redes sociais metabolizam o material que vem da grande imprensa. Dentro de suas limitações, a grande imprensa tem de estar atenta a tudo. Se houver alguma coisa nas redes sociais para ela metabolizar, ela metaboliza também. Não tem espaço proibido. Então, não é justo dizer que a grande imprensa manipulou as informações sobre o que aconteceu nesse período. A grande imprensa denunciou insistentemente os fatos que indignaram as pessoas.

 

ÉPOCA – Parte do PT e outros grupos de esquerda têm uma visão semelhante da imprensa profissional e defendem o “controle social da mídia”. O que o senhor pensa disso?
Gabeira –
Na Inglaterra, a partir da experiência dos tabloides, que romperam certos limites e invadiram a privacidade de autoridades e de cidadãos comuns para obter informações, caminhou-se no sentido de equacionar a questão. Só que lá quem comandou o processo foi um governo conservador, nitidamente desinteressado em controlar a imprensa. No Brasil, todas as manifestações em defesa do controle social da mídia surgem do PT, num contexto latino-americano em que os controles são, na verdade, tentativas de censura – com o uso de instrumentos clássicos da esquerda, chamados de “sociais”, mas que são aparelhados pela própria esquerda. Quando o PT diz “é preciso o controle social da mídia”, está dizendo “é preciso o controle social da mídia, sobretudo o controle social por parte de entidades que nós controlamos”.



ÉPOCA – Hoje, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim, o socialismo ainda faz algum sentido? O capitalismo venceu?
Gabeira –
Não há dúvida de que o capitalismo predominou e o socialismo deixou de ser uma alternativa desejável. Isso não significa que algumas ideias de esquerda e de direita não continuem presentes no universo político. Certas ideias de que as pessoas são culpadas pela própria pobreza continuam existindo. Certas ideias de que as pessoas precisam ser protegidas na velhice, ter uma aposentadoria digna, também continuam aí. Hoje, não se fala mais tanto em capitalismo versus socialismo. Fala-se mais numa forma de modernizar e democratizar o capitalismo.

 
ÉPOCA – Vários de seus artigos recentes geraram críticas duras da esquerda. Até de “reacionário” já o chamaram. O senhor ainda se considera alguém de esquerda?
Gabeira –
Considero-me uma pessoa de esquerda. Não me importo muito com as críticas, vejo como algo normal na política. Pessoas que admiro muito, como o poe­ta Octavio Paz, também foram chamadas de reacionárias em vários contextos. Às vezes, também chamo o pessoal do PT de reacionário, porque, no meu entender, tudo o que detém o avanço é um gesto reacionário. Tudo depende do ponto de vista.

 
ÉPOCA – O senhor ainda acredita na transformação do homem, no surgimento de um “novo homem”?
Gabeira –
Não acredito mais nisso. Não acredito em “novo homem”. Aliás, essa coisa de criar o “novo homem” serviu para muita repressão. Os homens que não cabiam nesse modelo costumavam ser fuzilados. Entre os obstáculos para o Brasil atual está uma série de ideias e de comportamentos que seguram o país. Existe uma vontade normal de, pelo menos, sintonizar o país com o que ele tem de mais moderno. Hoje, a província da política não está sintonizada com o que o Brasil tem de mais moderno. Acredito hoje em ajustar esse polos.


07 de setembro de 2013
JOSÉ FUCS - Época

FERNANDO GAVEIRA: "O ESTADO SE TORNOU UMA EXTENSÃO DO PT"

Afastado da política, o jornalista e escritor diz que ainda se considera de esquerda, critica os governos petistas e não vê mais o socialismo como alternativa viável
 
 
CORRUPÇÃO O jornalista Fernando Gabeira. “A condenação dos acusados no mensalão foi uma advertência” (Foto: André Arruda/ÉPOCA)
 
 
Ex-guerrilheiro, ex-deputado federal, jornalista e escritor, Fernando Gabeira já se reinventou várias vezes. Aos 72 anos, decidiu deixar a política – embora continue filiado ao PV e ainda dê palestras ocasionais para militantes do partido – e voltar ao jornalismo. Em seus artigos, publicados quinzenalmente no jornal O Estado de S. Paulo, tem batido no PT, no governo e no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Gabeira lançará um programa de reportagens na GloboNews, com estreia prevista para domingo dia 8. Nesta entrevista a ÉPOCA, ele afirma que o socialismo deixou de ser uma opção viável de poder e critica o aparelhamento do Estado pelo PT. 


ÉPOCA – Ao longo de sua trajetória política, o senhor passou pela luta armada, pelo PT e pelo PV. Hoje tem sido um crítico do PT, do governo e da esquerda. O que aconteceu?
Fernando Gabeira –
O que mais me incomoda é a sensação de que você é detentor de uma verdade importantíssima e de que todos os seus atos devem ser relevados por isso. O que me distingue dessa esquerda é que, para mim, os fins não justificam os meios. É preciso trabalhar dentro dos critérios democráticos. Também me incomoda que, uma vez no poder, eles se sentem os donos do Estado. O Estado brasileiro passou a ser uma extensão do PT. A política externa brasileira é do partido, e não nacional. Isso também me incomoda muito. O Brasil se apresenta ao mundo com as limitações mentais, ideológicas, do PT. Tenho vergonha de um presidente da República, como o Lula, que diz que a oposição no Irã parece uma torcida de futebol. Tenho vergonha de um presidente que diz que os presos políticos em
Cuba são semelhantes aos presos comuns no Brasil. Ao se atrelar a alguns países da América do Sul, abandonando a possibilidade de relações com o resto do mundo, eles prestam um desserviço. Não que a integração regional não seja importante, mas o Brasil precisa se abrir também para outros centros, com uma capacidade tecnológica maior. Você não pode associar seu destino a esse grupo de países, como eles fizeram, por causas ideológicas.
 

ÉPOCA – Como o senhor analisa os 12 anos do PT no poder, com Lula e Dilma, do ponto de vista político?
Gabeira –
Politicamente, o grande problema do PT foi ter prometido uma renovação ética no Brasil – e, ao chegar ao governo, aliar-se aos políticos que eles criticavam, recorrer aos mesmos métodos usados antes e incorporar outros igualmente condenáveis. Nesse aspecto, o PT significou algo muito negativo para o Brasil, porque, no fundo, dizia que quem propõe mudar ou traz a esperança está apenas enganando a população, e que os artífices da esperança são os mesmos que construirão uma nova armadilha. Isso acaba se transformando em aumento do voto nulo e do voto em branco. Leva a um rebaixamento da legitimidade do poder constituído.



ÉPOCA – Em sua opinião, a condenação dos réus no processo do mensalão poderá levar a uma mudança na forma de fazer política no Brasil?
Gabeira –
Considero a condenação dos acusados no mensalão uma grande advertência. Primeiro, porque ataca a corrupção política. Segundo, porque mostra ao homem comum que o acesso à Justiça não é impossível. Eles gastaram mais de R$ 60 milhões com honorários de advogados e perderam. Isso traz uma expectativa de que haja mais cuidado na prática política e de que a Justiça seja feita com mais frequência. Agora, pelo que conheço do Congresso, jamais haverá mudança que não seja imposta. Eles só mudarão forçados pelo instinto de sobrevivência. Existe no Brasil uma tendência de o eleitor esquecer em quem votou. Esquecendo em quem votou, você não tem a quem cobrar. A população precisa ter o nível de vigilância e de cobrança permanente que os americanos têm em relação a seus congressistas.

 
"O brasileiro precisa cobrar
seu congressista como
os americanos cobram"
 
ÉPOCA – Até que ponto as manifestações de junho devem contribuir para essa mudança?
Gabeira –
Essas manifestações foram muito positivas. Elas desfizeram a sensação de que tudo ia bem, de que vivíamos numa prosperidade e estávamos supersatisfeitos. Mostraram que a população está insatisfeita com os serviços que recebe pelos impostos que paga, com a corrupção e com o governo. Essa demonstração alterou muito o quadro, inclusive a psicologia e o comportamento dos próprios políticos. Pelo menos, aquela arrogância, aquela distância em relação à população, desapareceu. Isso tudo constituiu algo novo e bom no Brasil. Como todas as manifestações de massa, há um momento em que elas refluem. As pessoas não podem ficar permanentemente na rua, a não ser que haja um objetivo claro, que você esteja prestes a derrubar um governo. Não era esse o caso, uma vez que, no Brasil, vivemos numa democracia, e os governos se sucedem por eleições.



ÉPOCA – Como o senhor analisa a violência que tomou conta das manifestações?
Gabeira –
Desde o princípio, houve atos de violência, contrapostos pela imensa maioria que participava da manifestação de forma pacífica. Uma vez que os grupos que se manifestavam pacificamente refluíram, sobrou o território para a violência. Hoje, você continua vendo as manifestações como se fossem uma continuidade daquelas que aconteceram em junho, mas não há vínculo real entre esse pessoal que está nas ruas e as multidões que, dois meses atrás, saíram às ruas das principais cidades do país.

 
ÉPOCA – Durante as manifestações de junho, surgiu o fenômeno da Mídia Ninja. Eles afirmam que a imprensa profissional é parcial. Como o senhor vê essa questão?
Gabeira –
Se examinar friamente as manifestações, todos os temas levantados ali nasceram do trabalho da grande imprensa. Queiram ou não, as redes sociais metabolizam o material que vem da grande imprensa. Dentro de suas limitações, a grande imprensa tem de estar atenta a tudo. Se houver alguma coisa nas redes sociais para ela metabolizar, ela metaboliza também. Não tem espaço proibido. Então, não é justo dizer que a grande imprensa manipulou as informações sobre o que aconteceu nesse período. A grande imprensa denunciou insistentemente os fatos que indignaram as pessoas.

 

ÉPOCA – Parte do PT e outros grupos de esquerda têm uma visão semelhante da imprensa profissional e defendem o “controle social da mídia”. O que o senhor pensa disso?
Gabeira –
Na Inglaterra, a partir da experiência dos tabloides, que romperam certos limites e invadiram a privacidade de autoridades e de cidadãos comuns para obter informações, caminhou-se no sentido de equacionar a questão. Só que lá quem comandou o processo foi um governo conservador, nitidamente desinteressado em controlar a imprensa. No Brasil, todas as manifestações em defesa do controle social da mídia surgem do PT, num contexto latino-americano em que os controles são, na verdade, tentativas de censura – com o uso de instrumentos clássicos da esquerda, chamados de “sociais”, mas que são aparelhados pela própria esquerda. Quando o PT diz “é preciso o controle social da mídia”, está dizendo “é preciso o controle social da mídia, sobretudo o controle social por parte de entidades que nós controlamos”.



ÉPOCA – Hoje, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim, o socialismo ainda faz algum sentido? O capitalismo venceu?
Gabeira –
Não há dúvida de que o capitalismo predominou e o socialismo deixou de ser uma alternativa desejável. Isso não significa que algumas ideias de esquerda e de direita não continuem presentes no universo político. Certas ideias de que as pessoas são culpadas pela própria pobreza continuam existindo. Certas ideias de que as pessoas precisam ser protegidas na velhice, ter uma aposentadoria digna, também continuam aí. Hoje, não se fala mais tanto em capitalismo versus socialismo. Fala-se mais numa forma de modernizar e democratizar o capitalismo.

 
ÉPOCA – Vários de seus artigos recentes geraram críticas duras da esquerda. Até de “reacionário” já o chamaram. O senhor ainda se considera alguém de esquerda?
Gabeira –
Considero-me uma pessoa de esquerda. Não me importo muito com as críticas, vejo como algo normal na política. Pessoas que admiro muito, como o poe­ta Octavio Paz, também foram chamadas de reacionárias em vários contextos. Às vezes, também chamo o pessoal do PT de reacionário, porque, no meu entender, tudo o que detém o avanço é um gesto reacionário. Tudo depende do ponto de vista.

 
ÉPOCA – O senhor ainda acredita na transformação do homem, no surgimento de um “novo homem”?
Gabeira –
Não acredito mais nisso. Não acredito em “novo homem”. Aliás, essa coisa de criar o “novo homem” serviu para muita repressão. Os homens que não cabiam nesse modelo costumavam ser fuzilados. Entre os obstáculos para o Brasil atual está uma série de ideias e de comportamentos que seguram o país. Existe uma vontade normal de, pelo menos, sintonizar o país com o que ele tem de mais moderno. Hoje, a província da política não está sintonizada com o que o Brasil tem de mais moderno. Acredito hoje em ajustar esse polos.


07 de setembro de 2013
JOSÉ FUCS - Época

DILMA "TRAMBIQUE" AMEAÇOU EXPULSAR SENADOR BOLIVIANO CASO ELE FALASSE NO CONGRESSO

Governo ameaçou expulsar senador boliviano caso ele falasse em comissão do Congresso
 

O embaixador Eduardo dos Santos e a ameaça: Se for
ao Congresso, Roger Molina será expulso

Na última terça-feira, 3 de setembro, o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Eduardo dos Santos, tornou-se personagem de uma cena inusitada. Na narrativa de  um diplomata, o segundo na hierarquia da pasta das Relações Exteriores tocou o telefone para Fernando Tibúrcio Peña, advogado do senador boliviano Roger Pinto Molina. Seguiu-se um barraco telefônico.
 
O embaixador disse ao advogado que o cliente dele deveria se abster de prestar depoimento à Comissão de Segurança Pública da Câmara. Fernando Tibúrcio estranhou o rumo da prosa. E Eduardo dos Santos, arregaçando os punhos de renda, foi ao ponto: se Molina comparecesse ao Congresso, seria expulso do Brasil no dia seguinte.
 
O advogado pediu ao interlocutor que informasse ao emissário do recado, fosse quem fosse, que não aceita ameaças. Recomendou, de resto, uma reflexão sobre os limites do Estado. Ao saber da arenga telefônica, o senador Roger Molina achou melhor não dar as caras na Comissão de Segurança Pública. No seu lugar, apareceu o advogado, que leu para os jornalistas uma nota de timbre enigmático:
 
“Fatores de ordem conjuntural que serão oportunamente esclarecidos levaram o meu cliente, o senador da República da Bolívia Roger Pinto Molina, a solicitar o adiamento ao deputado Otávio Leite, presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, da audiência pública marcada para a tarde de hoje.”
 
O doutor assumiu um compromisso por escrito: “Nos próximos dias concederei entrevista coletiva, a ser realizada na sede do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal ou na de seu congênere em Goiás.” Procurado pelo blog, Fernando Tibúrcio confirmou ter recebido uma ligação telefônica do secretario-geral do Itamaraty:
 
“Considerei ultrajante o telefonema”, disse o advogado na noite passada. “Como afirmei na minha nota, pretendia tratar disso numa entrevista na OAB, na próxima semana. Mas já que vazou, não tenho razões para negar o ocorrido.” Segundo Fernando Tibúrcio, o senador Molina, à espera da decisão sobre seu pedido de refúgio no Brasil, preferiu não comparecer à Câmara. “Não me coube senão respeitar a decisão do meu cliente”, disse o advogado.
 
Presidente da Comissão de Segurança Pública, o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) adiou a inquirição de Molina em vez de cancelá-la. Na semana anterior, o senador boliviano já havia desmarcado um compromisso análogo: daria uma entrevista coletiva na sala de sessões da Comissão de Relações Exteriores, presidida pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Na última hora, desistiu.
 
Um dia depois do cancelamento, o advogado Fernando Tibúrcio foi convidado a comparecer no Itamaraty. Reuniu-se com o mesmo secretário-geral Eduardo dos Santos. Noutra narrativa repassada ao repórter por diplomata, esse encontro teve muitas testemunhas. Afora os dois protagonistas, havia na sala outras cinco pessoas, entre diplomatas e servidores da Advocacia da União.
 
Como parafuso espanado, a conversa rodopiou em torno do mesmo tema que seria retomado no telefonema da semana seguinte: o governo da presidente Dilma Rousseff deseja passar um zíper nos lábios do senador Roger Molina, líder da oposição na Bolívia e desafeto do companheiro Evo Morales. Ouvido, Fernando Tibúrcio confirmou também a realização dessa reunião.
 
Pelo ritmo da carruagem, algo de muito estranho sucede em Brasília. Por 452 dias, o senador Molina ostentou na embaixada brasileira em La Paz a condição de asilado diplomático. Desembarcado no Brasil pelo diplomata Eduardo Saboia, ex-encarregado de Negócios na capital boliviana, o rival de Evo ouviu o advogado-geral da União Luís Adams declarar que seus papeis não valiam mais nada.
 
Convidado a comparecer a duas comissões do Congresso Brasileiro, o ex-hóspede de La Paz descobriu que o Executivo brasileiro deseja tão ardentemente o seu silêncio que é capaz de recorrer à ameaça para obtê-lo. Entre surpresas e espantos, Dilma Rousseff reuniu-se dias atrás, no Suriname, com Evo Morales.
 
Nesta sexta, desembarcaram em Brasília três ministros bolivianos. Desovaram sobre a mesa do colega brasileiro José Eduardo Cardozo (Justiça) um farto papelório anti-Molina. Fizeram isso no instante em que o Conare, conselho que pende do organograma da pasta da Justiça, analisa o pedido de refúgio do inimigo de Evo Morales.
 
Simultaneamente, uma investigação interna do Itamaraty tritura Eduardo Saboia, o diplomata que trouxe Molina para o Brasil. Não é à toa, como se vê, que as vozes da corporação começam a transbordar contrariedade.

07 de setembro de 2013
Josias de Souza - UOL

ADVOGADOS SÃO CÉTICOS SOBRE NOVA CHANCE DE DEFESA DADA PELO STF



 

Para defensores dos condenados no mensalão, a possibilidade de Corte aceitar argumentos pró-embargos é baixa

Entre céticos e até surpresos, criminalistas que defendem condenados no processo do mensalão preparam memoriais que são o recurso derradeiro para convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal a aceitarem os embargos infringentes - se acolhido, esse recurso pode levar 11 réus a um novo julgamento na Corte.
Muitos advogados nem acreditavam mais que essa brecha pudesse surgir, no crepúsculo da ação penal 470. A esperança renasceu na sessão de quinta-feira, por iniciativa do ministro Luís Roberto Barroso, o novato da Corte, que sugeriu interrupção dos trabalhos para que as defesas possam apresentar argumentos em favor dos embargos.
Alguns veem na medida uma estratégia do STF em neutralizar eventuais alegações de causídicos sobre cerceamento de defesa. Mesmo assim, pretendem aproveitar a oportunidade: vão citar pareceres de juristas e manifestações até de um ex-presidente do Supremo sobre a admissão dos infringentes, o que provocaria a indicação de novo relator específico para esses recursos.
"Admitir os embargos infringentes é muito importante porque reabre-se uma nova chance", diz o advogado José Carlos Dias, que defende a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello, condenada a 16 anos e 8 meses de prisão por formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta de instituição financeira.
Mas o veterano criminalista não alimenta muita esperança e se revela angustiado nesse cenário. "É sempre uma coisa boa (o STF abrir espaço para novos memoriais, no caso pelos embargos), mas estou cético. A defesa tem sempre que tentar. Devemos apresentar novo memorial, mas tudo o que tínhamos que expor aos ministros já o fizemos em outras fases do julgamento", afirma Dias.
"Pareceres já foram juntados, mas estou extremamente preocupado diante de um grande erro judiciário que está sendo praticado. Minha cliente teve uma vida dedicada com correção ao sistema financeiro, é um injustiçada."
Opinião própria. "Vamos apresentar memoriais, até porque o ministro Celso de Mello, no julgamento da própria ação penal 470, sustentou o cabimento dos embargos perante o STF", anota Marcelo Leonardo, defensor do empresário Marcos Valério (pena de 40 anos e 4 meses de prisão). "Além disso, estamos apoiados em manifestação publicada em artigo pelo ministro (aposentado) Carlos Velloso, que reconhece os infringentes no âmbito da Suprema Corte em ação penal originária."
A defesa de Valério quer amparar sua última investida recorrendo até ao parecer de um jurista apresentado pelo mais notório dos réus, José Dirceu, ex-ministro chefe da Casa Civil, apontado como chefe da quadrilha que pagava parlamentares em troca de apoio ao governo Lula.
O parecer é da lavra do professor titular da Faculdade de Direito da USP Antônio Magalhães Gomes Filho, anexado a um memorial que o criminalista José Luís Oliveira Lima entregou ao STF. "O professor sustenta a admissão dos embargos desde que existam quatro votos favoráveis e destaca expressamente a vigência do artigo do Regimento Interno do STF que prevê esse recurso.
Para o criminalista Leonardo Isaac Yarochewsky, que defende Simone Reis Vasconcellos (ex-diretora da agência SMPB, 12 anos e 7 meses de prisão e multa de R$ 374,4 mil), o Supremo não pode ficar refém de formalismos. "O ministro Joaquim Barbosa disse inúmeras vezes que ser julgado pelo Supremo é um privilégio. Eu digo mais: não se pode subtrair do Supremo o direito de analisar embargos e rever situações diante de um erro em matéria criminal que trata do bem mais sagrado, que é a liberdade.
O advogado ainda levanta um argumento "muito simples" para o Supremo considerar: "o argumento de Justiça". "Se a lei não recepcionou o Regimento Interno do STF, mas se estamos na iminência de uma injustiça, o próprio Supremo deve corrigir", sustenta Yarochewsky. "O ministro Barroso disse que a pena para Simone foi muito dura. Ora, os ministros terão oportunidade agora de rever.
O Supremo retoma a discussão sobre os embargos infringentes na quarta-feira. 
07 de setembro de 2013
Fausto Macedo - O Estado de S.Paulo

FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL DÁ R$ 36 MILHÕES A ONGS LIGADAS À GANGUE DO PT

Fundação Banco do Brasil dá R$ 36 mi a ONGs ligadas ao PT.  Lista de organizações não governamentais e prefeituras que receberam verba está sob investigação
 
 
 
Controlada pelo PT, a Fundação Banco do Brasil firmou convênios de R$ 36 milhões com entidades ligadas ao partido e familiares de seus dirigentes. A lista de organizações não governamentais, associações e prefeituras beneficiadas está sob investigação da Polícia Civil do Distrito Federal. O banco faz auditoria nos contratos e parcerias.
 
 
Como o Estado mostrou na quinta-feira, a Delegacia de Combate ao Crime Organizado (Deco) do Distrito Federal apreendeu documentos e computadores na sede da fundação, em Brasília. Dois DVDs e um CD foram retirados do gabinete do atual presidente da fundação, Jorge Alfredo Streit, ligado ao PT. Ele foi candidato ao governo de Roraima pelo partido.
 
A posse na fundação, em junho de 2010, foi prestigiada por quadros importantes da sigla, entre eles cinco parlamentares e o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci.
 
Streit sucedeu a Jacques Pena, filiado ao PT do DF, cuja administração foi marcada por repasses a entidades ligadas aos seus parentes, agora sob investigação. Com sede numa sala sem placa de identificação em Brasília, que fica trancada em horário comercial, só a Associação de Desenvolvimento Sustentável do Brasil (Adesbra) firmou parcerias de R$ 5,2 milhões desde 2003. O diretor executivo da entidade, Joy de Oliveira Penna, é irmão de Jacques e tem ligações com outras entidades contempladas com recursos.
 
Filiado ao PT de Goiás, Joy também participa da Rede Terra, como registra documento da fundação, obtido pelo Estado. Desde 2007, a entidade assinou convênios de R$ 7,5 milhões com a fundação. Com sede em Cristalina (GO), é dirigida por Luiz Carlos Simion, cujo irmão, Vilmar Simion, é coordenador executivo da Programando o Futuro, outra ONG contemplada com mais R$ 4,9 milhões para projetos de inclusão digital em Valparaíso de Goiás.
 
Os irmãos Pena são conhecidos por levar para a fundação a República de Caratinga, sua cidade de origem. Com a Associação dos Produtores Rurais e Agricultores Familiares de Santo Antônio do Manhuaçu, sediada no município, a fundação firmou convênio de R$ 1,05 milhão. A associação é comandada por dois primos de Jacques e Joy. "Tem razão de estar desconfiando, porque é parente, né?", admite o ex-presidente, atual tesoureiro da associação e primo da dupla, Sérgio Pena de Faria.
 
Segundo ele, o projeto desenvolvido na cidade, para aperfeiçoar técnicas de produção agrícola, foi apresentado por outra entidade, mas a fundação não a aceitou, pois a proponente tinha só dois anos de existência. Os dirigentes, então, pediram que a associação a substituísse.
 
"Cedi os documentos, mandaram para lá, onde que foi aprovado", conta Pena, negando favorecimento. "Essa associação não é igual a gente ouve falar aí que é só para desviar dinheiro. Pode dormir 'sono solto' que os documentos estão direitinho. Esse projeto foi o mais vigiado do Brasil", assegura, acrescentando que os fiscais da fundação fiscalizaram a execução e que houve prestação de contas.
 
Para Caratinga, a fundação mandou mais R$ 1,3 milhão para construir o Centro de Excelência do Café na gestão do ex-prefeito João Bosco Pessine (PT). A atual administração, do PTB, diz que teve de fazer obras adicionais para completar o projeto. Pessine não foi localizado.
 
Denúncia. A investigação da Polícia Civil começou a partir de denúncia de uma servidora da fundação, que está sob proteção policial e da área de segurança do Banco do Brasil. O órgão explica que as apurações são da sua alçada, e não da Polícia Federal, pois a fundação recebe recursos do banco, uma empresa de economia mista.
 
A funcionária teria recebido ameaças após delatar suposto esquema de desvio de recursos. Ela contou à polícia que a prestação de contas de algumas entidades não era analisada adequadamente. Não está descartado o afastamento do atual presidente da fundação, Jorge Alfredo Streit. A expectativa no Banco do Brasil é de que as primeiras conclusões da auditoria saiam neste fim de semana.
 
As denúncias sob investigação integram processo sob sigilo que tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. A fundação explica que não teve acesso aos autos. Recentemente, atendendo à solicitação, enviou informações ao Ministério Público do DF.

07 de setembro de 2013
ANDREZA MATAIS , FÁBIO FABRINI - O Estado de S.Paulo

MENSALÃO: MP QUER RÉUS PRESOS ANTES DO ACÓRDÃO



Estratégia da procuradora-geral será pedir que STF se apresse para declarar o encerramento do processo

 
A Procuradoria Geral da República já traçou uma estratégia para a próxima semana, quando será retomado o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Se os pedidos de revisão do julgamento, os chamados embargos infringentes, forem rejeitados, a procuradora-geral, Helenita Acioli, deverá pedir que o Supremo reconheça imediatamente o trânsito em julgado e declare encerrado o processo, antes mesmo da publicação do acórdão, o resumo das condenações.
 
Neste caso, o plenário deverá deliberar, em seguida, sobre a expedição dos mandados de prisão dos condenados, como aconteceu recentemente no caso do deputado Natan Donadon (sem partido-RO).
 
Manobra protelatória
Depois de condenado, Donadon entrou com pedidos de embargo para esclarecer eventuais contradições do acórdão e tentar reduzir a pena. O STF rejeitou o pedido. Quando o deputado entrou com novo recurso, o tribunal entendeu que se tratava de manobra protelatória e ordenou sua prisão imediata, antes mesmo da publicação do acórdão.
 
Donadon se entregou à polícia dois dias depois, e cumpre pena numa cela individual da Papuda, presídio de Brasília. Para o Ministério Público Federal, o processo do mensalão já demorou demais e precisa ser encerrado logo.
 
Na quinta-feira, quando o julgamento do mensalão parecia se encaminhar para o fim, a equipe da procuradora-geral chegou a pensar em encaminhar um pedido para que Polícia Federal passasse a adotar medidas para evitar fugas dos réus condenados. Mas a proposta não vingou.
 
O entendimento é que uma iniciativa dessa natureza poderia envenenar o clima na próxima sessão, quando o STF deverá decidir se acolhe ou não os embargos infringentes dos 11 réus que, ao serem condenados por formação de quadrilha, obtiveram quatro dos 11 votos do plenário.
 
A expedição da ordem de prisão antes da publicação de um acórdão não seria novidade no STF. O tribunal já teve vários casos em que, depois de encerrada a fase de recursos, mandou a polícia prender os condenados. Na Procuradoria Geral, o entendimento é de que o STF tratará os réus de acordo com o tipo de regime das prisões.
 
Os condenados a regime fechado deverão ser presos. Segundo uma importante autoridade, os condenados em regime fechado deverão ter o mesmo tratamento dispensado a réus comuns sentenciados em processos criminais, sendo, inclusive, algemados. As restrições ao uso de algemas e de transporte em camburões só seriam válidas para prisões preventivas ou temporárias.
 
— Temos que acabar com a cultura de que só pobre cumpre pena. O mundo não vai acabar se um rico condenado cumprir pena — disse uma dessas autoridades.
 
Barbosa quer evitar críticas
Interlocutores do presidente do STF, Joaquim Barbosa, sustentam, no entanto, que o ministro só deve expedir as ordens de prisão após a publicação do acórdão. Barbosa entende que é necessário esgotar todas as chances de recursos dos réus.
 
Relator do processo, Barbosa quer evitar eventuais críticas de que estaria apressando o fim do julgamento. Nesse caso, o ministro estaria disposto até mesmo a aceitar os chamados embargos dos embargos, mesmo sabendo de antemão que os riscos de sucesso dos réus com este tipo de expediente é praticamente zero.
 
Na reta final, o julgamento ganhou um novo personagem. Procuradora-geral interina, Helenita chamou o procurador José Alfredo para auxiliá-la no arremate do processo. Alfredo foi um dos três procuradores que fizeram as investigações e praticamente montaram a denúncia formulada pelo ex-procurador-geral Antônio Fernando de Souza.
 
07 de setembro de 2013
JAILTON DE CARVALHO - O Globo

DILMA "TRAMBIQUE" SE AUTOELOGIA NA TV E O POVO PROTESTA NAS RUAS CONTRA ELA

Dilma se autoelogia na TV e Aécio vai à Justiça
 

 
 
A pretexto de festejar o Dia da Independência, Dilma Rousseff levou a face à rede nacional de tevê na noite desta sexta, véspera do 7 de Setembro. Leu um pronunciamento 100% feito de marketing. Munida de autocritérios, mencionou uma solidez econômica que não orna com os fatos. Vendeu o Mais Médicos como elixir para todos os males da saúde.
 
Num pedaço do pronunciamento, Dilma fez oposição a si mesma. “…Existe um Brasil com problemas urgentes a vencer, e a população tem todo o direito de se indignar com o que existe de errado e cobrar mudanças”, disse, antes de voltar ao normal: “Mas há, igualmente, um Brasil de grandes resultados, que não podemos deixar de enxergar e reconhecer. Não podemos aceitar que uma capa de pessimismo cubra tudo e ofusque o mais importante: o Brasil avançou como nunca nos últimos anos.”
 
Presidente do PSDB e futuro antagonista de Dilma em 2014, Aécio Neves chiou em nota: “Desrespeitando o cargo que ocupa, a presidente Dilma Rousseff transformou o espaço republicano de rede  nacional de rádio e TV, prevista para finalidades específicas, em acintosa ferramenta eleitoral. Com isso, não desrespeita apenas o cargo que ocupa. Desrespeita, a data que deveria celebrar, os brasileiros que deveria representar e a legislação pela qual deveria zelar.” Disse que vai à Justiça.
 
Dilma merece mais compreensão. Como se acha uma presidente ótima, ela se sente muito mal nos momentos em que as ruas insinuam que ela é péssima. Mas como toda ótima pessoa, é nos momentos que a consideram péssima que Dilma se acha em condições de provar que pode ser mais ótima do que antes. E com boa propaganda, vende-se até ovo sem casca.

07 de setembro de 2013
Blog Josias de Souza - UOL

NOTAS PERTINENTES DE JACQUES GRUMAN

FRUTA ESTRANHA

Rubem Alves é uma dessas pessoas difíceis de rotular. Seria um psicanalista ? Ou um teólogo ? Por acaso um pedagogo, um poeta, escritor ? O problema é que ele é tudo isso, mas, se perguntado, tenho certeza de que acrescentaria, ao gosto de Luiz Vieira: quer saber ? Sou mesmo é um menino passarinho. Fiquei meio órfão quando ele deixou de escrever as colunas semanais na Folha de São Paulo, mas continuo devorando seus livros com o mesmo prazer com que saboreava o holodetz da minha avó.
 
Rubem usa uma imagem interessante sobre as tarefas da educação. De um modo geral, ele prefere a linguagem concisa das imagens. Diz que o corpo carrega duas caixas. Na mão direita, está a caixa de ferramentas. É lá que ficam os meios que garantem nossa sobrevivência física. São conhecimentos práticos, acumulados em séculos de experimentações, passados de geração em geração e enriquecidos com novas descobertas. São essenciais, mas insuficientes para uma vida plena. Para completar o painel humano, é preciso olhar para a mão esquerda, que é onde fica a caixa de brinquedos. Uma caixa, diz Rubem, de inutilidades. Mas que inutilidades ! Mexer nela é esbarrar com um poema de Mário Quintana, uma música de Tom Jobim, uma cantata de Bach, um aroma de jasmim, um acalanto escondido na memória, uma brisa morna.
 
Num livrinho precioso, o italiano Elio Vittorini diz saber o que é ser feliz na vida. Entre outras imagens, evoca a alegria “de uma tarde de verão, lendo um livro de aventuras canibalescas, seminu em uma chaise longue, na frente de uma casa de colina com vista para o mar”. Nenhum desses brinquedos cura um resfriado, pavimenta uma estrada ou ergue um arranha-céu. No entanto, elimine-se a caixa gauche e nos aproximaremos do horror de um quadro de Hieronymus Bosch. O homem-ferramenta pode nos jogar num freezer sensitivo, empurrar o planeta para um deserto de ideias e de vida.
 
Quem ouve Elis Regina sabe do que estou falando. Ela voltou a ser notícia esta semana. Está em fase de montagem a peça Elis, a musical, que vai contar um pouco da vida da genial Pimentinha. Não precisava de muito para mergulhar de cabeça nas letras das canções que interpretava. Vê-la cantando Atrás da porta, do Chico Buarque, ou Cadeira vazia, do Lupicínio Rodrigues, é uma experiência da mão esquerda. A narrativa poética transforma-se numa usina sensorial, criando um universo que foge das amarras do tempo e, sem precisarmos entender razões ou motivos, parece completar o vazio que nem sabíamos que existia. Artes da caixa de brinquedos.
 
BILLIE HOLIDAY
 
Às vezes, o brinquedo – quem disse que a vida é uma linha reta ? – namora a ferramenta. Em 1939, uma jovem de vinte e quatro anos se apresentava no Café Society, único clube noturno de New York que não segregava os frequentadores negros. Num dado momento, o blues calou todas as vozes. A melodia, praticamente falada, numa impressionante modulação de sentimentos, irrompia em repetidas ondas de choque. “Árvores do sul dão uma fruta estranha; folha ou raiz, em sangue se banha”. Aos poucos, as metáforas vão ficando cada vez mais claras.
 
A jovem Billie Holiday entrava para a História com a magistral interpretação de Strange fruit, criada por Abel Meeropol, vigoroso militante antirracista. O público ficou paralisado. Era a primeira vez que se mostrava em música o linchamento de negros no sul dos Estados Unidos, prática hedionda muito comum naquela época. Existem fotos onde os corpos dos linchados aparecem ao lado de alegres espectadores, que parecem estar num parque de diversões. Belo programa em noites de sábado!
 
Strange fruit ficou para sempre associado a Lady Day. Rádios se recusavam a tocá-la, gravadoras se recusavam a incluí-la em discos. Apesar dos solavancos, é um registro extraordinário do impacto que provoca o casamento das duas caixas. O sentimento como veículo de transformação da realidade. Não se trata de um abracadabra. Apenas acho que homens que também brincam – ou que não se levam tão a sério – estão mais aparelhados para compreender e conduzir mudanças e revoluções duráveis. Sisudez não é sinônimo de seriedade. Os carrancudos, os de maus bofes, precisam, urgente, de um bom cafuné.
 
O racismo, poeticamente denunciado por Meeropol, não morreu. Semana passada lembramos a célebre Marcha a Washington. Cerca de 200 mil pessoas se manifestaram na capital norte-americana contra a segregação e pela universalização dos direitos civis.
O reverendo Martin Luther King Jr. tinha um sonho pacífico, que está longe de se realizar. Embora a face selvagem do racismo nos Estados Unidos tenha se retraído, a discriminação é mutante como o vírus da gripe. É bom lembrar que, em 1963, ainda era ilegal, em muitos estados, negros e brancos se casarem. Exatamente como nas leis raciais da Alemanha nazista. Já não há linchamentos de negros, mas a taxa de desemprego entre eles é quase o dobro da que se registra na população branca. Já não se proíbem negros nas universidades, mas o nível educacional da população negra é sensivelmente inferior ao da branca.
 
A desigualdade também se manifesta no perfil de renda, no índice de encarceramento e, sobretudo, na cultura do ódio e da desconfiança. Tal como no Brasil, a chance de um negro ser parado numa blitz policial é sensivelmente maior do que a de um branco. Foi essa disposição belicosa que acabou vitimando o jovem Trayvon Martin, assassinado por um segurança que “desconfiou” de suas atitudes num condomínio residencial. O criminoso foi absolvido.
 
OBAMA PRESIDENTE
 
O fato de um negro ocupar a Casa Branca tem um forte caráter simbólico, mas, lamentavelmente, não passa disso. Continua, como qualquer branco o faria, refém dos grandes interesses corporativos que comandam as estratégias do país, recuou da promessa de fechar a prisão de Guantanamo, prepara-se para uma intervenção na Síria, mesmo sem ter conhecimento do relatório dos inspetores da ONU e à revelia da comunidade internacional (perece ter se esquecido da patética apresentação do general Colin Powell na ONU, para “provar” a existência de armas de destruição em massa no Iraque). Alguém já disse que, enquanto o revendo Luther King disse “I have a dream”, o presidente Obama poderia perfeitamente dizer “I have a drone”. Boa imagem, diria o Rubem Alves.
 
O que acontece nos Estados Unidos não é motivo para comparações favoráveis ao Brasilzão velho de guerra. Temos nossa cota de preconceito e ódio racial, e ela não é nada pequena. Racismo “cordial” é conosco. O problema vai adiante. Na chegada dos médicos cubanos ao Rio Grande do Norte, uma jornalista olhou com desdém e disse que uma delas “mais parecia uma doméstica”. Pois é, a caixa de brinquedos também pode produzir seus monstros.
 
07 de setembro de 2013
Jacques Gruman