Fleischer, um dos cientistas políticos mais importantes do país
O norte-americano David Fleischer, 73 anos, é um brasilianista radical. Há 20 anos, decidiu se naturalizar brasileiro, deixando de ser um simples observador da política tupiniquim e se transformando num cidadão do país, onde casou, teve filhos e netos. Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), é um dos mais requisitados cientistas políticos, sendo uma referência para veículos estrangeiros e nacionais que tentam mergulhar mais a fundo para entender os movimentos políticos. Sobre a atual e grave crise, o acadêmico é direto: “O momento é pior do que o do Collor, porque tem crise econômica forte, recuo do PIB. Devemos contar com mais manifestações”.
O que mudou com a prisão do senador Delcídio do Amaral?
Tem gente que acha que talvez o Eduardo Cunha já esteja na mira do Supremo, porque o que pegou o Delcídio, e também o André Esteves, foi a obstrução da Justiça. E o fato de se mexer com testemunhas. Em um mundo civilizado, na maior parte dos países, isso dá prisão. Então podem pegar o Cunha por obstrução de Justiça e por manipular a Câmara para inviabilizar o Conselho de Ética. Ele está nervoso. Dilma e companhia também estão extremamente nervosos por causa da delação premiada de Nestor Cerveró. Ele afirma que ela sabia de tudo sobre Pasadena, que era uma refinaria decrépita e enferrujada, que os belgas compraram por US$ 60 milhões e a Petrobras acabou pagando quase US$ 1 bilhão. Então todo mundo quer saber onde foi parar a diferença, inclusive, a Justiça americana e o FBI estão investigando novas teses nesse caso. Eles dizem que, além de ela saber de tudo, pressionou para fechar o negócio. Se isso for comprovado, é crime de improbidade. Ainda não se tem um smoking gun, quer dizer, uma pistola soltando fumaça, então esse seria o smoking gun da Dilma. Eles estão muito preocupados porque agora bagunçou o Congresso mais ainda, e a falta de governabilidade aumentou. Há o risco de nada ser aprovado no Congresso.
O senhor vê paralelos dessa crise na história?
O paralelo que faço é de Richard Nixon e o Watergate, em agosto de 1974. O impeachment na época parecia evidente. O Partido Republicano chegou para ele e disse: “Pelo amor de Deus, você tem que renunciar, senão o nosso partido vai ser liquidado nas eleições de novembro”. Aí, como ele tinha um pouco mais de espírito de estadista do que a Dilma, renunciou. Mas, antes de renunciar, ele se assegurou com Gerald Ford, que assumiu a presidência, de que o novo presidente emitiria um perdão presidencial para ele.
Isso pode acontecer com Dilma?
Acho que ela não tem espírito estadista para renunciar, isso não faz parte do DNA dela, porque você sabe que ela é uma pessoa cuja personalidade não condiz com a renúncia, mas pode chegar ao mesmo caso de Nixon, em que digam: “Você tem que renunciar, senão vamos ser liquidados nas eleições municipais e, pior ainda, em 2018”. Se o PT pressionar, talvez sim. Ela tem uma saída à francesa. Ela pode alegar que deixará a Presidência por motivos de saúde.
O senhor acha que o PT poderia pressioná-la a renunciar?
O PT já demonstrou isso. Você viu a nota que o Rui Falcão soltou? Ele lavou as mãos com o Delcídio do Amaral na hora. O PT está muito preocupado com 2016.
É o fim de uma era para o PT?
Acho que sim, o PT reclama muito que está sendo criminalizado, mas são criminalizados por causa dos criminosos do partido, que estão na cadeia ou acusados. Dos nove petistas que votaram a favor do Delcídio na quarta no Senado, a maior parte já tem casos no Supremo e pode ser cassada, mas o PT está em um dilema existencial. Tem petista falando em criar um partido.
E o Lula?
O Lula é um grande ícone do PT, que foi preparado desde o início dos anos 1980 para ser o candidato à Presidência, e desde então o PT não preparou nenhum outro candidato, tirando a Dilma. O Lula queria voltar em 2014, mas ela disse não: “Eu sou a presidente e eu vou à reeleição”. Hoje, não há dúvidas de que a imagem do Lula está muito mal.
Esse momento é pior que o do governo Collor?
Muito pior, porque agora tem crise econômica muito forte, temos recessão de mais de 3% do recuo do PIB este ano e deve ser pelo menos 2,5% no ano que vem. A crise econômica vai aumentar no início do ano e no ano que vem, com demissões, inflação, caixa apertado. E vai começar a ter manifestação desses deserdados politicamente. Principalmente a nova classe média. A classe média teve uma grande ascensão social com o Lula, vinte e tantos milhões de pessoas que saíram da classe D e E para a classe C. Vai ter essa movimentação nas ruas. Já tivemos em 2013 e isso mostrou como que se pode mobilizar.
Quais são as consequências da Operação Lava-Jato?
Supostamente, levaria a uma certa limpeza, como a Operação “Mãos Limpas”, da Itália, levou a uma certa limpeza também, mas não foi uma limpeza total, tanto que o Berlusconi conseguiu subir na política. Mas é um aviso aos navegantes de que, se você vai praticar essas coisas, você vai ter de tomar muito cuidado. Serve de advertência…
Mas o país muda?
Acho que muda. O André Esteves é um dos grandes banqueiros aqui no Brasil, o BTG é um dos grandes bancos de investimento e esse banco vive de sua imagem positiva, e agora todo mundo está pensando: “O que vai ser desse banco?” Você tem um grande empresário como o Odebrecht preso há vários meses. Isso foi uma coisa que nunca tinha acontecido antes: donos de grandes empresas presos.
Estamos no mesmo patamar da Operação Mãos Limpas?
Espero que não. Porque na “Mãos limpas” assassinaram juiz. Espero que isso não aconteça com o Sérgio Moro, porque é um juiz exemplar, que aprendeu o ofício no caso Banestado.
10 de dezembro de 2015
Ana Dubeux , Denise Rothenburg , Leonardo Cavalcanti
Correio Braziliense