"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

HOMENS

Mulheres, não reclamem. Nunca se viu tanto homem, ao menos na tevê. Viva a Copa, que deixará saudades. Mas quem quiser se aprofundar um pouquinho no mundo masculino, troque a tevê pelo cinema, a fim de assistir ao filme espanhol O que os Homens Falam. Nele, cinco esquetes expõem as crises de meia-idade dos nossos queridos. A presença do argentino Ricardo Darín é a cereja do bolo, mas os demais atores são excepcionais também.

Divertido, inteligente e enternecedor. Quando cheguei em casa, ainda trazia um sorriso no rosto, tal é a leveza desse filme que desmistifica o macho alfa, revelando os homens como realmente são: falíveis, infantis e doces, até mesmo os cafajestes. Até eles.

A luta feminina pela conquista de direitos é legítima e necessária, mas criou uma atmosfera de campo de guerra – o homem passou a ser visto como o predador que deve ser combatido, o responsável por todas as infelicidades que nos atormentam. Se são, é porque damos a eles o protagonismo de nossas histórias românticas e eles acabam se transformando em inimigos íntimos, mas culpa, culpa mesmo, ninguém tem de nada. Tanto eles como nós somos igualmente cerebrais e emotivos. O que nos difere, talvez, seja o humor, que é a maneira como externamos nosso ponto de vista sobre o que acontece.

E aqui entro em campo minado, prestes a receber uma saraivada de insultos das minhas parceiras de gênero: considero o humor masculino mais interessante. Há quem diga inclusive que não existe humor feminino – quando ele funciona, é porque é masculino também. Pode ser. A mulher recorre à caricatura e ao exagero para tornar-se engraçada – somos as rainhas do drama, como se sabe. Já o humor masculino é reflexo de uma observação realista – eles extraem graça do inevitável, e isso me parece extremamente comovedor.

Homens riem de si próprios com economia, sem excessos. Puro charme. É isso que encanta nos personagens de O que os Homens Falam. Não são inflamáveis, e sim discretos, falam com poucas palavras, e também através de gestos e olhares sutis. O humor deles seduz (ao menos a mim) porque não é cênico, teatral, e mesmo quando existe a intenção de fazer rir, o fazem sem alarde – Woody Allen e Luis Fernando Verissimo têm isso em comum, para exemplificar. É um humor que não sei como adjetivar de outra forma, a não ser dizendo o óbvio, que é um humor masculino no que o homem tem de melhor: a desafetação.

Do cinema realista para uma tragédia grega contemporânea: a peça A Vertigem dos Animais antes do Abate, mais um projeto liderado por Luciano Alabarse, fica em cartaz no Theatro São Pedro de amanhã até domingo. A nossa bestialidade primitiva em cima do palco, a nu, com elenco, direção e música de primeira. Para adultos de estômagos fortes – masculinos ou femininos.
 
10 de julho de 2014
Martha Medeiros, Zero Hora

IR OU NÃO IR... EIS A QUESTÃO!


10 de julho de 2014

 

CRISTO METAFÓRICO

Michael Reid foi correspondente da The Economist no Brasil de 1996 a 1999 e editor para as Américas até 2013. Seu livro Brazil. The Troubled Rise of a Global Power, recém-publicado, é, de longe, o melhor livro de introdução ao Brasil que anda pelo mercado.

Dada a ligação do autor com a The Economist é difícil, ao analisar o livro, não tratar do estilo da revista. Nela se combinam frequentemente análises econômicas sólidas e argutas com doses indigestas de reacionarismo político. Francofobia, russofobia, eurofobia e americanofilia refletem velhas fraquezas britânicas.

O retrospecto da revista quanto ao Brasil é bastante bom. Em 1889 manifestou preocupações quanto à desintegração do Estado nacional, à semelhança da América espanhola. Em 1930 temeu que a frustração com o combate à recessão pudesse levar a "aventuras militares externas". Em 1945 registrou que o Exército brasileiro estava interessado na volta ao controle político civil, na aparência, e talvez até de fato. Em 1964 foi muito crítica de Jango, lamentando o fracasso de uma via intermediária que conciliasse crescimento e estabilidade política. Mas condenou a falta de programa de golpistas apenas anticomunistas como Lacerda e a perseguição a Arraes e Celso Furtado.

O livro trata (bem) de temas que vão do futebol e carnaval ao pré-sal, agricultura e disparidades regionais. Os estereótipos abundam, com paulistas trabalhadores, cariocas malandros e mineiros matreiros, e com direito ao indefectível Stefan Zweig. Há barbaridades. Os rigores da Guerra do Paraguai envelheceram dom Pedro II. Por via telegráfica? A Constituição de 1934 foi surpreendentemente liberal. O engenheiro Brizola era advogado. Zagallo era simpatizante comunista e foi substituído por Médici (João Saldanha não é citado), Pedro II era mais bem informado do que os ministros quanto a temas específicos, traço que também caracteriza Dilma Rousseff, o que talvez diga algo sobre a qualidade dos seus ministros.

Apesar de uma tímida tentativa no primeiro capítulo, faltou explicar convincentemente no livro a barriga da edição de 12/11/2009, Brazil takes off, que louvava de forma despropositada as perspectivas da economia brasileira,. O diagnóstico inspirou a capa em que a estátua do Cristo Redentor decolava, metáfora impactante do que se previa quanto à economia. A matéria principal afirmava que "havia sido concedida autonomia ao Banco Central", que "a economia foi escancarada (thrown open) ao comércio exterior e investimento" e que "algumas (das multinacionais brasileiras) são empresas anteriormente controladas pelo Estado que estão florescendo com a permissão de operarem com maior independência (at arm's lenght) em relação ao governo. Isto vale para a Petrobrás (e) para a Vale". A despeito de algumas ressalvas quanto a gasto público, baixa poupança, pensões e crime, o otimismo infundado era dominante. Esse magnífico erro de avaliação obrigou ao pentimento com a matéria Has Brazil blown it?, de 28/9/2013, e capa que registrava o Cristo como descontrolado buscapé.

A postura otimista de 2009 estava alinhada ao diagnóstico do autor, comum a outros analistas, quanto à benignidade do governo Lula. A visão dominante era de alívio, baseado na constatação de que Lula era diferente de Chávez e Cristina. E podia até ter serventia como canal de comunicação entre as economias desenvolvidas e os líderes do neobolivarianismo e do neoperonismo. O problema é que Lula era diferente, mas não o suficiente. A partir do mensalão foi sendo gradualmente erodido o compromisso assumido em 2002 quanto à continuidade da política macroeconômica de FHC. Daí a exagerar as virtudes do lulismo e partir para diagnósticos róseos da economia foi um passo. E acabou na visão do Cristo decolando.

Que metáfora vai prevalecer? A leitura do livro ajuda a avaliar.

 
10 de julho de 2014
Marcelo de Paiva Abreu, O Estadão

GOLEADA: INFLAÇÃO 6% x PIB 1%

Inflação estoura o teto da meta, deve ficar por aí, mesmo com economia perto da estagnação

A INFLAÇÃO PASSOU do limite maior da folgada meta brasileira de variação de preços, soube-se ontem. Foi a 6,52%, dois centésimos além. Está por aí faz tempo, não faz lá grande diferença prática. Deve terminar o ano perto disso, 6,5%, assim como o crescimento da economia, do PIB, deve ficar perto de 1%.

Os resultados do último ano do governo de Dilma podem ser atribuídos à política econômica da presidente. Para o bem ou para o mal, nem sempre os governos são capazes de influenciar o desempenho da economia de modo relevante, no curto prazo (um, dois anos), a não ser em casos de incompetência extrema ou de fraude inesperada (estímulos econômicos loucamente insustentáveis).

Governos sobem no bonde andando, caso de 2011, para Dilma. Enfrentam infortúnios de crises externas, como a piora mundial de 2012. Em 2014, porém, não há como não dizer que Dilma colheu o que plantou: uma espécie algo exótica de estagflação (inflação relativamente alta com crescimento baixo). Exótica porque o desemprego é baixo.

Durante os anos de Dilma Rousseff, portanto, a tendência terá sido de piora do PIB e da inflação. Nos anos de Lula da Silva, a tendência foi de melhora do PIB e melhora da inflação, mesmo ainda quando os resultados eram horríveis, em meados de 2003. Esse progresso foi interrompido, temporariamente, apenas pelo colapso mundial de 2008.

Apesar do mau estado da economia mundial e de seus efeitos nocivos no Brasil, Dilma não teve de lidar com os efeitos de colapsos externos, como secas de capital e desvalorizações extremas da moeda. Evidente foi a deterioração lenta, gradual e seguramente daninha da administração macroeconômica que solapou as bases do crescimento possível, que era pouco e se acabou.

A poupança do governo baixou a cada ano (o deficit nominal subiu progressivamente). Em suma, o governo gastou além da conta.

O consumo do país cresceu continuamente, o que em parte se refletiu no aumento do deficit externo (a diferença entre o que o Brasil exporta e importa, vende e compra no exterior, em bens e serviços).

O consumo cresceu continuamente por causa de gastos diretos do governo e endividamento extra, dívida feita para carrear dinheiro para que os bancos públicos emprestassem mais dinheiro, quando os bancos privados julgavam mais prudente pisar no freio. O investimento do governo não cresceu, o investimento privado foi crescendo cada vez mais devagar e passou a minguar.

Sim, o desemprego está baixo (embora a quantidade de gente empregada cresça de modo cada vez menor), mas a produção brasileira não cresce, não oferta produtos a bom preço --a produtividade não cresce. Ou compramos lá fora (deficit externo) ou temos inflação. O PIB não cresce.

No entanto, difundiu-se a ideia entre demagógica, oportunista e ignorante que "não se come PIB, mas alimentos". Mas o PIB é simplesmente a renda nacional. Sem renda não se consome nada, a não ser com empréstimos, dívidas.

Toda a agitação desordenada do governo Dilma Rousseff produziu, em termos macroeconômicos, sinais de estresse e dissipação inútil de energia, inflação, déficits, dívidas, descrédito, empecilhos à retomada do crescimento nos próximos anos.

10 de julho de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

A ESTABILIDADE ESTÁ AMEAÇADA?


Economista, advogado, doutor em ciência política, pós-doutor em administração, professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília

A divulgação de indicadores negativos sobre o baixo desempenho e desajustes na economia brasileira voltou às manchetes diárias dos veículos de comunicação, sobressaltando os agentes econômicos e os cidadãos comuns. Assim, duas décadas após o lançamento do Plano Real, em julho de 1994, a população brasileira volta a se inquietar, diante dos sinais de desajustes na economia, traduzidos num preocupante desequilíbrio das contas públicas e na elevação da inflação.

Esse fenômeno ocorre, por estranha coincidência, ou talvez, por ironia do destino, no mês em que o planeta acompanha o desfecho da Copa do Mundo no Brasil, disputado em 12 novos e dispendiosos estádios de futebol, monumentos ao desperdício de recursos públicos. Recorde-se que o Plano Real tornou possível a estabilização da economia, a recuperação da moeda, o controle da inflação, que por decorrência, propiciou a proteção do poder de compra, o acesso ao crédito, o aumento da oferta de emprego, entre outras mudanças. É sobre essas questões que trataremos a seguir.

Em que pese uma boa parcela dos analistas econômicos e empresários alertarem sobre os riscos da adoção de políticas fiscal e monetária inapropriadas, baseadas no pressuposto de que é possível alcançar uma inflação estável com crescimento autossustentável, o governo se recusa a rever o seu modelo econômico. Esse cenário é agravado pelos custos para a sociedade da má gestão pública, desperdícios e corrupção, que impactam negativamente no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. Isso explica, em grande parte, porque o Brasil ocupa o sétimo lugar no ranking das maiores economias do mundo, com um PIB estimado de US$ 2,215 trilhões em 2014, enquanto o seu PIB per capita encontra-se na 54ª posição.

As projeções sobre o crescimento anual médio do país no governo Dilma Rousseff deverá situar-se em 1,8%, levando em conta que, em 2013, o crescimento foi de 2,5%, e que o PIB em 2014 terá expansão próxima de 1%. A inflação anual média no período de 2011 a 2014 será de 6,2%, mas se encontra preocupantemente acomodada no teto da meta, que é de 6,5%. A taxa de juros Selic situa-se em 11% ao ano, sem tendência de baixa. Esses indicadores da economia mostram que ela está crescendo abaixo de seu potencial, combinando inflação elevada e persistente com crescimento econômico baixo. É o que se denomina em economia de processo de estagflação.

É sabido que a falta de ações efetivas do governo e do setor privado para aumentar a produtividade do país é o principal entrave para a geração de um novo ciclo de crescimento da economia brasileira. Destacam-se entre os fatores, o baixo nível de inovação, a escassez de recursos humanos qualificados, deficiências de infraestrutura, baixo nível de investimento e um ambiente institucional subdesenvolvido. A queda do investimento, sob a ótica da demanda, revela o fracasso da mudança de política econômica, notadamente com a adoção da Nova Matriz Econômica, que visava, entre outros objetivos, recuperar a indústria e aumentar a taxa de investimento.

Os indicadores do desempenho da economia brasileira comprovam que o modelo econômico executado pelos governos Lula e Dilma, apoiado, em especial, no consumo, se esgotou. Registre-se que, somente para as instituições financeiras as famílias brasileiras estão devendo R$ 1,3 trilhão, o que corresponde a 1/4 do Produto Interno Bruto (PIB) do país (Banco Central, jun. 2014). Estima-se que, de cada R$ 10 da renda das famílias, cerda R$ 4,5 já esteja comprometida para pagar dívidas.

As crescentes reivindicações da população por mudanças na economia e na gestão pública, conforme revelam as pesquisas eleitorais, confirmam o entendimento de que economia e política interagem de forma permanente. Apoiado na análise dos indicadores econômicos, é possível afirmar que a estabilidade da economia encontra-se ameaçada, motivada pela leniência do governo com a política fiscal e pelos riscos de descontrole da inflação. Assim, torna-se possível prever que o nível de descontentamento da população com os governantes e políticos que estão no poder deverá continuar aumentando nos próximos meses.

10 de julho de 2014
José Matias Pereira, Correio Braziliense
 

TETO FURADO

Está mais do que na hora de cair na real. E não é só no futebol. A inflação em 12 meses agora estourou o teto da meta (os 4,5% mais os 2 pontos porcentuais de tolerância) e nesses níveis tende a ficar instalada pelo menos nos próximos cinco meses. Em setembro e outubro, muito provavelmente rondará a altura dos 6,9%.

Se o próprio Banco Central (BC), que sempre se empenha em passar melado nas projeções sobre desempenhos ruins, já admite uma inflação de 6,4% para todo este ano, ficou mais provável o estouro do teto da meta ao final de 2014.

Essa inflação bem mais alta em 12 meses deverá agora colocar em marcha mecanismos de defesa contra perdas de patrimônio, mais do que habitualmente. E este é um fator autônomo de aumento de preços.

O governo Dilma vacilou entre combater a inflação e a estagnação. Não conseguiu nem uma coisa nem outra. Agora terá de enfrentar a campanha eleitoral tendo de explicar o mau desempenho da economia, sem argumentos convincentes para isso, e não tendo outras caras a expor na vitrine que não seja a dos administradores da economia com credibilidade fortemente desgastada até mesmo dentro do PT, como Guido Mantega e Arno Augustin.

O efeito Copa pode ter concorrido para a aceleração da alta em junho, como ontem observou a coordenadora de Pesquisas de Preços do IBGE, Eulina Nunes dos Santos. Mas esse tipo de avaliação não leva muito adiante. Cada mês aparece um imponderável assim.

Para não ir mais longe, as verdadeiras causas da inflação estão lá no Relatório da Inflação, ainda que algumas delas venham sendo propositalmente disfarçadas pelo BC, como é o caso da frouxidão na administração das contas públicas.

Entre as causas estão a disparada dos custos trabalhistas muito acima da produtividade da economia e uma demanda que, embora algo mais fraca, continua sancionando a alta. Não dá para evitar outra fonte recorrente de pressão que é o represamento dos preços administrados (combustíveis, energia elétrica e transportes urbanos). É um fator que leva os remarcadores de preços a antecipar os reajustes.

Boa pergunta consiste em saber se a desaceleração das vendas e da produção não passa a concorrer para segurar a escalada inflacionária. Às vezes o governo dá a impressão de que conta com isso. O ministro Mantega tem insistido na aposta de que o afrouxamento do consumo se deve aos estragos no poder aquisitivo provocados pela inflação e, assim, deixa implícito que a menor demanda se encarregará de conter a aceleração dos preços. E, desse ponto de vista, ele está certo.

O diabo é que os radares também apontam para o inevitável desrepresamento dos preços administrados e do câmbio, hoje usado para conter a alta dos preços dos importados. Não se sabe em que ritmo acontecerá, até mesmo porque isso também depende do resultado das eleições.

Inflação alta demais e crescimento perto de zero serão os temas da campanha eleitoral, que será curta, mas intensa. É cair na real.
10 de julho de 2014
Celso Ming, O Estadão

INFLAÇÃO EM 12 MESES SURPREENDE GOVERNO

O governo ficou surpreso com a inflação de junho (0,40%), que fez o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superar, na variação acumulada em 12 meses, o teto do regime de metas (6,50%). Com variação de 6,52%, este foi o 11º mês, em 42 meses do governo Dilma, em que o índice superou o limite de tolerância. "Não esperávamos o estouro do teto", admitiu, em entrevista a esta coluna, o ministro interino da Fazenda, Paulo Caffarelli.

A realização da Copa do Mundo explica, em boa medida, a carestia de junho. E, como o torneio só termina no dia 13, deve pressionar os preços também em julho. De toda forma, Caffarelli acredita que, neste mês, a inflação ficará abaixo de 0,40%. "Confiamos que, em julho, o IPCA acumulado em 12 meses caia abaixo do teto", disse ele.

O otimismo relativo da área econômica se baseia no que fez a inflação dar um salto em junho. Segundo o IBGE), as diárias de hotéis aumentaram 25,33% em junho, gerando inflação de 1,57% no item "despesas pessoais", quase o dobro da variação registrada em maio (0,80%). Também em junho, as passagens aéreas, igualmente pressionadas pela Copa, subiram, em média, 21,95%, inflando o item "transportes", cuja variação média chegou a 0,37% no último mês.

Apenas hotéis e tarifas aéreas responderam por 50% da inflação de junho - 0,20 ponto percentual do IPCA de 0,40%. O governo espera que, com o fim da Copa, esses preços recuem, devolvendo um pedaço significativo da inflação. "O IPCA mensal vem caindo desde março. E em junho, tivemos deflação nos preços dos alimentos e bebidas [de 0,11%] e nos itens de comunicação [de 0,02%]", observa Caffarelli.

Dos grupos de preços acompanhados pelo IBGE, apenas os dois mencionados - transportes e despesas pessoais - subiram em junho, quando comparados a maio. Em todos os outros (alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, saúde e cuidados pessoais, educação e comunicação), a inflação recuou. Não fosse a Copa, o IPCA poderia ter fechado o mês passado em torno de 0,20%, em linha com o resultado do mesmo mês de 2013 (0,26%).

Levantamento feito pelo secretário de Política Econômica, Márcio Holland, mostra que a inflação costuma subir no Brasil em períodos de Copa do Mundo, mesmo quando o evento é realizado em outros países.

É fato também que, no Brasil, a inflação costuma dar uma trégua entre os meses de junho e agosto e que volta a acelerar entre setembro e dezembro, como ocorreu nos últimos cinco anos. A dúvida sobre o restante do ano recai sobre os preços represados de algumas tarifas públicas, como energia e combustíveis.

Especialistas estimam que exista hoje uma inflação represada de 1,2 a 1,5 ponto percentual, algo que poderia levar o IPCA anual a quase 8%. O governo da presidente Dilma Rousseff já deixou claro que não pretende mexer nesses preços antes da eleição de outubro. A ideia também é evitar um "tarifaço", isto é, o realinhamento integral das tarifas defasadas. A expectativa, porém, é que alguns reajustes ocorram em 2014.

Nesse cenário, é possível que a inflação mensal continue caindo até agosto e em 12 meses siga pressionada neste e nos próximos meses - essencialmente, por causa do efeito base de comparação com 2013. No último trimestre do ano, a depender da decisão que o governo tome em relação aos preços administrados, ela pode voltar a subir nas duas medidas (mensal e em 12 meses), ameaçando fechar o ano acima do teto de tolerância. O governo, como deixa claro Paulo Caffarelli, não acredita nessa possibilidade.

A equipe econômica contrapõe as expectativas mais pessimistas com algumas medidas, em gestação, que pretendem diminuir custos das empresas. Estão no cardápio, entre outras iniciativas, a manutenção da desoneração da folha de pagamento de vários setores; a melhoria das condições de adesão ao Refis (programa de renegociação de débitos fiscais); a reedição do programa Reintegra; a adoção de estímulos para a abertura de capitais de pequenas e médias empresas; e a prorrogação dos benefícios fiscais das debêntures emitidas para projetos de infraestrutura.

Geralmente, medidas como essas, embora meritórias, ajudam a melhorar a margem de lucro das companhias e não necessariamente a controlar preços. Um argumento para se esperar uma inflação mais comportada nos próximos meses vem do Banco Central (BC): os efeitos defasados e cumulativos do ciclo de alta da taxa de juros estão se fazendo sentir neste momento na atividade econômica. "O que o BC tem dito é que os efeitos [da alta dos juros] batem na atividade primeiro e depois batem na inflação", ponderou uma fonte oficial.

De fato, a economia tem mostrado sinais de baixo crescimento neste ano. No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou apenas 0,2%. A produção industrial está recuando em maio e mesmo o varejo, um dos setores que mais cresceram na última década, tem mostrado acomodação.

Os números têm mostrado que, apesar do baixo crescimento, a inflação tem se situado, persistentemente, acima da meta de 4,5% - que, por um eufemismo típico de Brasília, virou "centro da meta". Em 24 dos 42 meses de gestão Dilma, o IPCA ficou acima de 6% (ver gráfico), próximo do limite.
 
10 de julho de 2014
Cristiano Romero, Valor Econômico

DESPERDÍCIO

Intervenção do BC no câmbio não se deve à volatilidade, mas, sim, à política para controlar avanço da inflação

O Banco Central anunciou a continuação de seu programa de intervenção sobre a taxa de câmbio iniciado em agosto do ano passado. Naquele momento o Federal Reserve emitira os primeiros sinais que poderia alterar sua política, perspectiva que elevou o rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro norte-americano para quase 3% ao ano, fortalecendo o dólar relativamente às demais moedas, entre elas o real.

Em resposta à elevação do dólar, que chegou a valer quase R$ 2,45, o Banco Central passou a intervir nos mercados futuros de câmbio. A justificativa para a intervenção, apesar do regime de câmbio flutuante, era a necessidade de prover proteção ("hedge") aos agentes econômicos, assegurando que o Banco Central não tinha um objetivo no que diz respeito ao nível da taxa de câmbio, mas que procurava apenas reduzir sua volatilidade.

Desde então, a taxa de câmbio passou quase 90% do tempo no intervalo de R$ 2,20 a R$ 2,40, resultado que pode tanto sinalizar sucesso na moderação da volatilidade como a adoção implícita de uma banda cambial naquele intervalo, isto é, um dólar nem tão barato que prejudique as contas externas nem tão caro que ameace o já precário controle da inflação.

Já eu estou convencido que a segunda hipótese oferece uma explicação melhor do que se passa no mercado brasileiro de câmbio.

Houve, é claro, redução expressiva da volatilidade. No período entre agosto e setembro do ano passado, essa chegou a ficar algo como duas vezes superior à sua média histórica recente; já nos últimos meses tem ficado em torno da média, fenômeno que a análise mais apressada tenderia a atribuir à intervenção do BC.

Ocorre que outras moedas sul-americanas, notadamente as da Colômbia, do Peru e, em menor medida, do Chile, passaram por processo semelhante, tanto a elevação da volatilidade em relação a seu padrão histórico no terceiro trimestre de 2013, como a reversão à média no segundo trimestre deste ano. E, é bom notar, não houve nestes países intervenção tão pesada como a promovida pelo BC, que vendeu no período pouco mais de US$ 90 bilhões no mercado futuro.

Tal fato sugere, portanto, que a volatilidade excessiva, motivo alegado pelo BC para iniciar o processo de intervenção, já não é tão sério quanto foi no terceiro trimestre do ano passado. Ainda assim o BC se decidiu pela continuação do programa, cujo anúncio chegou a levar a taxa de câmbio brevemente abaixo dos R$ 2,20/US$.

Isso sugere que, a despeito de eventuais protestos de lealdade por parte do Banco Central ao regime de taxas flutuantes, não é o excesso de volatilidade que o induz a intervir no mercado de câmbio. Pelo contrário, por mais que não admita isto publicamente, fica claro que o Banco Central tem, sim interferido, para manter o real dentro de patamares que julga confortáveis.

E "conforto" nas condições atuais significa essencialmente manter a taxa de câmbio em níveis que o Banco Central acredita serem compatíveis com o controle da inflação, aqui entendido como a manutenção desta pouco abaixo do limite superior do intervalo de tolerância ao redor da meta (que, não esqueçamos, é 4,5%).

Dado que o BC abriu mão da política monetária --muito embora suas próprias projeções sugiram inflação próxima ao teto da meta nos próximos 12 a 15 meses--, só lhe resta administrar a taxa de câmbio para tentar evitar que até mesmo este limite seja ultrapassado, ainda que para isto tenha que vender mais US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões até o fim deste ano.

Isso dito, como o próprio BC parece (ou deveria) saber, há o risco da calmaria na frente externa ser temporária, em particular caso a recuperação americana seja mais forte do que hoje se imagina.

A munição hoje empregada para manter a taxa de câmbio artificialmente valorizada, e assim atenuar os riscos inflacionários, poderá fazer falta num cenário de maior turbulência no mercado global de câmbio, mas pensar lances à frente não é o forte deste BC.

10 de julho de 2014
ALEXANDRE SCHWARTSMAN

SEM PALAVRAS

Um espaço em branco. Sem palavras. E eu acordava assustada. Esse era o pesadelo que tinha há quase 30 anos quando comecei a ser colunista. Temia abrir o jornal e ver o espaço em branco. A de hoje, leitores, quase sai assim: sem palavras. Meu assunto é economia – posso me refugiar – mas em estado de choque, em que mais pensar? Nada nos preparou para esse placar.

Pode-se perder um jogo. Quantos perdemos? Foram 24 anos sem ganhar uma Copa depois de 1970.O Brasil sabe que tudo se pode esperar de uma Copa do Mundo. Glórias e derrotas. Euforia e tristeza. Mas humilhação como a de ontem é traumática, entra para a história.

Convenhamos, temíamos a derrota. Foi uma espera aflita, a de ontem. Entrar em campo, numa semifinal, como o azarão, o que tem menos chance, desfalcado e ferido é um sentimento estranho para um brasileiro. Amanhecemos nos apegando aos detalhes: mais estrelas no peito, menos peso sobre os ombros dos nossos jogadores já que a fatalidade nos atingiu. Ao mesmo tempo em que se preparava o coração das crianças avisando que nem sempre vencemos. Só não tínhamos avisado que existe uma coisa chamada goleada. E que ela pode acontecer contra nós, na nossa casa.

Vamos racionalizar, porque nada mais nos resta. Pelo menos não ouviremos novo silêncio no Maracanã. Aquele de 1950. Um silêncio que se carregou por 64 anos e que foi transmitido como trauma olímpico de geração a geração até entrar no DNA. O único povo que tem um silêncio impresso em seus genes. Foi o Maracanazo. Hoje ele parece pequeno porque conhecemos o sabor amargo do Mineiraço.

Quem analisava as chances, os jogos, os movimentos do treinador, os erros, as falhas, não acreditava numa vitória. Os alemães, que derrotamos em 2002, organizaram-se de forma metódica, paciente, disciplinada. Vieram para vencer. Nós, desorganizados, facilitamos. Amanhecemos ontem sabendo tudo sobre as vantagens, as táticas e o jogo do adversário e nada sobre o nosso próprio time. É desestabilizador.

O jeito desse meu pequeno time que faz coluna e blog foi olhar para a economia. Não falta serviço do lado econômico. O país estourou mais uma vez o teto da meta. Nesse campo, de novo, estamos fora do jogo da meta de inflação. Em junho o IPCA foi de 0,40% – exatamente a previsão feita aqui ontem pelo economista Luiz Roberto Cunha – e isso nos levou ao estouro do teto da meta.

Não foi um acaso. Nenhuma derrota o é. E acontece num momento em que os preços de alimentos estão ajudando, porque caíram após a alta do começo do ano. Mesmo assim, em 12 meses, a inflação estourou o teto da meta e continuará assim no mês que vem. Em julho do ano passado, a taxa foi de 0,07%. Isso dificilmente vai se repetir este ano, o que significa dizer que, quando for divulgado o IPCA de julho, a taxa anual vai subir mais ainda. A boa notícia é que há chance de cair no fim de 2014 porque em dezembro do ano passado o índice registrou 0,92%. Agora deve ser melhor.

Por que a inflação estourou o teto da meta? Fatalidade? Não. Certas derrotas são resultado de como se arma o jogo. E o governo, desde o começo, tem armado errado a sua estratégia nesse campo. No início, a equipe econômica considerava que uma inflação mais alta permitiria um crescimento maior. O governo chegou a declarar que não faria o combate à inflação à custa do crescimento. Essa tática jamais funcionou. A inflação não estimula o crescimento, ela faz o oposto. E pelo décimo primeiro mês a taxa fica acima do teto da meta no atual governo. Derrotas ensinam só se quisermos aprender.

10 de julho de 2014
Miriam Leitão, O Globo

A GOLEADA PARA A ALEMANHA

Os alemães solicitaram 20 vezes mais patentes do que os brasileiros e o placar de prêmios Nobel desde 1901 é Alemanha 103 x 0 Brasil

Sua respeitada ciência, sua história de reconstrução, a economia robusta, os automóveis e, mais recentemente, a energia renovável fazem a Alemanha estar sempre presente em nossas rodas de conversa. Lá, um povo apaixonado por futebol e cerveja consegue grandes placares também fora do campo.

Por aqui, em 26 de junho e em ritmo de Copa do Mundo, foi sancionado pela Presidência da República o Plano Nacional de Educação (PNE).
A meta mais comentada, embora não a mais relevante, tem sido a de se destinar 10% do PIB (Produto Interno Bruto) à educação em dez anos. Hoje, são investidos 6,4%.

Felizmente, há outras metas previstas no PNE, pois somente esse aumento do investimento, ainda que significativo, não será suficiente para alcançarmos placares de patamar alemão ou de qualquer outro país que seja destaque educacional.

Podemos concluir isso com a projeção de alguns números recentes do relatório "Education at a Glance", da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Proporcionalmente, destinar 10% do PIB à educação faria o investimento médio por estudante saltar de aproximadamente US$ 2.900/ano para cerca de US$ 4.500, o que ainda fica muito aquém dos US$ 10 mil/ano investidos pela Alemanha.

O salário inicial médio de um professor de educação básica no Brasil passaria dos atuais US$ 5.000/ano para US$ 7.500 contra US$ 30 mil/ano na Alemanha. Como exigir cada vez mais anos de estudo e qualificação dos professores quando se oferece tão pouco?

Mas o investimento ainda terá que dar conta de outra triste realidade: a precária estrutura para o desenvolvimento de uma educação de qualidade para a ciência. Já tive a oportunidade de visitar escolas na Alemanha e constatei que o laboratório de ciências, aliado a projeto pedagógico, é parte do dia a dia desde o ensino fundamental.

Por aqui, segundo o portal QEdu.org.br, somente 2% das escolas públicas municipais possuem laboratório de ciências. Se esticarmos a amostra para escolas públicas, o que engloba as estaduais e as federais, o número cresce para 8%. E a pesquisa fala somente em possuir, nada sobre sua utilização efetiva.

No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2012, com participação de 65 países, o placar em ciências ficou assim: Brasil com 405 pontos (59º lugar!) x Alemanha com 524 pontos (12º lugar!).

No quesito inovação tecnológica, os alemães solicitaram 20 vezes mais registros de patentes do que nós. E, se colocarmos no placar o número de prêmios Nobel desde 1901, teremos Alemanha 103 x 0 Brasil!

Ou seja, precisamos de muito mais que o investimento do PNE para melhorarmos nosso desempenho.

Vamos ter que aprender com os alemães e trabalhar por muitos anos para reduzir as diferenças. Na educação, já estamos na prorrogação.
 
10 de julho de 2014
André Luís Parreira, Folha de SP

DILMA E O GOVERNO QUE NÃO DEU CERTO

Neste momento em que a presidente Dilma Rousseff se dispõe a se reeleger, é importante lembrarmos que a expectativa dos brasileiros em relação a ela era muito mais favorável quando foi candidata pela primeira vez. De fato, naquela oportunidade ela surgia ungida pelo presidente Lula e era apresentada ao País como uma pessoa de grande capacidade administrativa, capaz de iniciar um período de crescimento da economia e de melhora das condições de vida de cada um de nós.

Não foi o que aconteceu. Com ela, o País debruçou-se em plano inclinado numa crise que atingiu quase todos os setores, mas em especial a economia, em desaceleração permanente e com a inflação ascendente, que Dilma decididamente não sabe como controlar. Além disso, não logrou conter o avanço da corrupção, que se tornou marca registrada de seu governo, sobretudo na Petrobrás.

A propósito, basta ligar a televisão para verificar uma suspeita insistência de propaganda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem monopólio em sua área de atividade, e também do Banco do Brasil e da Petrobrás. Esses órgãos do governo, rasgando dinheiro com publicidade, no momento em que os partidos políticos precisam de fundos para a campanha eleitoral, causam a impressão de investimento com finalidade certa: caixa para a campanha eleitoral.

Logo no início, ao formar o Ministério, a nova presidente agiu sem adotar um critério que preservasse o interesse público e distribuiu cargos a pessoas que não mereceriam recebê-los. Por esse deslize acabou sofrendo seguidos solavancos, decorrentes de escândalos envolvendo avanço no dinheiro público. O administrador público é guindado ao cargo para cuidar de uma coisa que não lhe pertence. Daí a necessidade de ser extremamente escrupuloso e, no mínimo, honesto.

Infelizmente, verificou-se que interesses individuais prevaleceram sobre interesses públicos e a administração se processou em muitos casos como se os bens de todos pertencessem aos próprios administradores. O pior de tudo é que os escândalos na Petrobrás e nos ministérios, com demissões e episódios escabrosos sempre renovados, propagaram uma fragilidade institucional danosa para a República.

O mais grave é que não obstante esses escândalos, decorrentes de escolhas erradas, Dilma não aprendeu com os erros e continuou a escolher gente ruim para o seu governo. É inacreditável que a presidente não tenha tido o cuidado de avaliar melhor as pessoas às quais entregaria fatias do poder. É igualmente inacreditável que não se lembrasse de que o exemplo do mensalão indicava claramente a necessidade colocar gente séria e competente ao seu lado.

A fragilidade e a mediocridade de sua equipe podem ser facilmente aferidas pela circunstância de que a grande maioria de seus 39 ministros nem sequer conseguiu ser conhecida pela população. Se a escolha do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência da República dependesse da escolha de algum desses ministros, bem como do destaque por eles alcançado, é muito provável que houvesse dificuldade para chegar a um nome.

A escolha dos ministros sempre ficou marcada pela concessão de poder em troca de apoio político. Nunca se levou em conta, como se fazia necessário, a real aptidão do escolhido para gerir dinheiros públicos e tomar decisões que afetam a vida de milhões de brasileiros.

É normal que numa democracia se realizem negociações de caráter político-partidário para a composição do governo, mas isso deve ser feito com elevação, com grandeza, e não como uma forma de comprar apoio no Congresso Nacional, como se fosse um mercado. Para aprovar leis, e causar a impressão de que está governando, a presidente cedeu o tempo todo a pessoas de biografia ruim, nada escrupulosas, como José Sarney e os atuais presidentes do Senado (Renan Calheiros) e da Câmara dos Deputados (Henrique Eduardo Alves). Essas transações, lamentavelmente, são marca do governo de Dilma Rousseff e ficarão na sua biografia para sempre.

Outro ponto em que falhou ao extremo foi a indiferença, quase desprezo, à forma como milhões de brasileiros se deixaram contaminar pela degradação das drogas e pelo crime organizado, fazendo do Brasil um dos países mais inseguros do planeta. Talvez pela primeira vez em sua História, o Brasil inverteu em parte o ciclo de imigrações e passou a registrar a triste fuga de brasileiros para outros países, mais seguros, onde as famílias não precisam viver em casas protegidas por grades e com enormes preocupações. Esse fluxo ainda não é muito expressivo, mas, lamentavelmente, existe.

A entrada clandestina no Brasil de toneladas de cocaína, craque e maconha ganhou fôlego em seu governo. Essas drogas são produzidas em países vizinhos e aqui chegam com facilidade, em razão de termos com eles uma fronteira de mais de 10 mil quilômetros.

Apesar de tais substâncias virem desses países amigos, não se viu nenhum esforço efetivo do governo de Dilma Rousseff em trabalho de diplomacia, e até mesmo de investimentos, que levasse à redução da produção de drogas. Se produzidas, elas aqui chegam, tornando claro que o fundamental é impedir a produção.

Isso talvez custasse menos do que o combate ao uso da droga. Infelizmente, entre os ministros que não alcançaram o menor destaque, nem demonstraram a necessária competência, está o da Justiça, ótimo para falar e dar entrevistas, mas que não teve sucesso algum no combate ao narcotráfico. A ressaltada apreensão de toneladas de maconha e cocaína, que a toda hora é divulgada, significa tão somente que as drogas continuam a entrar no País, quando o que se espera é que não entrem.

Nesse ponto, portanto, de muita relevância porque diz respeito à segurança de cada um de nós, o governo Dilma falhou inexoravelmente. Antes dela já era ruim; com ela ficou muito, mas muito pior.

10 de julho de 2014
Aloisio de Toledo César, O Estado de S.Paulo

AGORA, A RESSACA

BRASÍLIA - Ganhar ou perder faz parte da vida. Mas a derrota com certa dose de humilhação da seleção brasileira para a da Alemanha por 7 a 1 produz uma sensação um pouco mais desoladora.

Passaram-se 64 anos desde a decepção de 1950. O imaginário local sobre ganhar "em casa" provocou um estado de transe coletivo. A nação escancarou todo o seu atraso civilizatório resumido na dicotomia reducionista e infantil do "é tóis" (o Brasil) contra "eles" (o restante do mundo), como se uma disputa esportiva fosse vital para o país conseguir sanar seus problemas.

Protofascistas pediram na internet o assassinato do colombiano que causou a contusão em Neymar. O principal telejornal do país dedicou quase 90% do seu tempo diário ao futebol. O paroxismo da patriotada.

Agora, a ressaca. Talvez seja necessário esperar algumas décadas para ter outra Copa do Mundo no Brasil. O sonho de ganhar a atual se dissipou com os sete gols alemães de ontem (8). E ainda há o "jogo mais triste de todos", com os derrotados das semifinais disputando no sábado o 3º lugar.

O mundo não acabou, mas o bom humor das últimas semanas vai se evanescer um pouco. O país voltará a se enxergar como de fato é.

Haverá efeito político relevante? Não creio. O jogador Ronaldo teve um apagão durante a Copa de 1998. A seleção brasileira perdeu de maneira contundente. Mas o tucano Fernando Henrique Cardoso, com a economia no buraco, conseguiu se reeleger presidente. Em 2006, o petista Lula foi reeleito ainda sob os eflúvios do mensalão e de uma derrota do Brasil na Copa da Alemanha.

É claro que a vitória da seleção prolongaria o estado de torpor quase geral. Ajudaria quem já está no poder, a presidente e os governadores. O despertar do sonho --ou do pesadelo-- acelera a percepção da realidade. Não é ruim. O Brasil ainda é uma nação a ser construída, e tem pressa.
 
10 de julho de 2014
Fernando Rodrigues, Folha de SP

A VOLTA À 'NORMALIDADE'

Gradual e seguramente, como sempre, o País vai voltando à normalidade.

O inesperado relacionamento com a igualdade perante a lei reforçado pela especialíssima carga simbólica de ter sido proporcionado pela ação isolada de um neto de escravos foi, afinal, somente um namoro fortuito; um amor proibido que não deu em casamento.

Joaquim Barbosa voltou para casa e a onda de indignação com tudo o que pagamos e não levamos que vinha crescendo parece que rolava mesmo mais em função do medo do que inglês pudesse ver do que daquilo que brasileiro está acostumado a tragar cotidianamente sem dar um único pigarro. Já se vai quebrando mansamente na praia do "sucesso da Copa", ameaçando transformar-se em puro refluxo se a seleção levar "o caneco".

Do "sabe com quem cê tá falando?" de sempre demos uma voltinha pelo "quem você pensa que você é?" de todo Estado de Direito, e cá estamos de volta, com a Papuda esvaziada, mesmo à custa da paciente desmontagem do Supremo Tribunal Federal, último bastião do Poder Judiciário independente. E "paciente" teve de ser, reforce-se, porque o velho esquema corporativista lusitano matizado pelas tintas de Antonio Gramsci e reciclado na nova palavra de ordem do Foro de São Paulo de hoje segue "repudiando", como sempre, o estupro comprovável, que pode suscitar reação, e concentrando-se em trabalhar a "complacência do hímen" e a dessensibilização moral da Nação para as penetrações cotidianas que corrompem aos poucos as nossas liberdades democráticas.

Que um sexto da pena, que nada! Não pra vosselências!

Aeroportos, transporte público e estádios pela metade, mas pelo dobro do preço da obra inteira? O que é que tem, afinal?! Joseph Blatter, aquele a quem é dado desfazer nossas leis a troco de uma cervejinha, já não tem mais nada contra, muito pelo contrário. O charme e a "cordialidade" do povo brasileiro, como sempre, curam tudo. Está aí a última pesquisa eleitoral pra não nos deixar mentir.

O que se vai restabelecendo, enfim, é a "normalidade" fundacional e multissecular do privilégio no país-continente de apenas 15 proprietários onde ascensão social é, até hoje, quase sempre decorrência de um "toque de Midas", só que - alto lá! - dado "em nome da revolução"...

Contraditório? Normal!

O que é, afinal, essa exumação cerimonial dos cadáveres existentes e dos cadáveres inexistentes de há meio século que nem a Constituição consegue anistiar senão a confirmação de que dar aos filhos da "classe média alta", culpados ou não, o mesmo tratamento que segue sendo dispensado cotidianamente aos meros filhos do Brasil, inocentes ou não, sem que ninguém reaja é, entre nós, crime imperdoável e imprescritível?

O Brasil assistiu dia desses pela TV à entrega cerimonial das "revelações" de diplomatas americanos dos anos 70 à "Comissão da Verdade": prisões sem mandato, "aperto" nos prisioneiros dentro de instalações militares, pau de arara, eventualmente morte sob tortura registrada como consequência de resistência à prisão... Vimos todos o ar compungido com que as recebeu e comentou aquele imaculado advogado "de classe média alta" que se apresenta como o paladino desse acerto de contas histórico.

Enquanto ouvia essas "revelações", fiquei pensando com que incrédulo escândalo não as estariam recebendo os telespectadores do Capão Redondo, do Morro do Alemão, das favelas e periferias de Maceió, de Fortaleza, de João Pessoa; os parentes dos 96% dos 57 mil brasileiros assassinados só no ano passado que nunca terão satisfação da Justiça nem indenizações. Com que indignação não se estaria dando conta dessas graves violações dos direitos humanos aquela metade dos 715.655 presos do Brasil que já cumpriu sua pena ou nunca teve culpa formada, mas continua dentro da jaula das feras sob o olhar impassível da mesma OAB daquele advogado luzidio que se quer heroína dos injustiçados do Brasil, mas pôs e continua mantendo fora da lei a advocacia "pro bono", aquela universalmente consagrada "para o bem" de quem não pode pagar, e exigindo que o Estado molhe antes a mão de quem vai descascar esse abacaxi do que se apresse a mitigar a sede de justiça do pobre.

Experimente, no entanto, "dar um Google" em "... de classe média alta é preso...". O meu computador devolveu 1 milhão e 340 mil de resultados, quase todos títulos de noticiários variados. "De classe média alta" é uma especificação que não pode faltar nas notícias dos jornais brasileiros, mas só quando se refere a atacantes. Vítima "de classe média alta" ou rica é normal. Não requer registro. Mas para atacante, no país que foi treinado a acreditar que crime é, exclusivamente, função da miséria, é imprescindível. Vai para o título porque o título está reservado para o extraordinário e aqui é indubitavelmente extraordinário seja ser "de classe média alta" e "mesmo assim" cometer um crime, seja por, mesmo o sendo e tendo-o cometido, ter sido preso por isso ainda que só para voltar logo a ser solto... de uma "cela especial", é claro.

Se a imprensa, fiscal da democracia, incorpora esse critério sem tugir nem mugir, quem é que não há de?

Pois taí: no caso das vítimas da repressão de meio século atrás, é da última vez que filho da "classe média alta" levou porrada que estamos falando, o que é inadmissível e imprescritível no país que constrói suítes especiais nos presídios quando algum deles faz por merecer ser preso e, apesar de tudo, vai, bem ao lado das celas abarrotadas e fétidas onde se amontoam os filhos do Brasil, inocentes e culpados, mas sem advogados.

Não é tanto vê-los instalarem-se no seu privilégio dando "murros revolucionários" no ar; é a mansidão quase inconsciente com que o Brasil traga e - as pesquisas mostram - tranquilamente digere tudo isso que nos diz que o privilégio continua sendo a instituição mais sólida deste país. Na pátria do "direito adquirido", onde todo mundo tem um, há quem se queixe por não tê-los bastantes e há quem arreganhe os dentes e sibile que "agora chegou a minha vez". Só não há quem realmente os condene apenas pelo que são para o resto do mundo democrático.
 
10 de julho de 2014
Fernão Lara Mesquita, O Estadão

ARMAÇÃO ILIMITADA

Mercadante é o único com vaga garantida no Dilma II
Como favorita, por estar no cargo e ter já uma equipe forjada em quatro anos de administração, na execução de um programa de governo em andamento e um projeto político pendular vacilante entre a continuidade e a mudança, a presidente Dilma Rousseff deveria ser, dos candidatos a presidente nas eleições de outubro, a mais bem resolvida. Tanto para saber o que vai fazer no futuro próximo de um segundo mandato, caso venha a ser reeleita, como com quem vai à luta, quem é seu time.

No entanto, enquanto seus adversários apresentam os principais colaboradores, notadamente entre eles aquele que deve comandar a economia, definidos para um futuro governo, dando nitidez às suas candidaturas, Dilma faz questão de informar que não tem nomes e só dará as linhas mestras de seu projeto após a eleição.
Noutras palavras, quem quiser votar em Dilma que o faça no escuro, no máximo com base na permanência da equipe atual. O que apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral como programa de sua candidatura foi um plano fantasia, para cumprir tabela legal. O eleitor que crie a expectativa que quiser sobre o que vem aí, prenúncio de que boa coisa não é, senão o governo propagaria.

Serve como garantia, e dá segurança ao eleitorado, o conhecimento de que em qualquer rumo que ingresse o candidato Aécio Neves, o fato de ter Armínio Fraga como líder da formulação do projeto dessa candidatura para a economia clareia um pouco o futuro; bem como serve como atestado de que não se cometerão desatinos ou repetições dos erros atuais a escalação de Eduardo Giannetti para a economia no time do candidato Eduardo Campos.

Não há um ministro entre os mais próximos de Dilma que se sinta à vontade para ao menos especular sobre os nomes disponíveis a convites para trabalhar em um segundo governo Dilma.

Duas informações que circulam, porém, criam mais ansiedade que solução para os graves problemas de credibilidade da equipe econômica do atual governo. Uma, é que a presidente, não abrindo agora seus planos e equipe que poderia testar, consolida a desconfiança de que pode até mesmo manter o atual comando da economia, de baixo conceito. Arno Augustin e Guido Mantega continuariam nos cargos, uma vez ela reeleita presidente.

Outra é que só há um ministro de hoje com lugar garantido no governo Dilma II, exatamente o homem do confronto, atual ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Ainda assim, não necessariamente no mesmo cargo, o que abre brechas aos temores de que, finalmente, o ex-senador por São Paulo pode, finalmente, colocar em prática suas teorias econômicas.

Certo é que Mercadante seria um ministro, na aposta de colegas, o único até o momento, a transpor os períodos I e II, por enquanto. Deve ter cargo, também, Fernando Pimentel, entre outros mais chegados, mas aqui entram dezenas de condicionantes, a primeira, no seu caso, é a eleição para governador de Minas Gerais.

Outra certeza é que o ex-marido de Dilma, Carlos Araújo, continuará sendo seu principal, senão único, conselheiro, alguém que a presidente realmente ouve e leva em consideração.
Assim, se estiver havendo busca por empresários ou juristas de renome, pessoas fora de partidos políticos da aliança que possam integrar o segundo governo Dilma, é ali, no Rio Grande do Sul, onde ele mora, que esta roda gira.

Muito pouca definição, ou sinal ao eleitorado, para a favorita na disputa que pede um segundo mandato. Enquanto a presidente segue sendo uma esfinge, é da conversa com os executivos da campanha da reeleição que começam a surgir os sinais de que esse vácuo já está sendo ocupado. Por ele mesmo, o ex-presidente Lula.

Uma reportagem esclarecedora publicada pelo Valor na segunda-feira mostra que o movimento Volta, Lula adquiriu outro tônus, mas trata das mesmas perspectivas: se Dilma perder a eleição, o ex-presidente fará campanha, na oposição, no dia seguinte à derrota, mas não é para isso que se prepara. Reeleita Dilma, o ex-presidente Lula já decidiu assumir um protagonismo que se assemelha mesmo ao comando de um governo paralelo.

Os repórteres Raymundo Costa e Andrea Jubé contaram que nas hostes de Lula e Dilma formula-se um modelo em que fica evidente o papel de Chefe de Estado para a presidente Dilma e chefe de governo para o ex-presidente Lula.

Os mais próximos a Lula, que o representam no comando da campanha da reeleição, avisam que o ex-presidente terá uma atuação "proativa".
Um jargão diplomático para uma ação que se pode imaginar muito pouco diplomática.

Informam, por exemplo, que a movimentação de Lula após as eleições- em direção a partidos aliados, ao Congresso, aos movimentos sociais, aos empresários, aos sindicatos - forçará Dilma também a conversar mais, a incorporar o diálogo ao processo político.

Devagar se chega ao ponto: Lula, assinalam, deverá liderar o debate sobre propostas de que Dilma eventualmente não queira tomar a frente. Ou seja, fará o ex o que a atual não quiser fazer no governo para o qual foi eleita. Parece algo estapafúrdio mas é o que prometem e preveem. Nesse caso está o exemplo do projeto de controle da mídia, agora já aprovado por Lula e ainda sub-judice nas intenções de Dilma em um segundo tempo.

Lula poderia, ainda, noutro exemplo, ter posição diferente de Dilma sobre assuntos econômicos, como a política de desonerações, admitem os assessores de campanha. Daí para impor um nome para comandar a economia - Lula já queria trocar Guido Mantega e Arno Augustin há muito tempo, optando por uma solução de mercado -, seria um pulo.

Sem ter uma segunda reeleição pela qual resistir às interferências, Dilma seria forçada a ter seu governo com um pé em cada canoa e veria o impaciente ex-presidente, que não quis desbancá-la da candidatura à reeleição, fazer sua volta em 2014 mesmo deslocando o centro do poder precocemente.

Acenando com a perspectiva da glória formal logo ali, em 2018, para onde marcharia em campanha incessante a partir da reeleição da atual presidente. É Lula 2018 na travessia de 2014. Com Dilma no cargo.

10 de julho de 2014
Rosangela Bittar, Valor Econômico
 

ILUSÃO À TOA

A vitória da técnica sobre o improviso no vexame planetário de ontem na partida entre Brasil e Alemanha pareceu corroborar a escrita: não se pode fazer tudo errado esperando que no fim dê tudo certo.

A despeito disso, em um ponto situação e oposição estão de acordo: o Brasil tem sido anfitrião de uma Copa do Mundo inesquecível. Ainda que não tenha saído tudo certíssimo conforme o figurino ideal, saiu tudo na medida do agradabilíssimo.

É a Copa de um país de sorte. Ou melhor, um país onde ocasionalmente dá tudo certo apesar de todos os pesares. Nada para se orgulhar. Ao contrário, é para fazer pensar.

Se no improviso, na base da simpatia é quase amor, na reversão da expectativa que de tão negativa faz dos erros meros detalhes nos safando do desastre, é de se imaginar o que faríamos com planejamento correto, cumprimento de prazos, gastos dentro da previsão, respeito ao cidadão local.

Seríamos coletivamente mais felizes. Ou, por outra, teríamos mais razões objetivas para sermos essas pessoas cuja amabilidade tanto tem impressionado os estrangeiros. Novidade nenhuma, uma vez que o Brasil aparece em pesquisas como um dos países cuja população tem alto grau de satisfação pessoal.

Um pouco dessa capacidade de organizar e produzir se expressa no sambódromo do Rio de Janeiro naquele espetáculo de sincronização algo incompreensível para quem já participou de um desfile e pôde testemunhar o grau de improvisação na concentração em contraposição ao profissionalismo do resultado na passarela.

Assim foi também na Jornada Mundial da Juventude, em 2013, quando por aqui esteve o papa Francisco e provavelmente será na Olimpíada de 2016. Mas não se pode viver assim na base do remendo, na ilusão de que no limite a presumida nacionalidade do Divino dá seu jeito.

Trata-se de uma falsa competência. Realiza o sucesso ocasional, mas é incompetente para proporcionar ao povo de maneira permanente condições mínimas de conforto e bem-estar.

Daqui a menos de cinco dias tudo volta ao normal. E por "normal" entenda-se o que é absolutamente anormal: insegurança nas ruas, trânsito caótico, sistema de transportes deficiente, contas a pagar das obras superfaturadas, economia devagar quase parando, preços subindo, serviços públicos de quinta, uma realidade muito distante do Brasil maravilha disponível à diversão geral.

Nada do que se viu nesses dias era de verdade em relação ao cotidiano. Todo o empenho dos governos federal e estaduais esteve voltado para atender às exigências do Mundial. Concentraram-se esforços e o resultado foi positivo.

Se isso é possível ocasionalmente para efeito externo, seria também possível permanentemente para efeito interno.

O grande legado da Copa não são aeroportos modernos nem "arenas" ao molde de elefantes brancos. É, sim, a percepção de que nossos governantes podem, mas não fazem o melhor porque tratam o Brasil como uma nação de vira-latas.

Olho vivo. No ano passado Eduardo Campos comentava assim as especulações de que poderia aceitar a proposta de desistir em troca do apoio do PT a uma candidatura em 2018: "Tem gente que ainda espera o cumprimento de compromissos firmados em 1989".

Sinalizava que não seria ele a acreditar em acordo futuro lastreado em palavras não cumpridas no passado.

Sou você. O ex-presidente Lula está se movimentando (e falando) de modo a dar às suas plateias - principalmente aquelas formadas por empresários e políticos - a impressão de que um segundo mandato de Dilma Rousseff seria um ensaio geral para o retorno dele de fato e de direito em 2018.

Com isso, ele promete nos próximos quatro anos um ambiente mais Lula e menos Dilma.

 
10 de julho de 2014
Dora Kramer, O Estadão

O MINEIRAZO E DILMA


Assim como Dilma não faz gol, nem defende pênalti, também não escala o time. Por isso, nada tem a ver com o vexame protagonizado pela seleção brasileira na tarde de ontem no Mineirão. Mais uma vez, porém, foi xingada por parte da torcida presente ao estádio, em igualdade de condições com Felipão e Fred.

Nada mais equivocado do que essa repetição de comportamento, mas, mais uma vez, a equipe de marketing que assessora a candidata à reeleição errou na dose ao imaginar que a campanha da seleção poderia reverter em seu benefício, que não tem nada a ver com o sucesso do campeonato.

Até mesmo a derrota desmoralizante é mais um ingrediente para tornar esta a Copa das Copas, por razões alheias à atuação do governo. Dentro dos estádios, a Copa pode ser considerada a melhor de todos os tempos, e provavelmente a goleada de 7 a 1 sofrida pelo Brasil vai consolidar o recorde de gols marcados nesta edição.

Ficou claro, à medida que a seleção brasileira chegava aos trancos e barrancos à semifinal, que o Palácio do Planalto arvorou-se o responsável pelo sucesso da Copa, e tudo estava sendo preparado para que a presidente Dilma revertesse a situação da abertura, quando, mesmo não discursando por temor das vaias, foi xingada em uníssono no Itaquerão.

Com a seleção se classificando para as semifinais, Dilma confirmou que entregaria a taça ao campeão e classificou as vaias como ossos do ofício , na afoita esperança de que, entregando a Copa do Mundo ao capitão brasileiro Thiago Silva, tudo lhe seria perdoado. Fez de tudo para associar sua imagem à da seleção pretensamente vitoriosa, fazendo até o é tois do Neymar para exibir-se nas redes sociais.

Mais grave, fez uma ligação direta - mais desastrada do que os passes longos da defesa brasileira para o ataque inexistente - entre o sucesso da Copa e as previsões pessimistas para a economia brasileira este ano. Como seus críticos supostamente erraram nas previsões catastróficas sobre a realização da Copa do Mundo, Dilma achou-se no direito de dizer que as previsões catastróficas para o crescimento de nossa economia também não se realizarão.

Se a seleção em campo não justificava um otimismo tão grande assim, mas ia seguindo em frente, na economia nada indica que uma previsão otimista tenha base na realidade. Nos últimos 30 dias, vivemos em um país, pelo menos nas 12 capitais que sediam a Copa, que um dia poderá ser, mas ainda não é.

Mesmo o desabamento do viaduto em Belo Horizonte, que sinaliza a decadência de nossas obras públicas e o açodamento com que o PAC da mobilidade está sendo tocado, não provocou grandes reações, pois estávamos todos anestesiados pelo encantamento do futebol.

A fantasia da Copa do Mundo, que fez o país sair de sua realidade para criar uma bolha de felicidade e segurança nos últimos 30 dias, neutralizou por efêmeros momentos as consequências de uma política econômica que produz resultados desastrosos.

Mas eles estão aí, vigendo enquanto a bola rola nos estádios padrão Fifa e, assim como voltariam a ditar a vida dos brasileiros na próxima segunda-feira, na hipótese de uma vitória da seleção brasileira numa final que não acontecerá, retornaram ontem mesmo diante da tragédia do Mineirazo. A inflação superando o limite máximo aceitável é uma demonstração de que os efeitos perversos da política econômica são inexoráveis mesmo no país do futebol.

Já tivemos a tragédia do Maracanazo, quando perdemos a final da Copa de 1950 para o Uruguai em pleno Maracanã. Tivemos a tragédia do Sarriá, quando a notável seleção de 1982 perdeu para a Itália por 3 a 2 quando dependíamos apenas de um empate. Mas nunca uma seleção perdeu de 7 em uma semifinal, onde os jogos são equilibrados geralmente, nem nunca uma seleção brasileira perdeu de 7.

Nada disso teria a ver com a presidente Dilma se ela não tivesse tentado afoitamente se aproveitar da Copa em benefício de sua candidatura. Tendo feito isso de caso pensado, a tragédia de ontem volta-se também contra ela.

10 de julho de 2014
Merval Pereira, O Globo

O RISCO DE UMA CAMPANHA TIPO ZÚNIGA

Os candidatos não se decidiram entre um joelhaço nas costas ou um gol como o de James Rodriguez

Nos próximos dois meses não vai ter Copa, vai ter campanha eleitoral. Da Copa ficará a lembrança de uma festa, de um desastre, das traficâncias dos amigos da Fifa, do soco de Rodrigo Paiva em Pinilla, da mordida de Suárez em Chiellini e, acima de tudo, do joelhaço de Zúñiga em Neymar. Caberá a Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos decidir que tipo de campanha farão. Podem escolher a elegância de James Rodriguez ou um modelo Zúñiga 2.0. Um jogou para um gol inesquecível. O outro, para destruir o adversário.

Em 2002 os Zúñigas do tucanato apresentavam uma eventual vitória de Lula como a bancarrota do país. (Um dólar de R$ 4 era boa aposta.) Em 2006 foi a vez dos Zúñigas petistas: se Alckmin fosse eleito, venderia a Petrobras. Quatro anos depois, Dilma Rousseff, por sua posição diante do aborto, seria uma matadora de criancinhas. Os dois lados prenunciavam o fim do mundo.

Até agora nenhum candidato mostrou simpatia pelo modelo de James Rodriguez. A doutora Dilma lançou-se com platitudes ("Brasil sem Burocracia", "Banda Larga para Todos"). Aécio Neves oferece "gestão", um conceito saudável, porém neutro, como as boas maneiras. Os repórteres Vandson Lima e Raquel Ulhôa mostraram que no dia 28 de junho o doutor Eduardo Campos comprometeu-se a garantir escolas em tempo integral para todas as crianças do país. Foram procurar a boa nova nas diretrizes gerais que ele registrou no TSE uma semana depois e, cadê? Sumiu a promessa.

Enquanto os candidatos procuram as costas dos adversários, nos últimos meses o Congresso aprovou dois contrabandos em medidas provisórias. Num, aliviava os planos de saúde das multas impostas por negativas de atendimento à freguesia. O gato foi aprovado por todas as bancadas. Felizmente, a doutora Dilma vetou-o. Não fez o mesmo com outro, que matou o sistema de licitação para a concessão de serviços de ônibus interestaduais. Há outro gato na tuba: uma emenda à MP 641, que alivia as dívidas de sonegadores com o fisco, estende o mimo a prefeitos condenados a ressarcir a Viúva por atos de improbidade administrativa. A ver se os candidatos têm algo a dizer ou se isso está acontecendo em Marte.

Zúñiga está em campo, mas assim como houve Copa, há um Brasil capaz de surpreender seus instintos animais. Nele, tucanos e petistas sabem jogar bola. Por exemplo: o "British Medical Journal" acaba de publicar uma pesquisa associando o Programa Saúde da Família (o maior do mundo) a uma redução de 21% na mortalidade por doenças cardíacas no municípios onde opera. A mortalidade por acidentes vasculares cerebrais caiu 18%. O trabalho, de Davide Rasella, Michael Harhay, Marina Pamponet, Rosana Aquino e Mauricio Barreto, não crava uma relação de causa e efeito, mas mostra que a prevenção oferecida pelo programa foi relevante para o bom resultado.

O "Saúde da Família" deslanchou em 1995, durante o tucanato. A pesquisa cobriu dados de 1.622 municípios entre 2000 a 2009. Portanto, foram dois anos de governo tucano e sete petistas. Segundo o modelo Zúñiga, os tucanos desviavam verbas da saúde e os petistas aparelharam o programa. Na vida real, ambos contribuíram para que a saúde dos brasileiros melhorasse.

 
10 de julho de 2014
Elio Gaspari, Folha de SP

"DILMAR" TROPEÇA NA BOLA

Depois da partida de sexta-feira, em que o Brasil venceu a Colômbia e perdeu Neymar, a equipe da presidente Dilma Rousseff programou para daí a três dias um bate-papo entre ela e internautas sobre um único e óbvio assunto: a Copa. Tanto se tratava de uma jogada eleitoral que a primeira ideia foi usar a página que o PT administra na rede social em nome da candidata. Aí, abandonando-se ao cinismo, resolveram dar um tom "institucional" à marquetagem, transferindo a conversa para a página oficial da Presidência da República.

Foi tudo confeccionado para parecer uma interlocução natural entre a dirigente do País e cidadãos-torcedores, na véspera da penúltima das sete etapas que a seleção precisa superar para chegar ao hexa. Mas a manobra apenas serviu de escada para Dilma subir o tom dos ataques aos seus críticos, apropriar-se do bom andamento do Campeonato, como se fosse mais uma das incontáveis realizações fictícias do seu governo, e forçar uma identificação, para brasileiro ver, com o craque excluído das finais. "Dilmar" não se limitou a soltar o verbo fácil e ensaiado dos elogios ao ídolo "guerreiro" e da comunhão com a sua dor ao ser atingido, que "feriu o coração de todos os brasileiros".

Mandando às favas o senso de ridículo que manda o respeito que se lhe atribua, colocou na internet uma foto em que aparece apoiando o braço esquerdo sobre o punho do direito, numa simulação patética do "É tóis". Trata-se do divertido gesto que Neymar inventou para ilustrar a sua versão do dito "É nóis", que se tornou uma das marcas desse jovem sempre criativo dentro e fora das quatro linhas. Bem que a presidente, ela mesma, avisou há pouco mais de um ano: "Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição". Infernal, festejou a "belezura" que enxerga no torneio apenas para distribuir caneladas, chamando os adversários, grosseiramente, de "urubus".

Ela os culpa pelo "indevido pessimismo" que antecedeu a Copa. Indevido por quê? A imprensa - a ré que ela se guardou de nominar - deu margem, sim, a fundamentadas dúvidas sobre o preparo do País para acolher o mais popular evento esportivo do mundo, ao descobrir, divulgar e debater os muitos malfeitos (em todos os sentidos do termo) que precederam a competição. Não fez mais do que o seu dever. Se isso ressoou no Planalto como oposicionismo, nada mais adequado, também. "Jornalismo é oposição", dizia o genial Millôr Fernandes (1923-2012). "O resto é armazém de secos e molhados." Se, afinal, tudo acabou bem - descontado o viaduto que desabou em Belo Horizonte, matando dois -, tanto melhor. Mas não foi por obra e graça da presidente.

Esperta, Sua Excelência. Em dado momento do chat, para desdenhar das críticas, ela equiparou as previsões pessimistas em relação à Copa às que cercam, com mais razão ainda, o desempenho da economia este ano. A taxa do PIB em 12 meses mal supera 1%. Ninguém com a cabeça minimamente no lugar aposta numa metamorfose que redima os desastres da política econômica. Mas - e aí reside a esperteza dilmista - o resultado final do ano só será conhecido em começos de 2015. A essa altura, a presidente ou terá sido reeleita ou terá deixado o Planalto. Em qualquer hipótese, não haverá quem perca o seu tempo lhe cobrando o despropósito de agora.

Bem pensadas as coisas, o empenho da candidata em tirar proveito eleitoral da festa esportiva, para não falar do que fará se a seleção for campeã, parece ignorar dois fatos básicos. De um lado, se é verdade que aumentou a adesão popular à realização do evento no Brasil - ajudando a presidente a subir três pontos na mais recente pesquisa -, é verdade também que, na casa de 63%, o apoio à Copa seria notável nos Estados Unidos, digamos, mas está aquém do que se poderia esperar no país do futebol, na pátria em chuteiras. De outro lado, não há relação previsível entre o desfecho do Campeonato e o da disputa nas urnas. O Brasil pode ganhar, e Dilma perder. Ou vice-versa. Seja lá o que se possa supor a respeito está confinado ao rarefeito espaço das probabilidades.

Oitenta e quatro dias separam a final do próximo domingo e a votação no primeiro domingo de outubro. Esses são, metaforicamente, os 90 minutos decisivos.

 
10 de julho de 2014
Editorial O Estadão

PÁTRIA SEM CHUTEIRAS

Derrota brutal da seleção brasileira diante da Alemanha talvez possa representar o fim de uma era dentro e fora do futebol

Nem mesmo o mais delirante pessimista poderia ter previsto o resultado do jogo entre Brasil e Alemanha, ontem, no Mineirão.

O vexame histórico, ainda que não numa final de campeonato, vem eclipsar o famigerado "maracanazo" de 1950. Naquela ocasião, com apenas um gol --o de desempate-- o time do Uruguai destruiu os sonhos brasileiros.

Nesta terça-feira, a saraivada de gols alemães, inédita sob vários aspectos nos anais da Copa do Mundo, fez mais do que destruir a possibilidade de uma taça erguida em terras brasileiras. É como se nem sequer a possibilidade tivesse, em algum instante, chegado a existir.

O desempenho da seleção diante da Alemanha foi inferior ao das piores equipes desta Copa. Nem resta o perverso consolo de encontrar bodes expiatórios, culpados pelo desastre. Deu tudo errado: física, técnica, emocionalmente.

A frustração --mas o termo é leve demais para descrever o que aconteceu-- talvez possa, com o tempo, enquadrar-se num contexto diverso daquele que marcou, até hoje, as relações do brasileiro com seu esporte mais popular.

Já constituía um fenômeno curioso que, no chamado país do futebol, tenham se observado movimentos expressivos, ainda que isolados, de oposição a que a Copa do Mundo se realizasse por aqui.

A ideia de uma "pátria em chuteiras", na célebre formulação de Nelson Rodrigues, terá provavelmente sofrido um subterrâneo desgaste ao longo dos anos. Um país mais diversificado, plural e rico foi deixando de ver, nos campos de futebol, sua única fonte de compensação diante dos muitos insucessos de seu projeto econômico e social.

Não é a hora, certamente, de procurar raciocínios consoladores diante de um acontecimento que espanta e desconsola dezenas de milhões de brasileiros. O resultado do Mineirão foi o que foi: humilhante, inacreditável, devastador.

O real, sem ambiguidade possível, impõe-se sobre todas as expectativas. Não eram, pelo desempenho das diversas equipes, totalmente injustificadas, mesmo que o futebol brasileiro, por tantas décadas temido e reverenciado, já não apareça na vanguarda do esporte.

Injustificado, talvez, tenha se provado o hábito de depositarmos tanto de nossa identidade nacional num único esporte, num único campo, num único jogo --que sempre é o de hoje.

A paixão futebolística sobreviverá, é claro, ao pesadelo de ontem. Mas o massacre, no que teve de brutal e inesquecível, não maculou apenas a mística da camisa verde-amarela; talvez venha a significar também o encerramento de uma época em que país e estádio, povo e torcida, governantes e técnicos, nação e seleção tendem a ser vistos como a mesma coisa.

A Copa, cumpre lembrar, não acabou. Resta aos jogadores a dura missão de, após esse choque, lutar de forma honrosa pelo terceiro lugar. Acima disso, resta a todos os brasileiros a responsabilidade de continuarem sendo os bons anfitriões que se mostraram até aqui.

Talvez se possa dizer, a partir de agora, que o Brasil é maior que seu futebol --e que tem desafios mais importantes, e maiores, a vencer.


10 de julho de 2014
Editorial Folha de SP

VEXAME DEIXA LIÇÕES

Foi doloroso para o torcedor brasileiro ver a Seleção ser massacrada pela Alemanha quando o sonho do hexacampeonato já assumia contornos de realidade, mas a derrota no campo de jogo, principalmente da forma como ocorreu, sempre deixa ensinamentos preciosos para a construção de um futuro melhor.
Foi a derrota de 2002 para o próprio Brasil que fez a Alemanha se conscientizar de que somente com um planejamento cuidadoso poderia melhorar sua performance nas próximas competições.
A partir de então, a Federação Alemã de Futebol (DFB) e a Liga Nacional _ responsável pela Bundesliga, o campeonato local _, adotaram medidas para mudar o futebol nacional.
A Liga condicionou a licença da primeira divisão aos clubes que montassem academias formadoras de jovens. Depois, estendeu esta medida à segunda divisão.
Paralelamente, a DFB criou centros de treinamentos para crianças abaixo de 14 anos, em integração com escolas. Ao mesmo tempo, os alemães mandaram técnicos para o exterior, para formação em países considerados referência em treinamento de jovens.

Claro que isso tudo só foi possível com muito investimento de recursos, mas os resultados logo se fizeram notar. Os clubes alemães passaram a se destacar e a disputar os principais títulos europeus.

E a seleção que vai para a final da Copa no Brasil é a consequência direta desse trabalho. Nada ocorre por acaso.
Com o vexame de ontem, o pior da história do futebol brasileiro, temos que pelo menos assimilar os ensinamentos dos vencedores.

O Brasil já conquistou cinco títulos mundiais, mas não pode mais continuar dependendo do improviso e da criatividade intuitiva dos seus jogadores. Chegou a hora de uma revolução inteligente no futebol brasileiro, que inclua seriedade na organização e investimentos na formação de futuros atletas.

Os alemães estão mostrando como se faz. Em vez de nos revoltarmos e procurarmos culpados, o mais sensato é reconhecer a superioridade dos nossos oponentes, aplaudi-los e ter humildade para aprender o que eles já aprenderam.


Se o país conseguiu organizar uma Copa bem-sucedida, contra todas as expectativas, também pode reorganizar o seu futebol para que volte a ser vencedor.
 
10 de julho de 2014
Editorial Zero Hora

PLANOS NA JUSTIÇA

A exemplo do que ocorre há tempos na rede pública, usuários de planos de saúde têm recorrido cada vez mais à Justiça para obrigar operadoras a custear tratamentos e drogas.

Como mostrou reportagem desta Folha, estima-se que as demandas judiciais contra as principais redes de atendimento estejam aumentando 5% ao ano, acima do crescimento desse mercado.

Não há como impedir que cidadãos recorram ao Judiciário sempre que se sintam lesados em seus direitos --nem faria sentido fazê-lo.

A Justiça desempenha papel fundamental no campo da saúde suplementar. Não apenas evita que as operadoras adotem a solução fácil de sempre negar ou retardar cobertura, como ainda induz os gestores a aprimorar o atendimento.

Como novas terapias e procedimentos costumam ser mais caros e complexos, a tendência do administrador é postergar ao máximo sua adoção. Nesse contexto, a interferência de um poder externo tende a reequilibrar o jogo.

É evidente que o direito à saúde implica custos, que costumam ser elevados.

Cada tratamento determinado pela Justiça, e mesmo a inclusão de novas coberturas, será pago pelo conjunto de usuários de planos, via aumento de mensalidades. Uma vez que os gastos com saúde são dedutíveis do Imposto de Renda de empresas e pessoas físicas, é possível argumentar que a conta se estende até mesmo para cidadãos que não têm seguro.

Se é necessário que o Judiciário seja o árbitro final, é igualmente importante evitar a concessão quase automática de liminares.

Tamanha judicialização contribui para encarecer cada vez mais os próprios planos --os custos das operadoras com advogados são repassados aos consumidores, alimentando a inflação do setor, já bem acima dos reajustes salariais.

A melhor maneira de encontrar um ponto de equilíbrio é por meio de uma regulamentação clara, que defina o que está na cobertura dos planos. A Justiça tem de ser acionada só em situações extremas, e não como rotina.

 
10 de julho de 2014
Editorial Folha de SP

PARA ALÉM DA COPA


Talvez a fama de país da impunidade tenha estimulado pessoas indesejadas a vir ao Brasil apesar da restrição. Ou a certeza do comigo não acontece. Quem sabe a aposta na sorte. Entre tantos torcedores, seria impossível identificar os barrados nos estádios. Seja qual tenha sido a motivação, um fato é indiscutível. Todos perderam.
A Polícia Federal impediu (de 12 de junho a 7 de julho) que nada menos de 267 estrangeiros entrassem no território nacional. Procedentes de 26 países, eles caíram na rede por diferentes razões. Alguns eram integrantes de torcidas violentas. Outros, investigados por crimes no exterior. Um, norte-americano, suspeito de pedofilia.

O êxito da operação se deve a planejamento estratégico cuidadoso. De um lado, o intercâmbio de informações. De outro, a integração de policiais internacionais - além dos brasileiros, profissionais de 31 nações que disputaram a Copa do Mundo, de cinco países fora do certame, de integrantes da Interpol, da ONU e de outros organismos mundiais. Reunidos em centro de cooperação em Brasília, foi possível dar agilidade à troca de informações.

Até espertinhos, que conseguiram burlar a vigilância policial nas fronteiras e nos aeroportos, tiveram a alegria interrompida. Descobertos, foram deportados ou intimados a se retirar em prazo determinado. É o caso do italiano que se disfarçou de cadeirante ou do líder barra brava que diz ter visto a partida Argentina x Suíça em São Paulo, disfarçado de torcedor suíço.

Graças aos cuidados, os jogos têm transcorrido com indiscutível segurança. Famílias vãos aos estádios sem medo, com a certeza de usufruir o espetáculo da bola. A guerra se restringe ao campo, disputada por pés e cabeças. As torcidas se manifestam com as armas da civilidade - aplausos e gritos de apoio ou vaia. Nada mais adequado ao espírito esportivo, em que deve imperar a disputa sem dar vez a qualquer tipo de violência.

A contenção da barbárie deve figurar entre os legados da Copa do Brasil. Mas não deve se restringir ao Mundial que ocorre a cada quatro anos. A lição aprendida precisa ser aplicada nos jogos nacionais e internacionais. E torcedores individuais ou integrantes de torcidas organizadas devem ter uma certeza: a violência tem preço. Além da punição penal, a proibição de entrar em estádios onde ocorram disputas.

Com os recursos da tecnologia, a troca de informações e a identificação dos envolvidos em barbáries não constituem tarefa de difícil execução. Basta a vontade de levar o projeto avante. A Copa de 2014 serve de exemplo.

10 de julho de 2014
Editorial Correio Braziliense
 

FICHA LIMPA TEM DE SER APLICADA COM O DEVIDO RIGOR

Preocupa a capacidade que terão a Justiça e o Ministério Público para processar o grande volume que se espera de candidatos passíveis de serem enquadrados na lei

As primeiras eleições gerais sob a Lei da Ficha Limpa precisam provar que esta barreira contra a invasão da vida pública por corruptos e criminosos em geral, condenados na Justiça ou esfera administrativa, existe para valer.

Ainda mais no país em que há leis que “pegam” ou não, é difícil aplicar na prática um dispositivo legal contrário aos interesses de parte dos políticos. A própria história da Ficha Limpa justifica todo cuidado e atenção da sociedade para que não haja retrocessos. Que ela não seja revogada na prática pela omissão de agentes públicos responsáveis por acioná-la.

Oriunda de ampla mobilização social, deflagrada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a proposta da lei foi apresentada ao Congresso como projeto de origem popular, apoiada por mais de um milhão de assinaturas de eleitores, como previsto na Constituição, e só foi aprovada, em 2009, devido à vigilância da própria mobilização política. Vigorou no pleito municipal de 2012 e agora enfrenta o grande teste das eleições gerais — para presidente, governadores, Câmara dos Deputados, parte do Senado, além de Casas legislativas estaduais.

Antes da Ficha Limpa, valia o preceito constitucional do “transitado em julgado”. Ou seja, apenas a condenação final, esgotados todos os recursos, era considerada pela Justiça Eleitoral na avaliação do registro das candidaturas. Ora, dada a proverbial lentidão dos tribunais brasileiros, corruptos e outros réus, mesmo condenados em instâncias iniciais com base em sólidas e irrefutáveis provas, podiam ocupar cargos eletivos e se beneficiar de imunidades legais.

Quem podia contratar bons advogados, conhecedores dos meandros da legislação, levava grande vantagem. Político profissional passou a ser atividade ambicionada por criminosos.

Com a Ficha Limpa, condenações em segunda instância e/ou por colegiados, incluindo a esfera administrativa, já são suficientes para impedir o registro de candidatura.

Preocupa é a capacidade da Justiça Eleitoral, nos estados e no Tribunal Superior, de processar os pedidos de impugnação de candidaturas. Levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, revelado pelo GLOBO, contabiliza cerca de 14 mil políticos e agentes públicos condenados nos tribunais passíveis de serem barrados pela Ficha Limpa.

Agrava o problema o prazo legal de apenas cinco dias, contados a partir do pedido de registro do candidato, para que o MP ou partidos possam fazer a impugnação. Espera-se que haja estrutura para a Ficha Limpa ser aplicada na prática.

A eficiência da Justiça Eleitoral, porém, não aconselha otimismo. Pelo menos no Rio de Janeiro, 15 deputados estaduais, 21% da Alerj, ainda respondem a 23 processos, e 12 são candidatos à reeleição. Entre eles, Paulo Melo (PMDB), presidente da Casa.
 
10 de julho de 2014
Editorial O Globo