"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

DESPERDÍCIO

Intervenção do BC no câmbio não se deve à volatilidade, mas, sim, à política para controlar avanço da inflação

O Banco Central anunciou a continuação de seu programa de intervenção sobre a taxa de câmbio iniciado em agosto do ano passado. Naquele momento o Federal Reserve emitira os primeiros sinais que poderia alterar sua política, perspectiva que elevou o rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro norte-americano para quase 3% ao ano, fortalecendo o dólar relativamente às demais moedas, entre elas o real.

Em resposta à elevação do dólar, que chegou a valer quase R$ 2,45, o Banco Central passou a intervir nos mercados futuros de câmbio. A justificativa para a intervenção, apesar do regime de câmbio flutuante, era a necessidade de prover proteção ("hedge") aos agentes econômicos, assegurando que o Banco Central não tinha um objetivo no que diz respeito ao nível da taxa de câmbio, mas que procurava apenas reduzir sua volatilidade.

Desde então, a taxa de câmbio passou quase 90% do tempo no intervalo de R$ 2,20 a R$ 2,40, resultado que pode tanto sinalizar sucesso na moderação da volatilidade como a adoção implícita de uma banda cambial naquele intervalo, isto é, um dólar nem tão barato que prejudique as contas externas nem tão caro que ameace o já precário controle da inflação.

Já eu estou convencido que a segunda hipótese oferece uma explicação melhor do que se passa no mercado brasileiro de câmbio.

Houve, é claro, redução expressiva da volatilidade. No período entre agosto e setembro do ano passado, essa chegou a ficar algo como duas vezes superior à sua média histórica recente; já nos últimos meses tem ficado em torno da média, fenômeno que a análise mais apressada tenderia a atribuir à intervenção do BC.

Ocorre que outras moedas sul-americanas, notadamente as da Colômbia, do Peru e, em menor medida, do Chile, passaram por processo semelhante, tanto a elevação da volatilidade em relação a seu padrão histórico no terceiro trimestre de 2013, como a reversão à média no segundo trimestre deste ano. E, é bom notar, não houve nestes países intervenção tão pesada como a promovida pelo BC, que vendeu no período pouco mais de US$ 90 bilhões no mercado futuro.

Tal fato sugere, portanto, que a volatilidade excessiva, motivo alegado pelo BC para iniciar o processo de intervenção, já não é tão sério quanto foi no terceiro trimestre do ano passado. Ainda assim o BC se decidiu pela continuação do programa, cujo anúncio chegou a levar a taxa de câmbio brevemente abaixo dos R$ 2,20/US$.

Isso sugere que, a despeito de eventuais protestos de lealdade por parte do Banco Central ao regime de taxas flutuantes, não é o excesso de volatilidade que o induz a intervir no mercado de câmbio. Pelo contrário, por mais que não admita isto publicamente, fica claro que o Banco Central tem, sim interferido, para manter o real dentro de patamares que julga confortáveis.

E "conforto" nas condições atuais significa essencialmente manter a taxa de câmbio em níveis que o Banco Central acredita serem compatíveis com o controle da inflação, aqui entendido como a manutenção desta pouco abaixo do limite superior do intervalo de tolerância ao redor da meta (que, não esqueçamos, é 4,5%).

Dado que o BC abriu mão da política monetária --muito embora suas próprias projeções sugiram inflação próxima ao teto da meta nos próximos 12 a 15 meses--, só lhe resta administrar a taxa de câmbio para tentar evitar que até mesmo este limite seja ultrapassado, ainda que para isto tenha que vender mais US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões até o fim deste ano.

Isso dito, como o próprio BC parece (ou deveria) saber, há o risco da calmaria na frente externa ser temporária, em particular caso a recuperação americana seja mais forte do que hoje se imagina.

A munição hoje empregada para manter a taxa de câmbio artificialmente valorizada, e assim atenuar os riscos inflacionários, poderá fazer falta num cenário de maior turbulência no mercado global de câmbio, mas pensar lances à frente não é o forte deste BC.

10 de julho de 2014
ALEXANDRE SCHWARTSMAN

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