"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

A PROMESSA DA PRIMAVERA ÁRABE ESTÁ EXTINTA, EM GRANDE MEDIDA, E COM APOIO OCIDENTAL




Esperanças de mudança democrática foram substituídas por medos de ditaduras e califados. O principal desapontamento é a região do Egito, onde os ideais da Praça Tahira terminaram em governo de ditador militar, ainda mais autoritário que Mubarak. A Fraternidade Muçulmana – que venceu todas as eleições às quais concorreu depois da Primavera Árabe – foi declarada organização terrorista, com centenas dos seus principais líderes já condenados à morte.

E tudo isso aconteceu com apoio do ocidente: o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, entregou recentemente mais de meio bilhão de dólares ao regime golpista do general Sisi.
E a situação na Síria tem levado alguns a pensar se, comparado aos jihadistas, o regime do presidente Assad não será, afinal, a melhor opção.
O ocidente dá sinais de estar mais do que apenas tentado a apoiar qualquer ditador que apareça no Iraque, se der sinais de que conseguirá manter sob controle o Estado Islâmico.
Em outras palavras, o Ocidente já está revertendo à sua tradicional política para o Oriente Médio, de apoiar regimes autoritários que mantenham sob rédea curta sejam os islamistas radicais sejam os democratas liberais.

Quando George Bush e Tony Blair invadiram o Iraque, promoveram a ideia de que o ocidente estaria enfrentando ameaça jihadista global comandada pela al-Qaeda. Toda a Guerra Global ao Terror  foi feita contra um único inimigo: o Islã radical.
De início, cada manifestação dessa ameaça foi atacada com força massiva, a começar no Afeganistão. Mais recentemente, as ofensivas do ocidente têm sido menos consistentes.

FRAQUEZA OCIDENTAL?

Os  jihadistas no Mali foram atacados, mas al-Shabaab não foi incomodada na Somália. Para alguns, o não agir em alguns casos sinalizaria fraqueza ocidental. “O ponto de partida é identificar a natureza da batalha: é batalha contra o extremismo islamista.
A batalha é essa” – escreveu Tony Blair em ensaio publicado em sua página internet, redigido como resposta aos avanços do ISIL no Iraque. Na sequência, recomendou outra – possivelmente ilegal – intervenção militar.

Outros, menos comprometidos com o passado, fazem análise diferente: ao mesmo tempo em que os jihadistas estão envolvidos em várias lutas contemporâneas, os vários conflitos envolvem teia complicada de muitos outros fatores.
Já não há um único inimigo – se é que algum dia houve inimigo único – dedicado a atacar o ocidente. Há várias forças separadas, cada uma com agenda própria e seus próprios motivos, que têm a ver, principalmente, com inimigos locais.
Cada conflito tem sua própria história e sua própria dinâmica.

No Iraque, a atual rebelião é movida, não por antiamericanismo ou hostilidade contra o ocidente em geral, mas, mais, pelo sectarismo, a corrupção e a incompetência do governo Maliki.
Os xiitas iraquianos e seus apoiadores iranianos, ao lado dos sunitas moderados e até de curdos, todos têm agora um interesse comum em se opor a al-Baghdadi – o que eles mesmos podem fazer com muito maior eficácia que o exército dos EUA.
De fato, tropas dos EUA deslocadas para lá serão como fantoches nas mãos de al-Baghdadi e Zawahiri.

DECLARAÇÃO BELICOSA

Em fins de junho, David Cameron disse à Casa dos Comuns do Parlamento que o ISIL poderia tomar o controle do norte do Iraque e instalar lá um governo:
“O pessoal que chefia aquele governo, além de aspirar a tomar território, também planeja nos atacar aqui em nossa casa, no Reino Unido.”
É declaração temerária, altamente belicosa, que ultrapassa em muito o que o governo de Obama tem dito.

Nos últimos meses, os Republicanos desenvolveram com sucesso uma narrativa segundo a qual a relutância de Obama em usar a força na região teria dado lugar a uma percepção de fraqueza dos EUA.
A pressão doméstica sobre Obama, para que seja mais agressivo no uso da força militar tem sido considerável. Apesar disso, o presidente dos EUA parece tem conseguido conter as demandas – que agora estão partindo de uma improvável aliança entre Maliki e a direita norte-americana – de que envie tropas dos EUA para o Iraque.

Os sunitas que tomaram cidades iraquianas, disse Obama, representam “ameaça de médio e longo prazo” para os EUA. Mas, acrescentou ele, “não podemos pensar que estamos brincando de pega-pega e mandar soldados dos EUA para ocupar vários países, cada vez que essas organizações aparecem no mundo.”
E seja como for, disse ele, as populações locais rejeitam o ISIL por causa da violência deles. É evento muito raro: Downing Street, Londres, ainda mais falcão-linha-dura que Casa Branca, Washington; mas talvez seja evento sem consequências.
Em frase na qual articula de modo excepcionalmente claro a subserviência de Londres a Washington, William Hague disse, em resposta aos avanços do ISIL: “Apoiaremos os EUA em qualquer coisa que resolvam fazer”.

MAIS DINHEIRO?

A relutância de Obama, que não interveio na Síria pode parecer fracassada. Mas estaria por acaso garantido que mais dinheiro do ocidente entregue ao Exército Sírio Livre teria resultado na emergência de alguma espécie de estado liberal democrático?
O fracasso da Primavera Árabe em outros pontos não sugere que essa possibilidade se concretizaria.

Políticos ocidentais estão tendo de reajustar-se à novidade de sua própria crescente incapacidade para dominar o mundo.
Se se consideram as alternativas, a inação de Obama parece boa ideia, e ele é criticado pela direita e pela esquerda, pelos seus muitos erros e fracassos.
Mas o mais provável é que dentro de alguns anos, quando ele já não estiver na Casa Branca, tenhamos muitas saudades de Obama.

(artigo enviado por Sergio Caldieri)

10 de julho de 2014
Owen Bennett-Jones
London Review of Books

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