Michael Reid foi correspondente da The Economist no Brasil de 1996 a 1999 e editor para as Américas até 2013. Seu livro Brazil. The Troubled Rise of a Global Power, recém-publicado, é, de longe, o melhor livro de introdução ao Brasil que anda pelo mercado.
Dada a ligação do autor com a The Economist é difícil, ao analisar o livro, não tratar do estilo da revista. Nela se combinam frequentemente análises econômicas sólidas e argutas com doses indigestas de reacionarismo político. Francofobia, russofobia, eurofobia e americanofilia refletem velhas fraquezas britânicas.
O retrospecto da revista quanto ao Brasil é bastante bom. Em 1889 manifestou preocupações quanto à desintegração do Estado nacional, à semelhança da América espanhola. Em 1930 temeu que a frustração com o combate à recessão pudesse levar a "aventuras militares externas". Em 1945 registrou que o Exército brasileiro estava interessado na volta ao controle político civil, na aparência, e talvez até de fato. Em 1964 foi muito crítica de Jango, lamentando o fracasso de uma via intermediária que conciliasse crescimento e estabilidade política. Mas condenou a falta de programa de golpistas apenas anticomunistas como Lacerda e a perseguição a Arraes e Celso Furtado.
O livro trata (bem) de temas que vão do futebol e carnaval ao pré-sal, agricultura e disparidades regionais. Os estereótipos abundam, com paulistas trabalhadores, cariocas malandros e mineiros matreiros, e com direito ao indefectível Stefan Zweig. Há barbaridades. Os rigores da Guerra do Paraguai envelheceram dom Pedro II. Por via telegráfica? A Constituição de 1934 foi surpreendentemente liberal. O engenheiro Brizola era advogado. Zagallo era simpatizante comunista e foi substituído por Médici (João Saldanha não é citado), Pedro II era mais bem informado do que os ministros quanto a temas específicos, traço que também caracteriza Dilma Rousseff, o que talvez diga algo sobre a qualidade dos seus ministros.
Apesar de uma tímida tentativa no primeiro capítulo, faltou explicar convincentemente no livro a barriga da edição de 12/11/2009, Brazil takes off, que louvava de forma despropositada as perspectivas da economia brasileira,. O diagnóstico inspirou a capa em que a estátua do Cristo Redentor decolava, metáfora impactante do que se previa quanto à economia. A matéria principal afirmava que "havia sido concedida autonomia ao Banco Central", que "a economia foi escancarada (thrown open) ao comércio exterior e investimento" e que "algumas (das multinacionais brasileiras) são empresas anteriormente controladas pelo Estado que estão florescendo com a permissão de operarem com maior independência (at arm's lenght) em relação ao governo. Isto vale para a Petrobrás (e) para a Vale". A despeito de algumas ressalvas quanto a gasto público, baixa poupança, pensões e crime, o otimismo infundado era dominante. Esse magnífico erro de avaliação obrigou ao pentimento com a matéria Has Brazil blown it?, de 28/9/2013, e capa que registrava o Cristo como descontrolado buscapé.
A postura otimista de 2009 estava alinhada ao diagnóstico do autor, comum a outros analistas, quanto à benignidade do governo Lula. A visão dominante era de alívio, baseado na constatação de que Lula era diferente de Chávez e Cristina. E podia até ter serventia como canal de comunicação entre as economias desenvolvidas e os líderes do neobolivarianismo e do neoperonismo. O problema é que Lula era diferente, mas não o suficiente. A partir do mensalão foi sendo gradualmente erodido o compromisso assumido em 2002 quanto à continuidade da política macroeconômica de FHC. Daí a exagerar as virtudes do lulismo e partir para diagnósticos róseos da economia foi um passo. E acabou na visão do Cristo decolando.
Que metáfora vai prevalecer? A leitura do livro ajuda a avaliar.
Dada a ligação do autor com a The Economist é difícil, ao analisar o livro, não tratar do estilo da revista. Nela se combinam frequentemente análises econômicas sólidas e argutas com doses indigestas de reacionarismo político. Francofobia, russofobia, eurofobia e americanofilia refletem velhas fraquezas britânicas.
O retrospecto da revista quanto ao Brasil é bastante bom. Em 1889 manifestou preocupações quanto à desintegração do Estado nacional, à semelhança da América espanhola. Em 1930 temeu que a frustração com o combate à recessão pudesse levar a "aventuras militares externas". Em 1945 registrou que o Exército brasileiro estava interessado na volta ao controle político civil, na aparência, e talvez até de fato. Em 1964 foi muito crítica de Jango, lamentando o fracasso de uma via intermediária que conciliasse crescimento e estabilidade política. Mas condenou a falta de programa de golpistas apenas anticomunistas como Lacerda e a perseguição a Arraes e Celso Furtado.
O livro trata (bem) de temas que vão do futebol e carnaval ao pré-sal, agricultura e disparidades regionais. Os estereótipos abundam, com paulistas trabalhadores, cariocas malandros e mineiros matreiros, e com direito ao indefectível Stefan Zweig. Há barbaridades. Os rigores da Guerra do Paraguai envelheceram dom Pedro II. Por via telegráfica? A Constituição de 1934 foi surpreendentemente liberal. O engenheiro Brizola era advogado. Zagallo era simpatizante comunista e foi substituído por Médici (João Saldanha não é citado), Pedro II era mais bem informado do que os ministros quanto a temas específicos, traço que também caracteriza Dilma Rousseff, o que talvez diga algo sobre a qualidade dos seus ministros.
Apesar de uma tímida tentativa no primeiro capítulo, faltou explicar convincentemente no livro a barriga da edição de 12/11/2009, Brazil takes off, que louvava de forma despropositada as perspectivas da economia brasileira,. O diagnóstico inspirou a capa em que a estátua do Cristo Redentor decolava, metáfora impactante do que se previa quanto à economia. A matéria principal afirmava que "havia sido concedida autonomia ao Banco Central", que "a economia foi escancarada (thrown open) ao comércio exterior e investimento" e que "algumas (das multinacionais brasileiras) são empresas anteriormente controladas pelo Estado que estão florescendo com a permissão de operarem com maior independência (at arm's lenght) em relação ao governo. Isto vale para a Petrobrás (e) para a Vale". A despeito de algumas ressalvas quanto a gasto público, baixa poupança, pensões e crime, o otimismo infundado era dominante. Esse magnífico erro de avaliação obrigou ao pentimento com a matéria Has Brazil blown it?, de 28/9/2013, e capa que registrava o Cristo como descontrolado buscapé.
A postura otimista de 2009 estava alinhada ao diagnóstico do autor, comum a outros analistas, quanto à benignidade do governo Lula. A visão dominante era de alívio, baseado na constatação de que Lula era diferente de Chávez e Cristina. E podia até ter serventia como canal de comunicação entre as economias desenvolvidas e os líderes do neobolivarianismo e do neoperonismo. O problema é que Lula era diferente, mas não o suficiente. A partir do mensalão foi sendo gradualmente erodido o compromisso assumido em 2002 quanto à continuidade da política macroeconômica de FHC. Daí a exagerar as virtudes do lulismo e partir para diagnósticos róseos da economia foi um passo. E acabou na visão do Cristo decolando.
Que metáfora vai prevalecer? A leitura do livro ajuda a avaliar.
10 de julho de 2014
Marcelo de Paiva Abreu, O Estadão
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