Derrota brutal da seleção brasileira diante da Alemanha talvez possa representar o fim de uma era dentro e fora do futebol
Nem mesmo o mais delirante pessimista poderia ter previsto o resultado do jogo entre Brasil e Alemanha, ontem, no Mineirão.
O vexame histórico, ainda que não numa final de campeonato, vem eclipsar o famigerado "maracanazo" de 1950. Naquela ocasião, com apenas um gol --o de desempate-- o time do Uruguai destruiu os sonhos brasileiros.
Nesta terça-feira, a saraivada de gols alemães, inédita sob vários aspectos nos anais da Copa do Mundo, fez mais do que destruir a possibilidade de uma taça erguida em terras brasileiras. É como se nem sequer a possibilidade tivesse, em algum instante, chegado a existir.
O desempenho da seleção diante da Alemanha foi inferior ao das piores equipes desta Copa. Nem resta o perverso consolo de encontrar bodes expiatórios, culpados pelo desastre. Deu tudo errado: física, técnica, emocionalmente.
A frustração --mas o termo é leve demais para descrever o que aconteceu-- talvez possa, com o tempo, enquadrar-se num contexto diverso daquele que marcou, até hoje, as relações do brasileiro com seu esporte mais popular.
Já constituía um fenômeno curioso que, no chamado país do futebol, tenham se observado movimentos expressivos, ainda que isolados, de oposição a que a Copa do Mundo se realizasse por aqui.
A ideia de uma "pátria em chuteiras", na célebre formulação de Nelson Rodrigues, terá provavelmente sofrido um subterrâneo desgaste ao longo dos anos. Um país mais diversificado, plural e rico foi deixando de ver, nos campos de futebol, sua única fonte de compensação diante dos muitos insucessos de seu projeto econômico e social.
Não é a hora, certamente, de procurar raciocínios consoladores diante de um acontecimento que espanta e desconsola dezenas de milhões de brasileiros. O resultado do Mineirão foi o que foi: humilhante, inacreditável, devastador.
O real, sem ambiguidade possível, impõe-se sobre todas as expectativas. Não eram, pelo desempenho das diversas equipes, totalmente injustificadas, mesmo que o futebol brasileiro, por tantas décadas temido e reverenciado, já não apareça na vanguarda do esporte.
Injustificado, talvez, tenha se provado o hábito de depositarmos tanto de nossa identidade nacional num único esporte, num único campo, num único jogo --que sempre é o de hoje.
A paixão futebolística sobreviverá, é claro, ao pesadelo de ontem. Mas o massacre, no que teve de brutal e inesquecível, não maculou apenas a mística da camisa verde-amarela; talvez venha a significar também o encerramento de uma época em que país e estádio, povo e torcida, governantes e técnicos, nação e seleção tendem a ser vistos como a mesma coisa.
A Copa, cumpre lembrar, não acabou. Resta aos jogadores a dura missão de, após esse choque, lutar de forma honrosa pelo terceiro lugar. Acima disso, resta a todos os brasileiros a responsabilidade de continuarem sendo os bons anfitriões que se mostraram até aqui.
Talvez se possa dizer, a partir de agora, que o Brasil é maior que seu futebol --e que tem desafios mais importantes, e maiores, a vencer.
10 de julho de 2014
Editorial Folha de SP
Nem mesmo o mais delirante pessimista poderia ter previsto o resultado do jogo entre Brasil e Alemanha, ontem, no Mineirão.
O vexame histórico, ainda que não numa final de campeonato, vem eclipsar o famigerado "maracanazo" de 1950. Naquela ocasião, com apenas um gol --o de desempate-- o time do Uruguai destruiu os sonhos brasileiros.
Nesta terça-feira, a saraivada de gols alemães, inédita sob vários aspectos nos anais da Copa do Mundo, fez mais do que destruir a possibilidade de uma taça erguida em terras brasileiras. É como se nem sequer a possibilidade tivesse, em algum instante, chegado a existir.
O desempenho da seleção diante da Alemanha foi inferior ao das piores equipes desta Copa. Nem resta o perverso consolo de encontrar bodes expiatórios, culpados pelo desastre. Deu tudo errado: física, técnica, emocionalmente.
A frustração --mas o termo é leve demais para descrever o que aconteceu-- talvez possa, com o tempo, enquadrar-se num contexto diverso daquele que marcou, até hoje, as relações do brasileiro com seu esporte mais popular.
Já constituía um fenômeno curioso que, no chamado país do futebol, tenham se observado movimentos expressivos, ainda que isolados, de oposição a que a Copa do Mundo se realizasse por aqui.
A ideia de uma "pátria em chuteiras", na célebre formulação de Nelson Rodrigues, terá provavelmente sofrido um subterrâneo desgaste ao longo dos anos. Um país mais diversificado, plural e rico foi deixando de ver, nos campos de futebol, sua única fonte de compensação diante dos muitos insucessos de seu projeto econômico e social.
Não é a hora, certamente, de procurar raciocínios consoladores diante de um acontecimento que espanta e desconsola dezenas de milhões de brasileiros. O resultado do Mineirão foi o que foi: humilhante, inacreditável, devastador.
O real, sem ambiguidade possível, impõe-se sobre todas as expectativas. Não eram, pelo desempenho das diversas equipes, totalmente injustificadas, mesmo que o futebol brasileiro, por tantas décadas temido e reverenciado, já não apareça na vanguarda do esporte.
Injustificado, talvez, tenha se provado o hábito de depositarmos tanto de nossa identidade nacional num único esporte, num único campo, num único jogo --que sempre é o de hoje.
A paixão futebolística sobreviverá, é claro, ao pesadelo de ontem. Mas o massacre, no que teve de brutal e inesquecível, não maculou apenas a mística da camisa verde-amarela; talvez venha a significar também o encerramento de uma época em que país e estádio, povo e torcida, governantes e técnicos, nação e seleção tendem a ser vistos como a mesma coisa.
A Copa, cumpre lembrar, não acabou. Resta aos jogadores a dura missão de, após esse choque, lutar de forma honrosa pelo terceiro lugar. Acima disso, resta a todos os brasileiros a responsabilidade de continuarem sendo os bons anfitriões que se mostraram até aqui.
Talvez se possa dizer, a partir de agora, que o Brasil é maior que seu futebol --e que tem desafios mais importantes, e maiores, a vencer.
10 de julho de 2014
Editorial Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário