Comecemos pelo começo. Primeiro a sra. Dilma Rousseff, com sua desumana incompetência, teve um papel decisivo na política econômica dos últimos cinco anos, que arrasou o País e jogou centenas de milhares de famílias na rua da amargura.
Segundo, valeu-se ardilosa e fraudulentamente de seu poder de nomeação para homiziar na Casa Civil o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, já sabidamente arqueado sob o peso de vários indícios criminais. Ao nomeá-lo, conseguiu a proeza de ignorar as estipulações constitucionais vigentes duas vezes num mesmo dia.
Terceiro, ao embarcar na manobra para nomear Lula, a senhora presidente cuspiu no rosto dos 3,5 milhões de brasileiros (idosos, jovens, crianças...) que participaram do protesto do último domingo, dia 13 – e, por implicação, no dos mais de 100 milhões que ficaram em casa, mas certamente apoiaram o movimento. A multidão foi às ruas com o objetivo de apoiar o juiz Sergio Moro, a Operação Lava Jato e a Polícia Federal. Ou, o que dá na mesma, para exigir o impeachment ou a renúncia da presidente Dilma Rousseff e o aprofundamento das investigações e as devidas sanções criminais contra o ex-presidente Lula, pelas razões que todos conhecemos.
Nas primeiras décadas do século passado, época de capangas e jagunços, era comum fugitivos da Justiça se acoitarem no interior de fazendas, mas, quanto eu saiba, os mais altos cargos da administração pública nunca foram utilizados com essa finalidade. Ato contínuo – e com o evidente propósito de disfarçar o real sentido da nomeação –, a presidente empossou Lula numa Presidência de facto, transferindo-lhe atribuições que são de sua exclusiva responsabilidade. Para o bem geral da Nação, ela poderia, evidentemente – e, a meu ver, deveria –, renunciar ao cargo, mas não pode, vigente o regime presidencialista, transferir todo o núcleo dos instrumentos de poder que o eleitorado lhe entregou em outubro de 2014.
É mister registrar que a pretensa nomeação de Lula teve como pano de fundo a homologação pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, da delação premiada do senador Delcídio Amaral, a revelação do envolvimento do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, numa tentativa de comprar o silêncio do mesmo senador e a divulgação, na quarta-feira à noite, das gravações de conversas de Lula com Dilma Rousseff. Na delação Lula é citado um sem-número de vezes, e a própria presidente passa a ser alvo de uma possível investigação por tentativa de obstrução da Justiça. O ministro Mercadante apresentou-se como autor solitário da tentativa de subornar Delcídio – uma representação no melhor estilo “me engana que eu gosto”. As gravações comprovam além de qualquer dúvida a verdadeira intenção de Lula ao assumir a Casa Civil; novidade, se é que se trata de novidade, foi a linguagem chula, própria da escória moral da sociedade, a que ele frequentemente recorre para expressar seus pensamentos.
A nomeação haverá, pois, de ser considerada nula, de um lado, pelo evidente desvio de finalidade de que se revestiu, a criação de um valhacouto para Lula; de outro, pela farsesca demonstração de humildade da presidente, que deveria, sim, reconhecer a sua incompetência, mas não como um mero complemento cênico da desastrada operação que aquiesceu em realizar. A situação de momento pode, portanto, ser resumida em três pontos:
1) Ao “acovardado” (termo empregado por Lula) Supremo Tribunal Federal cabe invalidar o quanto antes o referido ato de nomeação; 2) ao Congresso Nacional, apressar o processo de impeachment, inexistindo já, a esta altura, a alternativa de permanência da presidente no cargo; 3) tendo os dois pontos anteriores como pano de fundo a mobilização da sociedade numa escala jamais vista no País, de norte a sul e leste a oeste.
A ninguém é dado o direito de ignorar que o clima psicológico do País é tenso; a responsabilidade por mantê-lo dentro de limites aceitáveis é de todos, mas Lula e Dilma são inegavelmente os indivíduos com maior capacidade de entornar o caldo. Afinal, foi ela que, exatos três dias depois da maior manifestação popular da História brasileira, entregou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil ao multi-inquirido Lula, cogitando de transformá-lo num superministro, na verdade, um presidente de facto.
Pessoa de poucos estudos, Dilma com certeza nunca entendeu a diferença entre a legitimidade e a simples legalidade do poder. Nunca entendeu que um governo que se queira legítimo precisa observar certos requisitos não necessariamente insculpidos na lei, mas também fundamentais, entre eles o comedimento; o respeito pela vontade de grandes parcelas da sociedade – mais ainda quando expressa de forma ordeira e pacífica, como ocorreu no dia 13; e um compromisso com a veracidade, mormente quando o País vive uma atmosfera tensa, propícia a posicionamentos acirrados.
Dilma Rousseff educou-se politicamente em certos meios de esquerda, na política estudantil e na organização marxista-leninista em que militou; e certamente foi influenciada pelos cânones da política sindical, da qual proveio seu mentor, para não dizer seu inventor, Luiz Inácio Lula da Silva. Sem menosprezar as virtudes que os meios estudantil e sindical possam ter como ambientes de educação política, é neles perceptível um certo anti-institucionalismo, um desprezo pelas regras do jogo democrático e, no lado contrário da moeda, uma clara tendência a valorizar atributos ligados à esperteza, à malícia e ao cinismo, superestimando uma concepção meramente tática e instrumental da atividade política.
19 de março de 2016
Bolívar Lamounier, Estadão