"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 19 de março de 2016

ÁGUA DE MORRO ABAIXO

Aos escândalos de corrupção e ações de má gestão acrescentam-se dois fatores que tornam o governo insustentável: o repúdio das ruas e o comportamento indecoroso dos mais poderosos entre seus integrantes. Neste último quesito, o homem que presidiu o País por oito anos e volta agora para presidi-lo de fato, deu o empurrão que faltava.

O palavreado chulo usado nas conversas telefônicas dele com amigos e correligionários choca, mas não surpreende. É apenas algo mais grosseiro, obsceno, arrogante e sexista que o linguajar usado em público, inclusive enquanto presidente da República. Aquele que se mostra por inteiro nas gravações da Polícia Federal é o mesmo de sempre. Desde o tempo em que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e ainda assinava Luiz “Ignácio” e sem a incorporação do apelido ao sobrenome.

A ausência de decoro não se expressa apenas na falta de civilidade idiomática, mas também no modo de agir. E aqui falamos da presidente Dilma Rousseff e sua deliberação ação para proteger Lula da prisão. Suas negativas não resistem à recomendação para que ele assinasse o termo de posse na Casa Civil antecipadamente e o usasse em “caso de necessidade”. Dilma alegou que se tratava de uma precaução para o caso de o ministro nomeado não poder comparecer à cerimônia de posse.

Se fosse verdade, a presidente é quem usaria o documento. A aludida “necessidade” seria dela; de formalizar a posse do ministro. No entanto, Dilma transfere o uso à conveniência de Lula. Óbvio: para o caso de o juiz Sérgio Moro acatar o pedido de prisão preventiva feita pelo Ministério Público de São Paulo. Ademais, não consta que o mesmo não tenha sido pedido a Jaques Wagner, que assumiria a chefia de gabinete da Presidência estando ausente da posse. O ex-chefe da Casa Civil naquele dia fazia aniversário e estava em Salvador.

Evidenciada a fraude, queira o bom senso que o Palácio do Planalto não tenha feito uso de documento falso ao exibir o termo de posse assinado apenas pelo ministro nomeado. Sem a assinatura da presidente o papel não teria validade. Se a ideia era deixar a parte burocrática em ordem, a firma de Dilma deveria necessariamente constar da documentação.

É também a respeito desse tipo de atitude - que, diga-se, não é nova - que se insurge parcela significativa da sociedade, contra a qual a presidente Dilma se colocou na quinta-feira ao qualificar os protestos como “gritaria de golpistas”. Abandonou o tom conciliador e os apelos à moderação, preferindo aderir à provocação. Apresenta-se, desse modo, em estado de completa submissão ao antecessor que transformou em sucessor “in pectore”, transferindo a ele as decisões de governo e aderindo à tática de confrontação proposta por ele.

Preferiu dar um “não” às ruas que, em contrapartida, exigem um “sim” à sua renúncia.



19 de março de 2016
Dora Kramer, Estadão

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