Pode-se dizer que no final de sua gestão nas Comunicações, o então ministro Paulo Bernardo tenha sido infeliz ao responder a um Requerimento de Informações (nº 135/2014) apresentado pelo senador Roberto Requião, sobre irregularidades na transferência do controle acionário da TV Paulista para Roberto Marinho. Mas pode-se também simplesmente dizer que Bernardo mentiu deliberadamente, ao afirmar que não houve ilegalidades na operação que envolvia a concessão da emissora, que é hoje a TV Globo de São Paulo.
Realmente Bernardo mentiu, porque Roberto Marinho não providenciou a regularização alguma do quadro de acionistas da emissora, medida obrigatória e determinada pelas Portarias 163/65 e 076/70, assim como também não promoveu a regularização em obediência à Portaria 430/77, pois a única providência tomada por Marinho foi depositar no Banco Nacional a ínfima quantia de Cr$ 14.280,00, para se apossar do controle acionário da emissora, lesando mais de 600 acionistas, e tudo isso com o irrestrito apoio do governo militar.
ATO JURÍDICO PERFEITO
Nesse contexto, e por sua inesperada atitude, o ex-ministro Paulo Bernardo está a dever à sociedade brasileira uma bem fundamentada justificativa, para explicar como conseguiu transformar em ato jurídico perfeito as graves ilegalidades cometidas por um concessionário de serviço público, em detrimento da moralidade administrativa e sobretudo em prejuízo do direito líquido e certo das mais de 600 famílias lesadas, que participaram da fundação da Rádio e Televisão Paulista S/A (hoje, TV Globo de São Paulo) e que à época nem precisariam ser recadastradas, pois havia registro de todos os acionistas.
Assim agindo, o então ministro Paulo Bernardo desobrigou os atuais controladores da Organização Globo de esclarecerem tamanhos desacertos societários.
Com sua nada convincente resposta ao Requerimento 135/2014, o titular das Comunicações dispensou a Organização Globo de explicar por que, ao supostamente convocar os acionistas para a Assembleia Geral Extraordinária de 10/02/65, Roberto Marinho fez publicar um anúncio de apenas 5 centímetros em jornal oficial pouco lido, assim facilitando a tomada do controle da emissora, que ele alegara ter comprado do executivo Victor Costa Júnior, que nem acionista era.
OUTRAS ARMAÇÕES
Bernardo também dispensou a TV Globo de explicar por que Marinho fez publicar novamente, em junho de 1976, outro anúncio de apenas 5 centímetros, para ninguém ler, anunciando uma Assembleia que iria autorizar a transferência das ações dos acionistas que a ela não comparecessem, dizendo que isto era uma exigência das autoridades, quando na verdade não passou de uma esperteza montada para tentar regularizar o que deveria ter acontecido onze anos antes, pois o prazo fatal se esgotou em 19 de novembro de 1965. No caso, ao invés de regularização, houve usurpação, mas essa colossal diferença passou despercebida ao então ministro das Comunicações.
Além disso, o então ministro ignorou os vícios da Assembleia de 30 de junho de 1976, que se realizou nos mesmos moldes da anterior, ou seja, com a “presença” de acionistas majoritários mortos há mais de 20 anos (Hernani Junqueira e Manoel Vicente da Costa, entre outros), que “chegaram a assinar” o livro de presença ou “deram procuração com 20 anos de antecedência” para Roberto Marinho se apossar de suas ações.
Por tudo isso, como pôde Paulo Bernardo concordar com a “Nota Técnica” de seu Ministério, aceitando que a Portaria 430/77 tenha sido editada após o transcurso regular de um processo de transferência de ações que jamais existiu? Para o Poder Judiciário, nunca houve aquisição de ações, mas apenas atos societários fraudulentos e que, uma vez denunciados, jamais poderiam continuar sendo referendados pelo atual governo ou por qualquer governo, pois uma concessão federal obtida mediante fraude não tem o menor valor legal e tem de ser automaticamente anulada, em qualquer país que tenha um mínimo de civilização.
DENTEL CONFIRMA A FRAUDE
Para encerrar, não foi só o Sr. Rogério Marinho que, com sua carta de 11 de agosto de 1975, deixou em maus lençóis, 40 anos depois, o então ministro das Comunicações. Também o Dentel registrou em 23 de julho de 1976 o parecer de nº 269/76, assinado pela assistente jurídica Lourdes Maria Balby Silva e assinalando:
“…Convém, todavia, salientar que até a presente data, a sociedade não cumpriu a exigência constante da Portaria nº 2.637/76, que condicionou o exame de seus futuros pedidos à apresentação da relação atualizada de seus acionistas. Esclareço, entretanto, que, desta feita, na relação de sócios a ser apresentada deverá constar a distribuição proporcional das ações”.
No Parecer nº 509, do mesmo Dentel, de 28 de novembro de 1975, já era ressaltado que a TV Globo persistia na ilegalidade com relação à não regularização de seu quadro de acionistas. Depois, pela Portaria 1012, de 23 de julho de 1976, o Dentel homologou o aumento de capital da empresa, mas voltou a insistir na apresentação da relação atualizada de seus acionistas com a respectiva distribuição proporcional das ações oriundas do capital então homologado.
No ofício nº 097/75, de 17 de junho de 1975, o diretor da Divisão Jurídica do Dentel, Gaspar Grany Vianna, informou à diretoria da TV Globo de São Paulo S/A, que “compulsando os demais informes relativos à vida da sociedade, constatou-se pendente de cumprimento o disposto no Item II, da Portaria no. 2.707, de 3 de dezembro de 1973. Deverá V. Senhoria, portanto, apresentar relação atualizada dos acionistas, dependendo dessa apresentação o exame e decisão dos futuros pedidos a serem formulados por essa entidade”.
O Dentel considerava esta atualização societária necessária “para regularizar a situação jurídica da sociedade”, mas para o ministro Paulo Bernardo tudo isso supostamente já teria sido implementado e aprovado pela Portaria 076/70, dando a irrefutáveis atos ilegais uma interpretação de legitimidade totalmente descabida e agora desmascarada.
Enfim, o rei está nu. E o senador Roberto Requião, por meio de ofício, já solicitou ao Ministério, agora comandado por Ricardo Berzoini, novas respostas ao Requerimento de Informações 135/2014, acompanhadas dos respectivos documentos, para não ter de fazer uso do parágrafo 2º, do artigo 50, da Constituição Federal (denúncia por crime de responsabilidade de autoridade).
O assunto é apaixonante e logo voltaremos a ele, sempre com absoluta exclusividade e informações rigorosamente verdadeiras.
21 de janeiro de 2015
Carlos Newton