“Não pode haver
capital sem trabalho,
nem trabalho sem capital”
Encíclica Rerum Novarum, Leão XIII, 1891
Recente manifesto divulgado por 19 Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) expressa veemente repulsa contra algo que denominam “desconstrução do direito do trabalho”. O documento também defende a Justiça do Trabalho, cujo papel “ganha relevância nos momentos de crise em que a efetivação dos direitos de caráter alimentar é premente e inadiável”.
Desconheço alguém que ignore a importância do direito do trabalho, e se dedique à insensatez de tentar desconstruí-lo. Quanto à Justiça do Trabalho, não há motivo para defendê-la, pois não é alvo de conspiração.
Para atacá-la seria necessária emenda constitucional subscrita por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado, com o objetivo de alijá-la do rol dos órgãos do Poder Judiciário. Se tal manifestação de demência houvesse, não passaria despercebida.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943, mediante decreto-lei, exige análise serena e desapaixonada.
Não há, porém, como desconhecer que pertence à época da locomotiva a lenha, do telefone de manivela, do ferro de passar roupa a carvão, das estradas de terra batida, dos teares mecânicos.
Como obra perecível, é vítima do tempo e dos acontecimentos. O documento dos ministros se inicia com a citação da frase do papa Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum: “Do trabalho do homem nasce a riqueza das nações”, divulgada em 1891 como resposta ao Manifesto Comunista de Marx e Engels, cuja primeira edição data de 1872.
Leão XIII condena a solução socialista que, para combater o infortúnio dos “homens das classes inferiores”, “instiga nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretende que toda a propriedade de bens particulares seja suprimida”.
Ataca, em seguida, o comunismo, por ele considerado “princípio de empobrecimento”... “Porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias.”
Segundo o papa, compete ao Estado “proteger a propriedade particular e impedir as greves. O remédio mais eficaz e salutar consistiria em “prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que haverão de nascer os conflitos entre operários e patrões”.
Entre os deveres que dizem respeito ao pobre e ao operário, nas palavras de Sua Santidade, estariam o de “fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre conforme a equidade; não lesar seu patrão, nem os seus bens, nem a sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas”.
Na opinião de Rudof Fischer-Wollpert, autor de Os papas, com a Rerum Novarum, Leão XIII “procurou encontrar uma posição conciliatória entre patrões e empregados”. Defendia o proletário contra a exploração desumana, mas não execrava o capital. Ao Estado incumbiria o encargo de resguardar os proprietários contra o socialismo, o comunismo, e as agitações grevistas.
A frase do papa Leão XIII entra no Manifesto dos Ministros como Pilatos no Credo. Que a Consolidação das Leis do Trabalho envelheceu, a idade o comprova. Um dos males, talvez o maior, da legislação cujo centro de gravidade é a CLT, consiste na insegurança jurídica, refletida em milhões de dissídios individuais, na morosidade de julgamento, nos valores desproporcionados de condenações.
A insegurança gera o receio do acúmulo de passivo oculto, de dívidas geradas pela fragilidade do recibo de quitação passado mediante a assistência e homologação do sindicato ou do Ministério do Trabalho.
A hostilidade entre patrões e empregados não pode ser motivo de satisfação. Mais de 12 milhões de desempregados bastam para mostrar a necessidade de se fazer algo em favor da segurança jurídica.
Legislar cabe ao Congresso Nacional. Ao chefe do Executivo, sancionar, promulgar, e fazer publicar leis. Se todos se conduzirem dentro das respectivas esferas constitucionais, o Brasil caminhará melhor para superar a crise.
08 de julho de 2016
Aklmir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho.