Este é um blog conservador. Um canal de denúncias do falso 'progressismo' e da corrupção que afronta a cidadania. Também não é um blog partidário, visto que os partidos que temos, representam interesses de grupos, e servem para encobrir o oportunismo político de bandidos. Falamos contra corruptos, estelionatários e fraudadores. Replicamos os melhores comentários e análises críticas, bem como textos divergentes, para reflexão do leitor. Além de textos mais amenos... (ou mais ou menos...) .
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020
COMO O SUS ESTÁ DESTRUINDO A SAÚDE DOS BRASILEIROS
Já se tornou lugar-comum culpar os problemas do SUS à má gerência e à corrupção. No entanto, poucos se atrevem a atribuir a culpa dos problemas intrínsecos ao SUS (longas filas, falta de infra-estrutura, escassez de remédios, ausência de médicos etc.) ao próprio sistema.
Vamos analisar alguns dos mitos mais comuns sobre os SUS para entendermos como essas características não são, de fato, um problema de gestão, mas sim inerentes ao próprio sistema.
O mito do Robin Hood
O principal lugar-comum utilizado pelos defensores do sistema público é o da "justiça" da distribuição de renda: os mais ricos pagam para os mais pobres que não têm condições de arcar com os custos dos tratamentos. Infelizmente, a realidade é exatamente oposta.
Em primeiro lugar, vale lembrar que os mais pobres também pagam uma quantia exorbitante de imposto para financiar o sistema público. Se o que eles pagam de imposto fosse exatamente igual ao que recebem em retorno, então, por definição, não haveria sentido algum haver um sistema público de saúde. Mesmo que não houvesse absolutamente nenhuma corrupção, isso significaria que algumas pessoas — em especial aquelas com casos clínicos mais graves, como as que necessitam de remédios controlados ou cirurgias complicadas — estariam recebendo do sistema mais do que pagaram.
O problema é que, para cada pessoa que recebe mais do que paga, existe alguém que pagou mais do que recebeu. Isso significa dizer que, longe de redistribuir renda dos ricos para os pobres, o que o SUS de fato faz é "distribuir renda" dos mais saudáveis para os menos saudáveis.
A população mais saudável, seja ela formada por ricos ou pobres, normalmente tem poucos gastos com saúde: apenas uns poucos exames ou consultas de rotina, algo pelo qual os pobres poderiam tranquilamente pagar com a poupança que conseguiriam caso mantivessem para si o que pagam de imposto para a saúde.
Longe de melhorar a situação dos pobres, o SUS beneficia apenas uma pequena minoria ao mesmo tempo em que torna ainda mais pobres todas as pessoas saudáveis que acabam pagando a conta, independentemente de classe social.
Se a intenção é realmente aumentar a acessibilidade aos serviços de saúde para os mais pobres, uma solução mais viável seria o governo reduzir impostos e pagar apenas por aqueles tratamentos mais caros pelo qual os pobres realmente não podem pagar, ao mesmo tempo em que se abstém de regular e administrar o setor, permitindo a livre concorrência nesta área, o que jogaria os preços para baixo e a qualidade para cima.
Também seria possível a criação de agências privadas de financiamento ou de caridade para pagar pelos tratamentos mais caros e cujos preços são proibitivos para os mais pobres, talvez até mesmo eliminando a necessidade de intromissão do governo. Mas isso só seria possível com a extinção do atual sistema, no qual o governo monopoliza o tratamento aos mais necessitados ao mesmo tempo em que empobrece a todos no processo.
O mito do almoço grátis: o sistema público é como um grande balde furado
Ao contrário da mitologia popular — e como explicado acima —, não há nada de gratuito no sistema público de saúde. Ou você paga por um serviço como pagador de impostos, ou você paga como consumidor. O maior problema de qualquer serviço ou produto subsidiado é justamente o fato de que aqueles que usam tal serviço são financiados por aqueles que não o utilizam.
Mesmo que ignorássemos esse inconveniente, ainda assim há o problema relativo à maneira totalmente deturpada como o serviço é financiado. O financiamento do serviço público provém dos impostos, cujas receitas não têm qualquer relação com a qualidade do serviço ou com a quantidade de pessoas atendidas. Pior ainda: o dinheiro disponível por tratamento é inversamente proporcional ao número de pacientes tratados. Se o governo arrecada, digamos, R$1 bilhão em impostos e atende 10 milhões de pessoas, isso significa que ele poderá gastar até R$100,00 por paciente. Mas se o número de pacientes dobra, isso significa que ele disporá de apenas R$50,00 por tratamento.
Vale lembrar que esse orçamento não é apenas para o tratamento: este dinheiro dos impostos também deve pagar instalações, maquinário e medicamentos. Ou o dinheiro irá para o tratamento ou para infraestrutura. De qualquer forma, um só é possível à custa do outro: cada centavo para infraestrutura é um centavo a menos disponível para o tratamento dos pacientes.
No setor privado ocorre exatamente o oposto. Um hospital privado que seja gerenciado como qualquer outra empresa — isto é, buscando o lucro — só terá dinheiro disponível para investir em infraestrutura caso trate bem seus pacientes. Parte do lucro poderá então ser reinvestido em aumentos salariais, na construção de novas alas, na compra de equipamentos etc.
Se no serviço público o investimento em infraestrutura é feito à custa de tratamentos que deixaram de ser realizados, no setor privado ocorre o oposto: tal investimento só é possível graças ao atendimento aos pacientes. O dinheiro segue uma linha de mão única: parte do dinheiro pago nos tratamentos volta como investimento em infraestrutura. No setor público há uma encruzilhada, é ou um ou outro.
Não há nenhuma mágica aqui: no sistema público, o tratamento é uma fonte de gastos enquanto que no setor privado é uma fonte de renda. O setor público é como um gigantesco balde furado que é enchido à custa de todos os pagadores de impostos: cada tratamento adicional significa um novo furo no balde. No setor privado não há nenhuma torneira, mas também não há furos: cada paciente atendido despeja o conteúdo de um copo d'água dentro do balde, até que este esteja cheio.
Não é preciso ser nenhum gênio para perceber qual sistema é o mais sustentável.
O estímulo ao desperdício
Outro problema com a oferta "gratuita" é que ela cria a ilusão de que os serviços médicos devem ser ilimitados, e que sempre deve haver um médico ou uma sala de cirurgia disponível, a qualquer hora, em qualquer ocasião.
Entretanto, assim como qualquer outro serviço, o atendimento médico não pode ser ofertado de uma maneira ilimitada. Por acaso é possível uma frota infinita de ônibus? Um número ilimitado de salas de aula, bibliotecas e professores? (Aliás, diga-se de passagem, neste último caso não haveria sequer necessidade de salas de aula; qualquer um poderia contratar um tutor particular.) Um número infinito de conexões ou uma velocidade de internet infinita? Absolutamente não. Não há por que ser diferente no setor de saúde. Mas é essa a mentalidade que é criada quando se declara que a saúde é um "direito".
Uma das virtudes do sistema de preços é que ele fornece informações sobre a disponibilidade de qualquer bem ou serviço, e estimula um uso prudente e racional destes.
Imagine uma cidade do interior em que haja escassez de médicos, e estes cobrem 200 reais por consulta. Dificilmente alguém pagaria 200 reais por uma consulta apenas porque o filho está com uma dor de cabeça; o mais racional seria tentar alguns remédios caseiros e só levá-lo ao médico caso a situação se agrave. O que é uma boa notícia: isso poupará um tempo precioso para os médicos, que poderão usá-lo para tratar pacientes em estados mais graves ou que necessitem de um atendimento mais urgente.
A escassez de serviços médicos, nesta ocasião, leva a um aumento do preço, que por sua vez incentiva as pessoas a usarem estes serviços de uma maneira mais prudente, recorrendo a eles apenas quando for estritamente necessário — sem contar, obviamente, que os preços altos seriam um atrativo para que médicos de outros lugares se disponibilizem a trabalhar na dita cidade, reduzindo o problema da escassez.
Entretanto, quando a oferta passa a ser gratuita, tanto o estímulo quanto essa informação desaparecem. Torna-se impossível estimar a oferta e a disponibilidade do serviço. Alguém que usasse o serviço privado de maneira abusiva pagaria um alto preço por isso; porém, no setor público, o preço é sempre fixo e invisível (que o pagador de impostos é obrigado a bancar). O fato de a oferta ser gratuita e de a saúde ser decretada um "direito" também cria a falsa ilusão de que a oferta de tais serviços será ilimitada.
Uma mãe cujo filho tem apenas uma dor de cabeça ou uma mera dor de barriga não mais terá o incentivo para procurar os serviços médicos apenas quando estritamente necessário. Essa demanda irrestrita inevitavelmente criará gigantescas filas de espera, atormentando tanto médicos — que ficarão sobrecarregados — quanto pacientes, que se frustrarão pela lentidão dos atendimentos.
É nessa situação que as pessoas começam a colocar a culpa na gestão. Jamais lhes passa pela cabeça que o uso indiscriminado de tal serviço é a verdadeira causa das longas filas.
A questão é que os incentivos criados pelo setor público levam a um uso indiscriminado, abusivo e irresponsável do sistema — e não o contrário, que seria o ideal.
Conclusão
Vamos analisar alguns dos mitos mais comuns sobre os SUS para entendermos como essas características não são, de fato, um problema de gestão, mas sim inerentes ao próprio sistema.
O mito do Robin Hood
O principal lugar-comum utilizado pelos defensores do sistema público é o da "justiça" da distribuição de renda: os mais ricos pagam para os mais pobres que não têm condições de arcar com os custos dos tratamentos. Infelizmente, a realidade é exatamente oposta.
Em primeiro lugar, vale lembrar que os mais pobres também pagam uma quantia exorbitante de imposto para financiar o sistema público. Se o que eles pagam de imposto fosse exatamente igual ao que recebem em retorno, então, por definição, não haveria sentido algum haver um sistema público de saúde. Mesmo que não houvesse absolutamente nenhuma corrupção, isso significaria que algumas pessoas — em especial aquelas com casos clínicos mais graves, como as que necessitam de remédios controlados ou cirurgias complicadas — estariam recebendo do sistema mais do que pagaram.
O problema é que, para cada pessoa que recebe mais do que paga, existe alguém que pagou mais do que recebeu. Isso significa dizer que, longe de redistribuir renda dos ricos para os pobres, o que o SUS de fato faz é "distribuir renda" dos mais saudáveis para os menos saudáveis.
A população mais saudável, seja ela formada por ricos ou pobres, normalmente tem poucos gastos com saúde: apenas uns poucos exames ou consultas de rotina, algo pelo qual os pobres poderiam tranquilamente pagar com a poupança que conseguiriam caso mantivessem para si o que pagam de imposto para a saúde.
Longe de melhorar a situação dos pobres, o SUS beneficia apenas uma pequena minoria ao mesmo tempo em que torna ainda mais pobres todas as pessoas saudáveis que acabam pagando a conta, independentemente de classe social.
Se a intenção é realmente aumentar a acessibilidade aos serviços de saúde para os mais pobres, uma solução mais viável seria o governo reduzir impostos e pagar apenas por aqueles tratamentos mais caros pelo qual os pobres realmente não podem pagar, ao mesmo tempo em que se abstém de regular e administrar o setor, permitindo a livre concorrência nesta área, o que jogaria os preços para baixo e a qualidade para cima.
Também seria possível a criação de agências privadas de financiamento ou de caridade para pagar pelos tratamentos mais caros e cujos preços são proibitivos para os mais pobres, talvez até mesmo eliminando a necessidade de intromissão do governo. Mas isso só seria possível com a extinção do atual sistema, no qual o governo monopoliza o tratamento aos mais necessitados ao mesmo tempo em que empobrece a todos no processo.
O mito do almoço grátis: o sistema público é como um grande balde furado
Ao contrário da mitologia popular — e como explicado acima —, não há nada de gratuito no sistema público de saúde. Ou você paga por um serviço como pagador de impostos, ou você paga como consumidor. O maior problema de qualquer serviço ou produto subsidiado é justamente o fato de que aqueles que usam tal serviço são financiados por aqueles que não o utilizam.
Mesmo que ignorássemos esse inconveniente, ainda assim há o problema relativo à maneira totalmente deturpada como o serviço é financiado. O financiamento do serviço público provém dos impostos, cujas receitas não têm qualquer relação com a qualidade do serviço ou com a quantidade de pessoas atendidas. Pior ainda: o dinheiro disponível por tratamento é inversamente proporcional ao número de pacientes tratados. Se o governo arrecada, digamos, R$1 bilhão em impostos e atende 10 milhões de pessoas, isso significa que ele poderá gastar até R$100,00 por paciente. Mas se o número de pacientes dobra, isso significa que ele disporá de apenas R$50,00 por tratamento.
Vale lembrar que esse orçamento não é apenas para o tratamento: este dinheiro dos impostos também deve pagar instalações, maquinário e medicamentos. Ou o dinheiro irá para o tratamento ou para infraestrutura. De qualquer forma, um só é possível à custa do outro: cada centavo para infraestrutura é um centavo a menos disponível para o tratamento dos pacientes.
No setor privado ocorre exatamente o oposto. Um hospital privado que seja gerenciado como qualquer outra empresa — isto é, buscando o lucro — só terá dinheiro disponível para investir em infraestrutura caso trate bem seus pacientes. Parte do lucro poderá então ser reinvestido em aumentos salariais, na construção de novas alas, na compra de equipamentos etc.
Se no serviço público o investimento em infraestrutura é feito à custa de tratamentos que deixaram de ser realizados, no setor privado ocorre o oposto: tal investimento só é possível graças ao atendimento aos pacientes. O dinheiro segue uma linha de mão única: parte do dinheiro pago nos tratamentos volta como investimento em infraestrutura. No setor público há uma encruzilhada, é ou um ou outro.
Não há nenhuma mágica aqui: no sistema público, o tratamento é uma fonte de gastos enquanto que no setor privado é uma fonte de renda. O setor público é como um gigantesco balde furado que é enchido à custa de todos os pagadores de impostos: cada tratamento adicional significa um novo furo no balde. No setor privado não há nenhuma torneira, mas também não há furos: cada paciente atendido despeja o conteúdo de um copo d'água dentro do balde, até que este esteja cheio.
Não é preciso ser nenhum gênio para perceber qual sistema é o mais sustentável.
O estímulo ao desperdício
Outro problema com a oferta "gratuita" é que ela cria a ilusão de que os serviços médicos devem ser ilimitados, e que sempre deve haver um médico ou uma sala de cirurgia disponível, a qualquer hora, em qualquer ocasião.
Entretanto, assim como qualquer outro serviço, o atendimento médico não pode ser ofertado de uma maneira ilimitada. Por acaso é possível uma frota infinita de ônibus? Um número ilimitado de salas de aula, bibliotecas e professores? (Aliás, diga-se de passagem, neste último caso não haveria sequer necessidade de salas de aula; qualquer um poderia contratar um tutor particular.) Um número infinito de conexões ou uma velocidade de internet infinita? Absolutamente não. Não há por que ser diferente no setor de saúde. Mas é essa a mentalidade que é criada quando se declara que a saúde é um "direito".
Uma das virtudes do sistema de preços é que ele fornece informações sobre a disponibilidade de qualquer bem ou serviço, e estimula um uso prudente e racional destes.
Imagine uma cidade do interior em que haja escassez de médicos, e estes cobrem 200 reais por consulta. Dificilmente alguém pagaria 200 reais por uma consulta apenas porque o filho está com uma dor de cabeça; o mais racional seria tentar alguns remédios caseiros e só levá-lo ao médico caso a situação se agrave. O que é uma boa notícia: isso poupará um tempo precioso para os médicos, que poderão usá-lo para tratar pacientes em estados mais graves ou que necessitem de um atendimento mais urgente.
A escassez de serviços médicos, nesta ocasião, leva a um aumento do preço, que por sua vez incentiva as pessoas a usarem estes serviços de uma maneira mais prudente, recorrendo a eles apenas quando for estritamente necessário — sem contar, obviamente, que os preços altos seriam um atrativo para que médicos de outros lugares se disponibilizem a trabalhar na dita cidade, reduzindo o problema da escassez.
Entretanto, quando a oferta passa a ser gratuita, tanto o estímulo quanto essa informação desaparecem. Torna-se impossível estimar a oferta e a disponibilidade do serviço. Alguém que usasse o serviço privado de maneira abusiva pagaria um alto preço por isso; porém, no setor público, o preço é sempre fixo e invisível (que o pagador de impostos é obrigado a bancar). O fato de a oferta ser gratuita e de a saúde ser decretada um "direito" também cria a falsa ilusão de que a oferta de tais serviços será ilimitada.
Uma mãe cujo filho tem apenas uma dor de cabeça ou uma mera dor de barriga não mais terá o incentivo para procurar os serviços médicos apenas quando estritamente necessário. Essa demanda irrestrita inevitavelmente criará gigantescas filas de espera, atormentando tanto médicos — que ficarão sobrecarregados — quanto pacientes, que se frustrarão pela lentidão dos atendimentos.
É nessa situação que as pessoas começam a colocar a culpa na gestão. Jamais lhes passa pela cabeça que o uso indiscriminado de tal serviço é a verdadeira causa das longas filas.
A questão é que os incentivos criados pelo setor público levam a um uso indiscriminado, abusivo e irresponsável do sistema — e não o contrário, que seria o ideal.
Conclusão
As longas filas de espera também possuem outra explicação, a qual passa por uma combinação de fatores já mencionados: a oferta de serviços médicos é limitada pela arrecadação de impostos ao passo que a destruição dos incentivos corretos gera uma demanda artificialmente alta.
Para resolver este problema, deve-se ou aumentar a oferta — o que é impossível, dado o orçamento limitado do governo e o fato de ele não ter qualquer relação com o número de pacientes atendidos — ou reduzir a demanda.
Há duas maneiras de se reduzir a demanda: aumento de preços — o que também é impossível já que a oferta é "gratuita"— ou racionamentos, como listas de espera.
A maneira como o sistema é financiado empobrece justamente aqueles a quem ele visa ajudar e derruba a qualidade do serviço, uma vez que o dinheiro disponível para cada tratamento se torna mais escasso a cada paciente atendido. Para agravar, as regulações para impedir o êxodo dos médicos para o sistema privado impedem a concorrência e encarecem os tratamentos.
Outro efeito nefasto de todo esse paternalismo é a destruição do estímulo à caridade e também do senso de cidadania e de responsabilidade dos cidadãos. Quando o governo passa a monopolizar o cuidado aos pobres, uma das consequências naturais é que isso diminui ou destrói a propensão à caridade, uma vez que as pessoas — que já se sentem moralmente desobrigadas em decorrência dos impostos que pagam — ficam apenas esperando que o governo resolva tudo, já que passam a entender como legítima a função do governo de tutelar os mais pobres.
Longe de ser um problema de má gestão ou de corrupção, os problemas do sistema público são apenas as consequências naturais de sua própria natureza.
______________________________________________________
Leituras complementares:
Como Mises explicaria a realidade do SUS?
Verdades inconvenientes sobre o sistema de saúde sueco
A saúde é um bem, e não um direito
O que a medicina soviética nos ensina
Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde
Para resolver este problema, deve-se ou aumentar a oferta — o que é impossível, dado o orçamento limitado do governo e o fato de ele não ter qualquer relação com o número de pacientes atendidos — ou reduzir a demanda.
Há duas maneiras de se reduzir a demanda: aumento de preços — o que também é impossível já que a oferta é "gratuita"— ou racionamentos, como listas de espera.
A maneira como o sistema é financiado empobrece justamente aqueles a quem ele visa ajudar e derruba a qualidade do serviço, uma vez que o dinheiro disponível para cada tratamento se torna mais escasso a cada paciente atendido. Para agravar, as regulações para impedir o êxodo dos médicos para o sistema privado impedem a concorrência e encarecem os tratamentos.
Outro efeito nefasto de todo esse paternalismo é a destruição do estímulo à caridade e também do senso de cidadania e de responsabilidade dos cidadãos. Quando o governo passa a monopolizar o cuidado aos pobres, uma das consequências naturais é que isso diminui ou destrói a propensão à caridade, uma vez que as pessoas — que já se sentem moralmente desobrigadas em decorrência dos impostos que pagam — ficam apenas esperando que o governo resolva tudo, já que passam a entender como legítima a função do governo de tutelar os mais pobres.
Longe de ser um problema de má gestão ou de corrupção, os problemas do sistema público são apenas as consequências naturais de sua própria natureza.
28 de outubro de 2020
Rafael Andreazza Daros
______________________________________________________
Leituras complementares:
Como Mises explicaria a realidade do SUS?
Verdades inconvenientes sobre o sistema de saúde sueco
A saúde é um bem, e não um direito
O que a medicina soviética nos ensina
Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde
UM BREVE MANUAL SOBRE OS SISTEMAS DE SAÚDE - E POR QUE É IMPOSSÍVEL TER UM SUS SEM FILA DE ESPERA
Antes de começar qualquer discussão mais aprofundada sobre os sistemas de saúde, é necessário fazer uma revisão sobre os tipos de sistema de saúde que existem.
A ideia é simples: mostrar que cada um tem pontos que podem ser positivos e pontos negativos, ou seja, não há uma escolha perfeita e absoluta, mas sim a necessidade de uma constante avaliação sobre as prioridades de um determinado lugar e seu real estado das coisas. Entender as diferenças significa abrir portas para melhores avaliações do que está acontecendo e do que se deseja para o futuro, seja próximo, seja no longo prazo.
Nesse sentido, é bom relembrar o economista americano Thomas Sowell, que, ao comentar sobre qualquer política pública, lembra que devemos sempre pensar nos trade-offs que estão presentes na hora de escolher qual caminho seguir. As escolhas devem ser baseadas em uma análise cuidadosa de prós e contras, e não em narrativas ou discursos ideológicos.
Juntamente a Sowell, temos a análise do filósofo francês Bastiat, que nos clama a analisar as consequências ocultas das diversas ações que podem ser tomadas, lembrando que boas intenções nem sempre geram bons resultados.
Toda política pública possui efeitos imprevistos ou indesejados. Sempre vale a pena perguntar: o que não estamos vendo?
A definição usada aqui para sistemas de saúde terá como foco basicamente duas coisas: o ente pagador e o nível de regulação. Esses elementos estão amplamente associados, visto que mesmo em um sistema com gasto totalmente privado — como o de planos de saúde —, o estado pode ser o grande definidor da qualidade de tratamento que as pessoas estão recebendo, ao reduzir a oferta e aumentar os preços com excesso de regulamentações — Anvisa, ANS, FDA, HHS, PHEA.
Dessa forma, analisando tanto o aspecto de pagamento como o de regulamentações, não corremos o risco de definir erradamente o que é um livre mercado de saúde, como Paul Krugman geralmente faz.
Segundo a combinação destes critérios — fonte de financiamento e tipo de regulamentação —, três grandes tipos de sistemas de saúde são observados ao redor do mundo. A medicina socializada, em que há financiamento e provimento públicos; o sistema misto, em que o provimento é privado, mas amplamente regulado pelo estado, podendo ter seu financiamento público ou privado; e o livre mercado, financiado e regulado por agentes privados.
É importante lembrar que em um mesmo país mais de um sistema de saúde pode estar presente e ser autorizado pelo governo, como é o caso do Brasil e El Salvador, em que há o sistema público e também os serviços privados.
A escolha do modelo de saúde a ser adotada por um país passa por diversos fatores que vão além da economia, como características geográficas e sociais, além de estruturas legais e históricas. Algo que funciona relativamente bem em uma localidade pode falhar em outra. Entretanto, é essencial lembrar que a escolha presente vai impactar principalmente as gerações futuras, que vão colher os frutos das virtuosas ou péssimas decisões tomadas pelos governantes.
A medicina socializada
O sistema socializado de medicina, como o Sistema Único de Saúde brasileiro, parte geralmente de duas premissas: saúde é um direito que deve ser fornecido pelo estado; e o governo consegue controlar o fornecimento deste serviço de forma a ter uma cobertura ampla para toda a população evitando discriminação econômica, geográfica e social.
A partir destas premissas, temos a construção de modelos de cobertura e organização de serviços totalmente diferentes, podendo ser amplamente centralizados, como no caso da extinta URSS e do Brasil — por mais que, no papel, os municípios tenham uma responsabilidade maior, o Ministério da Saúde tem sido o grande determinante das políticas públicas brasileiras —; ou descentralizados, como o visto durante os anos 2000 nos países nórdicos e parcialmente no Reino Unido.
A característica em comum é o estado ser fornecedor da saúde, dono de hospitais, clínicas, ambulâncias e empregador dos profissionais que trabalham na área de saúde (desde o limpador de chão até o neurocirurgião especialista em microvasculatura). Na prática, com a intenção de ampliar o atendimento a todos, não é o rico que paga pelo pobre, mas o saudável que paga pelo doente.
Mas este sistema é politicamente popular porque ele fornece a ilusória vantagem de que as pessoas não precisam desembolsar diretamente o dinheiro para ter acesso ao sistema de saúde, já estando cobertas quando de qualquer necessidade. Isso diminui a necessidade de poupança para pagar possíveis tratamentos médicos, impede que uma pessoa vá à falência por causa de uma internação e também libera as pessoas para incorrer em riscos, como a compra de um apartamento, ou o investimento em uma empresa — visto que os gastos com saúde já estão garantidos pela sociedade.
Há uma alegada cobertura universal igualitária — presente normalmente só no papel e não no fornecimento do serviço —, em que ricos e pobres têm acesso aos mesmos tipos de médicos.
Teoricamente os mecanismos de seleção para tratamento se baseiam em critérios como ordem de chegada ou gravidade da doença. Assim, a promessa é de que o estado vai cuidar das pessoas sempre que elas precisarem, sejam ricas ou pobres, estejam relativamente saudáveis ou em situações gravíssimas.
O financiamento desse sistema pode se dar basicamente de duas formas:
Contribuição igualitária individual, em que cada pessoa paga um valor fixo para o estado por ano, e o governo aloca os recursos conforme achar necessário. Seria algo similar a um plano de saúde estatal.
Pagamento por meio de impostos, sendo mais ou menos progressivos conforme o país. Esses impostos podem estar sobre a renda, o consumo ou a propriedade. Sendo essa a forma de financiamento do SUS.
Assim, o clamor de que os ricos pagam pelos pobres não é necessariamente factual, visto que um pobre saudável que não use o sistema de saúde financiará um rico doente. Nesse modelo, os custos são divididos por toda a sociedade e a lógica de transferência de renda é feita dos saudáveis para os doentes.
Recursos são alocados segundo um planejamento estatal, com pouca participação do mercado, seja na definição de preços, seja no fornecimento de serviços concorrentes. Um burocrata define quantos e quais profissionais são necessários para cada grupo de habitantes, e faz as compras de suprimentos conforme modelos econômicos que ache razoáveis.
Pode até haver maior ou menor controle social do sistema, com a existência de conselhos comunitários de saúde, mas as decisões são em si estatais. Normalmente, critérios técnicos são usados para definir quais serviços serão cobertos pelo sistema de saúde, definidos comitês de análise de custo e efetividade — como o NICE do Reino Unido —, que determinam patamares de preços aceitáveis de se pagar por um tratamento ou um medicamento.
Adicionalmente, mecanismos como licitações são usados para definir os fornecedores e geralmente o preço de um produto — e não a sua qualidade ou real necessidade futura — acaba sendo o principal fator para determinar qual será o ganhador do processo.
Dessa forma, vemos muitas vezes sendo usados no sistema de saúde produtos genéricos que não atendem às necessidades específicas dos pacientes, apesar de estarem de acordo com o determinado pela licitação. Isso causa situações como falta de material cirúrgico-hospitalar pediátrico, medicamentos em dosagens que não são condizentes com o que os pacientes necessitam, excesso de um tipo de linha de sutura e falta de outros, e assim por diante.
Esse contexto incentiva o crescimento do mercado negro, onde medicamentos são revendidos e pessoas conseguem ter acesso a serviços não ofertados pelo governo — muitas vezes de qualidade duvidosa.
Como os burocratas não precisam assumir os custos de suas más decisões, visto que muitas vezes permanecem no cargo mesmo depois de várias escolhas erradas, há pouco incentivo interno para melhorias. Além disso, o público paga pelo serviço independentemente do seu uso e da sua qualidade, o que leva a custos desconexos com a realidade, corrupção, tráfico de influência e cartelização impostas pelo mecanismo de planejamento central.
Inovações tecnológicas demoram a ser adotadas e o ambiente não cria incentivos para investimentos privados diretos, visto que há restrição governamental para entrada no mercado.
No longo prazo, o resultado de todo sistema socializado de saúde é o racionamento do atendimento, com longas filas se formando e com tempo de espera significativo. Em muitos casos, as pessoas chegam a morrer esperando pela sua vez, enquanto os mais ricos conseguem fugir do sistema pagando por fora para médicos ou viajando para outros países a fim de conseguir seu atendimento médico — vide o caso de Hugo Chávez e Fidel Castro, que recorreram médicos espanhóis, e de brasileiros que buscam tratamentos médicos na Europa e nos EUA.
Vale ressaltar que, no curto prazo, esse sistema pode sim gerar um ganho em número de atendimentos. Isso acontece quando pelo menos uma de duas coisas se faz presente: excesso de profissionais e equipamentos subutilizados no sistema de saúde vigente antes da socialização; ou preços pagos pelo governo acima daqueles de mercado. Nesse caso, pessoas que antes não tinham acesso ao sistema de saúde passam a desfrutar de atendimento médico.
Entretanto, esse desequilíbrio de oferta ou de preços dura pouco tempo e, em alguns anos, a escassez começa devido à inevitável contenção de gastos governamentais e à incapacidade de a oferta atender a uma demanda sempre crescente, visto que o preço monetário do serviço será artificialmente definido como zero.
Um exemplo desse fenômeno está no Reino Unido, que implementou o NHS no pós-Segunda Guerra e vê o número de leitos hospitalares cair desde então.
[Nota do IMB: na Inglaterra, os hospitais estatais são autorizados a recusar remédios aos pacientes, bebês doentes estão sofrendo eutanásia compulsória, e 1.200 pacientes morreram de fome porque as "enfermeiras estavam ocupadas demais para alimentá-las".]
Outro caso notável de perda de qualidade com o passar do tempo é Cuba. A ilha caribenha apresenta um dos índices mais altos de médicos por mil habitantes das Américas, que se mantém nesse patamar devido ao número de vagas em faculdades de medicina e à baixa seletividade dos alunos no processo de entrada — além de um nível de formação dos médicos considerado deficiente por muitos especialistas. Mesmo com muitos médicos, hoje já há filas para atendimentos, principalmente especializados, e a corrupção já é o meio mais eficaz de se garantir a sua consulta. Além disso, materiais básicos como aspirinas e utensílios hospitalares são escassos, obrigando pacientes a comprá-los no mercado negro ou adiar seus tratamentos.
O sistema misto
Um sistema misto apresenta alta carga de regulamentações, fornecimento de serviços por entes privados, e pode ser financiado pelo estado ou por agentes privados.
Diferentemente do modelo puramente socializado, nos sistemas mistos o estado não é o dono dos hospitais nem o empregador dos profissionais de saúde. Entretanto, o estado atua definindo quais serviços podem ser ofertados, quais tipos de profissionais são autorizados a trabalhar no país e muitas vezes até tabela os preços considerados aceitáveis.
A saúde continua sendo um direito, mas não cabe ao estado o seu fornecimento, seja porque agentes privados são mais eficientes, ou porque os sistemas privados já faziam um bom trabalho antes de o governo decidir entrar na jogada.
Esse sistema apresenta vantagens em relação ao fornecimento de saúde pelo governo: menores custos dos serviços aos pagadores de impostos; competição entre os fornecedores; maior possibilidade de inovações; mais liberdade de escolha em relação ao provedor do serviço.
Além disso, há uma garantia teórica de que todo o serviço oferecido deverá atender a características mínimas definidas por regulamentações, o que significaria uma qualidade básica de atendimento. Pode ainda existir uma universalidade da oferta do serviço, desde que dentro de uma cobertura mínima — isso acontece tanto no sistema com pagamento público, como naquele com pagamento privado.
O exemplo mais famoso de fornecimento de saúde por agentes privados e pagamento pelo governo é o Canadá. Nesse sistema, o governo federal define algumas diretrizes que devem ser seguidas pelas províncias e fornece um seguro nacional de saúde que todo canadense ou residente legal tem acesso. Cada província pode ampliar a cobertura definida nacionalmente, o que implicará mais custos para os governos locais, ou atender apenas o mínimo nacional. Além disso, as províncias negociam com os hospitais os valores que serão repassados para o tratamento de cada doença, e atuam também definindo quais preços serão reembolsados quando da compra de equipamentos e suprimentos médicos.
No modelo canadense há certa concorrência entre os fornecedores dos serviços de saúde, visto que o governo paga conforme o número de pacientes tratados e os resultados dos tratamentos. Um hospital mais eficiente tende a ter um fluxo maior de pacientes com menor gasto de pessoal/equipamento, gerando assim um maior lucro.
Entretanto, como os preços dos repasses não são definidos pelo mercado e sim por burocratas, há um considerável descolamento entre o valor pago e aquele que deveria ser repassado em uma situação de real mercado. Assim, os recursos são alocados em áreas que são consideradas lucrativas segundo os repasses estatais e não naquelas realmente necessárias para população.
Vale a pena lembrar que no modelo canadense, por mais que as pessoas não estejam pagando abertamente a conta do hospital, elas continuam desembolsando anualmente uma quantidade significativa de dinheiro para sua manutenção, utilizem ou não os serviços de saúde, e têm pouco controle sobre a qualidade e tipos de serviços que lhes são ofertados.
A outra forma comum do sistema misto pode ser vista no Brasil com os planos de saúde privados, amplamente regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esse órgão do governo federal define quais tratamentos de saúde os planos devem oferecer — a chamada cobertura mínima —, além de estabelecer o número de consultas em cada especialidade a que os segurados têm "direito".
A Agência ainda controla os valores que podem ser cobrados pelos prestadores privados, restringindo aumentos de tarifas e repasses de custos aos consumidores. Ela determina como os planos podem cobrar dos seus clientes e como eles devem pagar os provedores dos serviços. Por fim, os planos de saúde ou seguem as diretrizes da ANS ou são legalmente suspensos do mercado.
Como a ANS não consegue em hipótese alguma saber os dados da condição de saúde de cada segurado para definir suas regulamentações, trabalhando apenas com estudos genéricos sobre grupos de pacientes, ela acaba sendo um grande balcão de negócios para grupos de interesse. Um exemplo disso é quando associações de profissionais vão fazer lobby para inclusão obrigatória de seus serviços no portfólio dos planos. Elas apresentam casos comoventes de pessoas que sofrem por não terem acesso a um determinado serviço porque o plano não o cobria, ou mostram estatísticas de quantos pacientes "se beneficiariam" caso os seus serviços fossem ofertados pelas seguradoras.
Juntamente à pressão política, esses grupos buscam o apoio da mídia — seja em campanhas publicitárias diretas ou em inserções da temática em novelas, séries e programas de variedades —, com o objetivo de comover as pessoas a comprarem a história. Não raramente, elas conseguem o desejado.
Dessa forma, a ANS muda as apólices mínimas e, por exemplo, obriga uma pessoa que só quer pagar pelo tratamento de sua doença do coração a contratar consultas anuais de um serviço de psicologia, por mais que esse paciente nunca vá ao psicólogo, ou de pediatria, por mais que não tenha filhos.
Um exemplo de como esse tipo de lobby é perverso se vê no caso do Obamacare americano, em que o HHS — Ministério da Saúde Americano — define que homens solteiros devem pagar por serviços ginecológicos e obstétricos em seus planos de saúde. Assim, os planos de saúde ficam mais caros, por causa dos requerimentos mínimos, e as agências têm de fazer um controle de preços cada vez mais forte.
No longo prazo, a competição fica absurdamente reduzida, visto que apenas grandes seguradoras conseguem fornecer todos os serviços minimamente exigidos pela agência. Na prática, regulamentações excessivas encarecem os serviços, dificultando o acesso dos mais pobres ao atendimento de saúde.
As regulamentações são, portanto, uma forma de o governo controlar os serviços de saúde, sem precisar ser o seu fornecedor. Elas atuam diretamente reduzindo a competitividade e podem até ser baseadas em boas intenções — como reduzir a "cobrança abusiva" por um determinado provedor, ou aumentar o acesso a coisas que são boas, como fisioterapia e reeducação alimentar —, mas acabam por onerar significativamente o consumidor.
No processo há sempre aqueles que se beneficiam, como os pacientes que veem agora suas consultas subsidiadas pelos outros membros da rede que não fazem o uso do serviço, ou os líderes de grupos profissionais que conseguiram uma boquinha a mais e serão reeleitos em suas associações. Mas em vários casos, há mais prejudicados do que beneficiados, e os custos não compensam o que foi feito.
Serviços mais caros levam a menos pessoas podendo pagar por eles, o que gera maior pressão por novas regulamentações — dificilmente as pessoas entendem que foram as "soluções" anteriores que geraram os novos problemas. Com isso, o clamor por medidas cada vez piores se torna presente, como no caso dos Estados Unidos, em que os fantasmas da medicina socializada e do single-payer estilo canadense voltaram a assombrar o país devido ao número considerável de pessoas que ainda não têm seguro saúde, mesmo depois da adoção do Obamacare.
O sistema de livre-mercado
A saúde, assim como qualquer outro serviço ou bem no mercado, pode ser ofertada com a mínima interferência estatal — as únicas restrições se aplicando a alguém que deliberadamente afeta a integridade física de outrem e retira a vida de um paciente sem o seu consentimento.
Um sistema de livre mercado de saúde consiste em pessoas fazendo aquelas escolhas para seus tratamentos que mais se adéquam a alguns princípios simples: seus valores pessoais, sua disponibilidade de tempo, sua disponibilidade monetária. Desse modo, os custos de uma decisão individual não podem ser transmitidos a outrem sem o seu consentimento (escolhas individuais, custos individuais).
Esse tipo de sistema está parcialmente presente nos serviços privados de saúde, principalmente naqueles de caráter estético, como cirurgia plástica e dermatologia; cirurgia para correção de miopia; serviços odontológicos; e treinamento físico; mas não é adotado amplamente por nenhum país.
As grandes vantagens deste modelo são a sua adaptabilidade às necessidades individuais de cada paciente, a rápida capacidade de adoção de inovações (e o incentivo às mesmas), o baixo custo para aqueles que não estão fazendo uso dos serviços (a menos que optem pela participação voluntária em um plano de saúde, no qual escolhem os termos, eles não pagam nada), e a individualização das escolhas e de seus resultados.
Médicos e outros profissionais de saúde se organizam da forma mais eficiente para o atendimento aos pacientes e não seguindo modelos pré-estabelecidos por outras pessoas que pouco entendem do sistema. Pacientes têm a liberdade de se consultar com o médico que querem, arcando com os custos disso — seja esperando muito por uma consulta, seja pagando valores mais caros por ela. E empreendedores são motivados a oferecer novos produtos e serviços para atender às necessidades do mercado, seja competindo em áreas que já apresentam soluções, seja oferecendo alternativas para determinados procedimentos e modelos organizacionais.
Um dos melhores exemplos atuais do livre mercado nos serviços de saúde está no caso das cirurgias para correção de problemas de visão nos EUA. Esse tipo de procedimento é pouco regulado: basicamente o que se tem é a necessidade de o médico respeitar o contrato estabelecido com o paciente e fazer todo o possível para não causar dano. Essa cirurgia não é coberta pela maior parte dos planos de saúde, então a escolha do médico que realizará o procedimento não se dá pela cobertura da seguradora e sim por análise dos preços e dos resultados que aquele profissional apresenta.
Além disso, existem algumas diferentes técnicas que foram desenvolvidas ao longo dos últimos 30 anos para permitir uma recuperação mais rápida, diminuir o desconforto do paciente, ter um procedimento mais rápido etc. Ou seja, é uma área que apresenta os pilares do livre mercado: a regulamentação se dá pela escolha dos consumidores, há uma real concorrência dos fornecedores do serviço e há competição pela clientela.
Analisando o que ocorreu com o passar do tempo, vê-se que menos de 15 anos depois do início de sua popularização, o preço das cirurgias de redução de miopia caiu significativamente. Em 1997, o procedimento custava US$8.000, ao passo que em 2012 ele saía por US$3.800 — isso sem considerar a diferença de poder de compra devido à inflação.
Lembrando que, na década de 1990, a correção de visão era realizada por um cirurgião com instrumentos como bisturis para cortar parte do tecido do olho e corrigir as imperfeições, ao passo que atualmente o procedimento é feito com um laser guiado por computador.
Além disso, é possível ainda encontrar médicos que cobrem menos de US$1.000 pelo procedimento. Ou seja, o mercado, a inovação e a concorrência fizeram com que algo que era restrito a uma elite na década de 1990 se tornasse acessível para um trabalhador de classe média.
Mantendo-se esse padrão de redução de custo, a tendência é que em 2020 um trabalhador que ganhe um salário mínimo nos EUA (cerca de 16 mil dólares por ano) possa pagar a cirurgia sem comprometer significativamente seu orçamento anual.
O grande problema da abordagem de mercado está no fato de que ela entende que recursos são escassos e não visa a distribuí-los igualitariamente, visto que é impossível atender todas as demandas ao mesmo tempo com uma quantidade finita de recursos. Durante um tempo, algumas pessoas podem ficar sem a suposta garantia de acesso ao serviço dada pelos modelos mais regulados ou socializados por não terem o dinheiro necessário para pagar pelo atendimento médico, pelas cirurgias, pelos equipamentos — lembrando que mesmo nos sistemas socializados, não há nenhuma certeza do atendimento médico em si; há apenas um pedaço de papel dizendo que há a possibilidade de obtê-lo sem o pagamento posterior pelo serviço.
Entretanto, não há nenhuma barreira legal imposta à entrada de novos players no mercado e nem ao acesso dos serviços de saúde. Qualquer um pode financiar seus tratamentos, pode se juntar em grupos para comprar "pacotes de cirurgias ou de consultas médicas" — estilo Groupon ou Peixe Urbano, como é comum com vários procedimentos dermatológicos —, ou mesmo aderir voluntariamente a seguradoras de saúde, que devem ser transparentes e fornecer planos que atendam a seus clientes e não a grupos de interesse.
O interessante é que mesmo aqueles que não teriam o acesso inicial podem se beneficiar da abordagem de mercado, visto que médicos conseguem ter mais tempo livre ao fugir das burocracias impostas pelos reguladores e assim dedicar parte do seu horário a atividades pro bono.
Empresas também têm o interesse de promover ações sociais para se beneficiar no mercado, e há a possibilidade de entidades de caridade e da sociedade civil surgirem para o fornecimento de saúde para os mais pobres — Santas Casas e Beneficência Portuguesa já atendiam inúmeros pacientes bem antes de alguém imaginar o SUS.
Além disso, as inovações geradas em áreas mais competitivas são exportadas para outros serviços mais regulados, ou mesmo para países que apresentam sistemas de saúde mais restritivos.
Conclusão
Existem diversos modelos de sistemas de saúde adotados ao redor do mundo e mesmo dentro de um dado país. Cada sistema tem suas particularidades, advindas dos agentes responsáveis por sua implantação. Não há um sistema que possa ser considerado perfeito, visto que todos apresentam determinadas falhas. Entretanto, há aqueles que conseguem apresentar mais prós do que contras, principalmente no longo prazo — o caso do livre mercado.
Assim, um país como a Suécia, que apresenta uma população pequena, amplamente urbana e muito homogênea, consegue implantar um modelo socializado de medicina que demorará anos para começar a apresentar fadiga. Enquanto isso, o SUS brasileiro é problemático desde sua implantação.
O mesmo vale quando comparamos os sistemas baseados em seguro obrigatório individual, que funcionam muito bem na Suíça, mas apresentam vários problemas em estados americanos, como Massachusetts. Assim, alegar que algo é muito bom e que vai dar certo caso seja implantado no nosso país porque parece funcionar em outro país não é um caminho razoável.
Por fim, além dos aspectos práticos e econômicos, alguns questionamentos morais e filosóficos devem ser feitos, principalmente no tocante a como seria o acesso aos tratamentos e se é justo fazer outras pessoas pagarem pela sua conta, seja no presente, seja no futuro, entre outros. Nenhuma discussão ampla deve esquecer esses aspectos e cada sociedade lidará com eles de uma forma diferente
28 de outubro de 2020
Davi Lyra Leite
A ideia é simples: mostrar que cada um tem pontos que podem ser positivos e pontos negativos, ou seja, não há uma escolha perfeita e absoluta, mas sim a necessidade de uma constante avaliação sobre as prioridades de um determinado lugar e seu real estado das coisas. Entender as diferenças significa abrir portas para melhores avaliações do que está acontecendo e do que se deseja para o futuro, seja próximo, seja no longo prazo.
Nesse sentido, é bom relembrar o economista americano Thomas Sowell, que, ao comentar sobre qualquer política pública, lembra que devemos sempre pensar nos trade-offs que estão presentes na hora de escolher qual caminho seguir. As escolhas devem ser baseadas em uma análise cuidadosa de prós e contras, e não em narrativas ou discursos ideológicos.
Juntamente a Sowell, temos a análise do filósofo francês Bastiat, que nos clama a analisar as consequências ocultas das diversas ações que podem ser tomadas, lembrando que boas intenções nem sempre geram bons resultados.
Toda política pública possui efeitos imprevistos ou indesejados. Sempre vale a pena perguntar: o que não estamos vendo?
A definição usada aqui para sistemas de saúde terá como foco basicamente duas coisas: o ente pagador e o nível de regulação. Esses elementos estão amplamente associados, visto que mesmo em um sistema com gasto totalmente privado — como o de planos de saúde —, o estado pode ser o grande definidor da qualidade de tratamento que as pessoas estão recebendo, ao reduzir a oferta e aumentar os preços com excesso de regulamentações — Anvisa, ANS, FDA, HHS, PHEA.
Dessa forma, analisando tanto o aspecto de pagamento como o de regulamentações, não corremos o risco de definir erradamente o que é um livre mercado de saúde, como Paul Krugman geralmente faz.
Segundo a combinação destes critérios — fonte de financiamento e tipo de regulamentação —, três grandes tipos de sistemas de saúde são observados ao redor do mundo. A medicina socializada, em que há financiamento e provimento públicos; o sistema misto, em que o provimento é privado, mas amplamente regulado pelo estado, podendo ter seu financiamento público ou privado; e o livre mercado, financiado e regulado por agentes privados.
É importante lembrar que em um mesmo país mais de um sistema de saúde pode estar presente e ser autorizado pelo governo, como é o caso do Brasil e El Salvador, em que há o sistema público e também os serviços privados.
A escolha do modelo de saúde a ser adotada por um país passa por diversos fatores que vão além da economia, como características geográficas e sociais, além de estruturas legais e históricas. Algo que funciona relativamente bem em uma localidade pode falhar em outra. Entretanto, é essencial lembrar que a escolha presente vai impactar principalmente as gerações futuras, que vão colher os frutos das virtuosas ou péssimas decisões tomadas pelos governantes.
A medicina socializada
O sistema socializado de medicina, como o Sistema Único de Saúde brasileiro, parte geralmente de duas premissas: saúde é um direito que deve ser fornecido pelo estado; e o governo consegue controlar o fornecimento deste serviço de forma a ter uma cobertura ampla para toda a população evitando discriminação econômica, geográfica e social.
A partir destas premissas, temos a construção de modelos de cobertura e organização de serviços totalmente diferentes, podendo ser amplamente centralizados, como no caso da extinta URSS e do Brasil — por mais que, no papel, os municípios tenham uma responsabilidade maior, o Ministério da Saúde tem sido o grande determinante das políticas públicas brasileiras —; ou descentralizados, como o visto durante os anos 2000 nos países nórdicos e parcialmente no Reino Unido.
A característica em comum é o estado ser fornecedor da saúde, dono de hospitais, clínicas, ambulâncias e empregador dos profissionais que trabalham na área de saúde (desde o limpador de chão até o neurocirurgião especialista em microvasculatura). Na prática, com a intenção de ampliar o atendimento a todos, não é o rico que paga pelo pobre, mas o saudável que paga pelo doente.
Mas este sistema é politicamente popular porque ele fornece a ilusória vantagem de que as pessoas não precisam desembolsar diretamente o dinheiro para ter acesso ao sistema de saúde, já estando cobertas quando de qualquer necessidade. Isso diminui a necessidade de poupança para pagar possíveis tratamentos médicos, impede que uma pessoa vá à falência por causa de uma internação e também libera as pessoas para incorrer em riscos, como a compra de um apartamento, ou o investimento em uma empresa — visto que os gastos com saúde já estão garantidos pela sociedade.
Há uma alegada cobertura universal igualitária — presente normalmente só no papel e não no fornecimento do serviço —, em que ricos e pobres têm acesso aos mesmos tipos de médicos.
Teoricamente os mecanismos de seleção para tratamento se baseiam em critérios como ordem de chegada ou gravidade da doença. Assim, a promessa é de que o estado vai cuidar das pessoas sempre que elas precisarem, sejam ricas ou pobres, estejam relativamente saudáveis ou em situações gravíssimas.
O financiamento desse sistema pode se dar basicamente de duas formas:
Contribuição igualitária individual, em que cada pessoa paga um valor fixo para o estado por ano, e o governo aloca os recursos conforme achar necessário. Seria algo similar a um plano de saúde estatal.
Pagamento por meio de impostos, sendo mais ou menos progressivos conforme o país. Esses impostos podem estar sobre a renda, o consumo ou a propriedade. Sendo essa a forma de financiamento do SUS.
Assim, o clamor de que os ricos pagam pelos pobres não é necessariamente factual, visto que um pobre saudável que não use o sistema de saúde financiará um rico doente. Nesse modelo, os custos são divididos por toda a sociedade e a lógica de transferência de renda é feita dos saudáveis para os doentes.
Recursos são alocados segundo um planejamento estatal, com pouca participação do mercado, seja na definição de preços, seja no fornecimento de serviços concorrentes. Um burocrata define quantos e quais profissionais são necessários para cada grupo de habitantes, e faz as compras de suprimentos conforme modelos econômicos que ache razoáveis.
Pode até haver maior ou menor controle social do sistema, com a existência de conselhos comunitários de saúde, mas as decisões são em si estatais. Normalmente, critérios técnicos são usados para definir quais serviços serão cobertos pelo sistema de saúde, definidos comitês de análise de custo e efetividade — como o NICE do Reino Unido —, que determinam patamares de preços aceitáveis de se pagar por um tratamento ou um medicamento.
Adicionalmente, mecanismos como licitações são usados para definir os fornecedores e geralmente o preço de um produto — e não a sua qualidade ou real necessidade futura — acaba sendo o principal fator para determinar qual será o ganhador do processo.
Dessa forma, vemos muitas vezes sendo usados no sistema de saúde produtos genéricos que não atendem às necessidades específicas dos pacientes, apesar de estarem de acordo com o determinado pela licitação. Isso causa situações como falta de material cirúrgico-hospitalar pediátrico, medicamentos em dosagens que não são condizentes com o que os pacientes necessitam, excesso de um tipo de linha de sutura e falta de outros, e assim por diante.
Esse contexto incentiva o crescimento do mercado negro, onde medicamentos são revendidos e pessoas conseguem ter acesso a serviços não ofertados pelo governo — muitas vezes de qualidade duvidosa.
Como os burocratas não precisam assumir os custos de suas más decisões, visto que muitas vezes permanecem no cargo mesmo depois de várias escolhas erradas, há pouco incentivo interno para melhorias. Além disso, o público paga pelo serviço independentemente do seu uso e da sua qualidade, o que leva a custos desconexos com a realidade, corrupção, tráfico de influência e cartelização impostas pelo mecanismo de planejamento central.
Inovações tecnológicas demoram a ser adotadas e o ambiente não cria incentivos para investimentos privados diretos, visto que há restrição governamental para entrada no mercado.
No longo prazo, o resultado de todo sistema socializado de saúde é o racionamento do atendimento, com longas filas se formando e com tempo de espera significativo. Em muitos casos, as pessoas chegam a morrer esperando pela sua vez, enquanto os mais ricos conseguem fugir do sistema pagando por fora para médicos ou viajando para outros países a fim de conseguir seu atendimento médico — vide o caso de Hugo Chávez e Fidel Castro, que recorreram médicos espanhóis, e de brasileiros que buscam tratamentos médicos na Europa e nos EUA.
Vale ressaltar que, no curto prazo, esse sistema pode sim gerar um ganho em número de atendimentos. Isso acontece quando pelo menos uma de duas coisas se faz presente: excesso de profissionais e equipamentos subutilizados no sistema de saúde vigente antes da socialização; ou preços pagos pelo governo acima daqueles de mercado. Nesse caso, pessoas que antes não tinham acesso ao sistema de saúde passam a desfrutar de atendimento médico.
Entretanto, esse desequilíbrio de oferta ou de preços dura pouco tempo e, em alguns anos, a escassez começa devido à inevitável contenção de gastos governamentais e à incapacidade de a oferta atender a uma demanda sempre crescente, visto que o preço monetário do serviço será artificialmente definido como zero.
Um exemplo desse fenômeno está no Reino Unido, que implementou o NHS no pós-Segunda Guerra e vê o número de leitos hospitalares cair desde então.
[Nota do IMB: na Inglaterra, os hospitais estatais são autorizados a recusar remédios aos pacientes, bebês doentes estão sofrendo eutanásia compulsória, e 1.200 pacientes morreram de fome porque as "enfermeiras estavam ocupadas demais para alimentá-las".]
Outro caso notável de perda de qualidade com o passar do tempo é Cuba. A ilha caribenha apresenta um dos índices mais altos de médicos por mil habitantes das Américas, que se mantém nesse patamar devido ao número de vagas em faculdades de medicina e à baixa seletividade dos alunos no processo de entrada — além de um nível de formação dos médicos considerado deficiente por muitos especialistas. Mesmo com muitos médicos, hoje já há filas para atendimentos, principalmente especializados, e a corrupção já é o meio mais eficaz de se garantir a sua consulta. Além disso, materiais básicos como aspirinas e utensílios hospitalares são escassos, obrigando pacientes a comprá-los no mercado negro ou adiar seus tratamentos.
O sistema misto
Um sistema misto apresenta alta carga de regulamentações, fornecimento de serviços por entes privados, e pode ser financiado pelo estado ou por agentes privados.
Diferentemente do modelo puramente socializado, nos sistemas mistos o estado não é o dono dos hospitais nem o empregador dos profissionais de saúde. Entretanto, o estado atua definindo quais serviços podem ser ofertados, quais tipos de profissionais são autorizados a trabalhar no país e muitas vezes até tabela os preços considerados aceitáveis.
A saúde continua sendo um direito, mas não cabe ao estado o seu fornecimento, seja porque agentes privados são mais eficientes, ou porque os sistemas privados já faziam um bom trabalho antes de o governo decidir entrar na jogada.
Esse sistema apresenta vantagens em relação ao fornecimento de saúde pelo governo: menores custos dos serviços aos pagadores de impostos; competição entre os fornecedores; maior possibilidade de inovações; mais liberdade de escolha em relação ao provedor do serviço.
Além disso, há uma garantia teórica de que todo o serviço oferecido deverá atender a características mínimas definidas por regulamentações, o que significaria uma qualidade básica de atendimento. Pode ainda existir uma universalidade da oferta do serviço, desde que dentro de uma cobertura mínima — isso acontece tanto no sistema com pagamento público, como naquele com pagamento privado.
O exemplo mais famoso de fornecimento de saúde por agentes privados e pagamento pelo governo é o Canadá. Nesse sistema, o governo federal define algumas diretrizes que devem ser seguidas pelas províncias e fornece um seguro nacional de saúde que todo canadense ou residente legal tem acesso. Cada província pode ampliar a cobertura definida nacionalmente, o que implicará mais custos para os governos locais, ou atender apenas o mínimo nacional. Além disso, as províncias negociam com os hospitais os valores que serão repassados para o tratamento de cada doença, e atuam também definindo quais preços serão reembolsados quando da compra de equipamentos e suprimentos médicos.
No modelo canadense há certa concorrência entre os fornecedores dos serviços de saúde, visto que o governo paga conforme o número de pacientes tratados e os resultados dos tratamentos. Um hospital mais eficiente tende a ter um fluxo maior de pacientes com menor gasto de pessoal/equipamento, gerando assim um maior lucro.
Entretanto, como os preços dos repasses não são definidos pelo mercado e sim por burocratas, há um considerável descolamento entre o valor pago e aquele que deveria ser repassado em uma situação de real mercado. Assim, os recursos são alocados em áreas que são consideradas lucrativas segundo os repasses estatais e não naquelas realmente necessárias para população.
Vale a pena lembrar que no modelo canadense, por mais que as pessoas não estejam pagando abertamente a conta do hospital, elas continuam desembolsando anualmente uma quantidade significativa de dinheiro para sua manutenção, utilizem ou não os serviços de saúde, e têm pouco controle sobre a qualidade e tipos de serviços que lhes são ofertados.
A outra forma comum do sistema misto pode ser vista no Brasil com os planos de saúde privados, amplamente regulamentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esse órgão do governo federal define quais tratamentos de saúde os planos devem oferecer — a chamada cobertura mínima —, além de estabelecer o número de consultas em cada especialidade a que os segurados têm "direito".
A Agência ainda controla os valores que podem ser cobrados pelos prestadores privados, restringindo aumentos de tarifas e repasses de custos aos consumidores. Ela determina como os planos podem cobrar dos seus clientes e como eles devem pagar os provedores dos serviços. Por fim, os planos de saúde ou seguem as diretrizes da ANS ou são legalmente suspensos do mercado.
Como a ANS não consegue em hipótese alguma saber os dados da condição de saúde de cada segurado para definir suas regulamentações, trabalhando apenas com estudos genéricos sobre grupos de pacientes, ela acaba sendo um grande balcão de negócios para grupos de interesse. Um exemplo disso é quando associações de profissionais vão fazer lobby para inclusão obrigatória de seus serviços no portfólio dos planos. Elas apresentam casos comoventes de pessoas que sofrem por não terem acesso a um determinado serviço porque o plano não o cobria, ou mostram estatísticas de quantos pacientes "se beneficiariam" caso os seus serviços fossem ofertados pelas seguradoras.
Juntamente à pressão política, esses grupos buscam o apoio da mídia — seja em campanhas publicitárias diretas ou em inserções da temática em novelas, séries e programas de variedades —, com o objetivo de comover as pessoas a comprarem a história. Não raramente, elas conseguem o desejado.
Dessa forma, a ANS muda as apólices mínimas e, por exemplo, obriga uma pessoa que só quer pagar pelo tratamento de sua doença do coração a contratar consultas anuais de um serviço de psicologia, por mais que esse paciente nunca vá ao psicólogo, ou de pediatria, por mais que não tenha filhos.
Um exemplo de como esse tipo de lobby é perverso se vê no caso do Obamacare americano, em que o HHS — Ministério da Saúde Americano — define que homens solteiros devem pagar por serviços ginecológicos e obstétricos em seus planos de saúde. Assim, os planos de saúde ficam mais caros, por causa dos requerimentos mínimos, e as agências têm de fazer um controle de preços cada vez mais forte.
No longo prazo, a competição fica absurdamente reduzida, visto que apenas grandes seguradoras conseguem fornecer todos os serviços minimamente exigidos pela agência. Na prática, regulamentações excessivas encarecem os serviços, dificultando o acesso dos mais pobres ao atendimento de saúde.
As regulamentações são, portanto, uma forma de o governo controlar os serviços de saúde, sem precisar ser o seu fornecedor. Elas atuam diretamente reduzindo a competitividade e podem até ser baseadas em boas intenções — como reduzir a "cobrança abusiva" por um determinado provedor, ou aumentar o acesso a coisas que são boas, como fisioterapia e reeducação alimentar —, mas acabam por onerar significativamente o consumidor.
No processo há sempre aqueles que se beneficiam, como os pacientes que veem agora suas consultas subsidiadas pelos outros membros da rede que não fazem o uso do serviço, ou os líderes de grupos profissionais que conseguiram uma boquinha a mais e serão reeleitos em suas associações. Mas em vários casos, há mais prejudicados do que beneficiados, e os custos não compensam o que foi feito.
Serviços mais caros levam a menos pessoas podendo pagar por eles, o que gera maior pressão por novas regulamentações — dificilmente as pessoas entendem que foram as "soluções" anteriores que geraram os novos problemas. Com isso, o clamor por medidas cada vez piores se torna presente, como no caso dos Estados Unidos, em que os fantasmas da medicina socializada e do single-payer estilo canadense voltaram a assombrar o país devido ao número considerável de pessoas que ainda não têm seguro saúde, mesmo depois da adoção do Obamacare.
O sistema de livre-mercado
A saúde, assim como qualquer outro serviço ou bem no mercado, pode ser ofertada com a mínima interferência estatal — as únicas restrições se aplicando a alguém que deliberadamente afeta a integridade física de outrem e retira a vida de um paciente sem o seu consentimento.
Um sistema de livre mercado de saúde consiste em pessoas fazendo aquelas escolhas para seus tratamentos que mais se adéquam a alguns princípios simples: seus valores pessoais, sua disponibilidade de tempo, sua disponibilidade monetária. Desse modo, os custos de uma decisão individual não podem ser transmitidos a outrem sem o seu consentimento (escolhas individuais, custos individuais).
Esse tipo de sistema está parcialmente presente nos serviços privados de saúde, principalmente naqueles de caráter estético, como cirurgia plástica e dermatologia; cirurgia para correção de miopia; serviços odontológicos; e treinamento físico; mas não é adotado amplamente por nenhum país.
As grandes vantagens deste modelo são a sua adaptabilidade às necessidades individuais de cada paciente, a rápida capacidade de adoção de inovações (e o incentivo às mesmas), o baixo custo para aqueles que não estão fazendo uso dos serviços (a menos que optem pela participação voluntária em um plano de saúde, no qual escolhem os termos, eles não pagam nada), e a individualização das escolhas e de seus resultados.
Médicos e outros profissionais de saúde se organizam da forma mais eficiente para o atendimento aos pacientes e não seguindo modelos pré-estabelecidos por outras pessoas que pouco entendem do sistema. Pacientes têm a liberdade de se consultar com o médico que querem, arcando com os custos disso — seja esperando muito por uma consulta, seja pagando valores mais caros por ela. E empreendedores são motivados a oferecer novos produtos e serviços para atender às necessidades do mercado, seja competindo em áreas que já apresentam soluções, seja oferecendo alternativas para determinados procedimentos e modelos organizacionais.
Um dos melhores exemplos atuais do livre mercado nos serviços de saúde está no caso das cirurgias para correção de problemas de visão nos EUA. Esse tipo de procedimento é pouco regulado: basicamente o que se tem é a necessidade de o médico respeitar o contrato estabelecido com o paciente e fazer todo o possível para não causar dano. Essa cirurgia não é coberta pela maior parte dos planos de saúde, então a escolha do médico que realizará o procedimento não se dá pela cobertura da seguradora e sim por análise dos preços e dos resultados que aquele profissional apresenta.
Além disso, existem algumas diferentes técnicas que foram desenvolvidas ao longo dos últimos 30 anos para permitir uma recuperação mais rápida, diminuir o desconforto do paciente, ter um procedimento mais rápido etc. Ou seja, é uma área que apresenta os pilares do livre mercado: a regulamentação se dá pela escolha dos consumidores, há uma real concorrência dos fornecedores do serviço e há competição pela clientela.
Analisando o que ocorreu com o passar do tempo, vê-se que menos de 15 anos depois do início de sua popularização, o preço das cirurgias de redução de miopia caiu significativamente. Em 1997, o procedimento custava US$8.000, ao passo que em 2012 ele saía por US$3.800 — isso sem considerar a diferença de poder de compra devido à inflação.
Lembrando que, na década de 1990, a correção de visão era realizada por um cirurgião com instrumentos como bisturis para cortar parte do tecido do olho e corrigir as imperfeições, ao passo que atualmente o procedimento é feito com um laser guiado por computador.
Além disso, é possível ainda encontrar médicos que cobrem menos de US$1.000 pelo procedimento. Ou seja, o mercado, a inovação e a concorrência fizeram com que algo que era restrito a uma elite na década de 1990 se tornasse acessível para um trabalhador de classe média.
Mantendo-se esse padrão de redução de custo, a tendência é que em 2020 um trabalhador que ganhe um salário mínimo nos EUA (cerca de 16 mil dólares por ano) possa pagar a cirurgia sem comprometer significativamente seu orçamento anual.
O grande problema da abordagem de mercado está no fato de que ela entende que recursos são escassos e não visa a distribuí-los igualitariamente, visto que é impossível atender todas as demandas ao mesmo tempo com uma quantidade finita de recursos. Durante um tempo, algumas pessoas podem ficar sem a suposta garantia de acesso ao serviço dada pelos modelos mais regulados ou socializados por não terem o dinheiro necessário para pagar pelo atendimento médico, pelas cirurgias, pelos equipamentos — lembrando que mesmo nos sistemas socializados, não há nenhuma certeza do atendimento médico em si; há apenas um pedaço de papel dizendo que há a possibilidade de obtê-lo sem o pagamento posterior pelo serviço.
Entretanto, não há nenhuma barreira legal imposta à entrada de novos players no mercado e nem ao acesso dos serviços de saúde. Qualquer um pode financiar seus tratamentos, pode se juntar em grupos para comprar "pacotes de cirurgias ou de consultas médicas" — estilo Groupon ou Peixe Urbano, como é comum com vários procedimentos dermatológicos —, ou mesmo aderir voluntariamente a seguradoras de saúde, que devem ser transparentes e fornecer planos que atendam a seus clientes e não a grupos de interesse.
O interessante é que mesmo aqueles que não teriam o acesso inicial podem se beneficiar da abordagem de mercado, visto que médicos conseguem ter mais tempo livre ao fugir das burocracias impostas pelos reguladores e assim dedicar parte do seu horário a atividades pro bono.
Empresas também têm o interesse de promover ações sociais para se beneficiar no mercado, e há a possibilidade de entidades de caridade e da sociedade civil surgirem para o fornecimento de saúde para os mais pobres — Santas Casas e Beneficência Portuguesa já atendiam inúmeros pacientes bem antes de alguém imaginar o SUS.
Além disso, as inovações geradas em áreas mais competitivas são exportadas para outros serviços mais regulados, ou mesmo para países que apresentam sistemas de saúde mais restritivos.
Conclusão
Existem diversos modelos de sistemas de saúde adotados ao redor do mundo e mesmo dentro de um dado país. Cada sistema tem suas particularidades, advindas dos agentes responsáveis por sua implantação. Não há um sistema que possa ser considerado perfeito, visto que todos apresentam determinadas falhas. Entretanto, há aqueles que conseguem apresentar mais prós do que contras, principalmente no longo prazo — o caso do livre mercado.
Assim, um país como a Suécia, que apresenta uma população pequena, amplamente urbana e muito homogênea, consegue implantar um modelo socializado de medicina que demorará anos para começar a apresentar fadiga. Enquanto isso, o SUS brasileiro é problemático desde sua implantação.
O mesmo vale quando comparamos os sistemas baseados em seguro obrigatório individual, que funcionam muito bem na Suíça, mas apresentam vários problemas em estados americanos, como Massachusetts. Assim, alegar que algo é muito bom e que vai dar certo caso seja implantado no nosso país porque parece funcionar em outro país não é um caminho razoável.
Por fim, além dos aspectos práticos e econômicos, alguns questionamentos morais e filosóficos devem ser feitos, principalmente no tocante a como seria o acesso aos tratamentos e se é justo fazer outras pessoas pagarem pela sua conta, seja no presente, seja no futuro, entre outros. Nenhuma discussão ampla deve esquecer esses aspectos e cada sociedade lidará com eles de uma forma diferente
28 de outubro de 2020
Davi Lyra Leite
COMO O INTERVENCIONISMO ESTATAL ESTÁ DESTRUINDO O MERCADO PRIVADO DE SAÚDE BRASILEIRO
Quando o sentimentalismo solapa a racionalidade econômica
Nota do Editor
O artigo a seguir — apresentado em uma versão condensada — foi o vencedor do concurso de artigos na categoria "Direito" feito pelo IMB por ocasião de sua V Conferência de Escola Austríaca.
As opiniões do autor não necessariamente refletem as opiniões do Instituto Mises Brasil.
____________________________________
Embora seja negligenciado pelo debate público, o intervencionismo no setor de saúde privada tem causado perversos reflexos econômicos e sociais.
Na década de 1990, o mercado privado de saúde vinha se desenvolvendo rapidamente. A crescente demanda, o colapso do serviço público de saúde e a parca regulamentação[1][2] — isto é, a relativa ausência de barreiras de entrada no mercado[3], o que estimulava a livre concorrência — permitiram uma forte expansão do setor.
Contudo, isso mudou com a ascensão do intervencionismo no setor ao final da década de 1990, que se deu por diferentes formas. Após quase duas décadas de crescente regulação estatal, temos atualmente (a) um sistema oligopolizado, (b) uma jurisprudência que, ao relativizar contratos, incentiva a judicialização de ações, (c) uma grande escassez na oferta de planos de saúde individuais, e (d) o cerceamento da livre concorrência, sendo esta a causa última do encarecimento dos planos de saúde.
Por tudo isso, o diagnóstico das consequências do intervencionismo no setor é essencial para a proposição de mudanças nos arranjos institucionais.
O intervencionismo na Lei dos Planos de Saúde
A intervenção do estado na saúde privada passou a se dar de forma mais intensa a partir da promulgação da Lei nº. 9.656/1998, conhecida como Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Ela impôs uma nova forma de dirigismo contratual aos Planos de Saúde. Seu art. 10, por exemplo, instituiu o "plano-referência", que estipula os serviços mínimos a serem ofertados compulsoriamente pelas operadoras de planos de saúde.
Já à época, a legislação foi bastante criticada por se arvorar como completa, detalhando até mesmo os procedimentos. Apontava-se que ela faria o setor se tornar obsoleto, pois enrijeceria as relações de consumo, aprisionando o consumidor[4]. O dirigismo estatal começava ali a limitar a liberdade de estipular produtos diferenciados e personalizados para a necessidade de cada consumidor, cerceando a livre concorrência e, com isso, fazendo o setor tender naturalmente à oligopolização.
Evidência disso é que, no ano 2000, havia 3.577 operadoras de plano de saúde atuando no Brasil. Uma década depois, o número caiu para menos da metade: 1.628, sendo que apenas 12% delas concentram mais de 80% dos usuários. E, em março de 2017, o número já era de apenas 1.076 operadoras.
Boa parte desta queda na oferta e aumento da concentração foi causada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada em 2000.
O intervencionismo da Agência Reguladora
A despeito das críticas à época, o intervencionismo no plano da saúde privada se intensificou com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pela Lei 9.961/2000[5]. Entre suas competências está autorizar o registro e o funcionamento das operadoras de plano de saúde, exercendo ampla normatização e fiscalização sobre suas atividades. A ANS estabelece, inclusive, as condições gerais para o exercício de cargos de direção dessas empresas.
Naturalmente, a soberania do consumidor passou para segundo plano, pois as operadoras passaram a se preocupar apenas em cumprir as normas da agência reguladora para poderem continuar no mercado.
Todos os contratos individuais passaram a ser regulados e hoje têm seus preços reajustados pela ANS. Ignorando uma vasta literatura econômica que explica que controle de preços causa escassez[6], os índices de reajuste autorizados muitas vezes são desatrelados de critérios técnicos[7] e menores que a inflação de serviços médicos. Consequentemente, a maioria das operadoras parou de oferecer a modalidade de contrato individual, concentrando-se nos contratos empresariais, que hoje correspondem a mais de 80% do mercado.
Ademais, atualmente a ANS estabelece um rol obrigatório de 3.216 procedimentos e eventos em saúde para que uma operadora de saúde possa funcionar, o que faz com que os clientes sejam obrigados a arcar — diretamente ou não — com custos de serviços que não tenham sequer interesse em utilizar.
Pior: tal imposição impede planos de saúde de terem modelos de negócios especializados em determinadas áreas médicas.
O intervencionismo nos contratos de plano de saúde no Judiciário
Outra forma de intervencionismo, desta vez indireto, ocorreu por meio da legislação[8] que permite ao Poder Judiciário relativizar contratos, mitigando o dogma da autonomia da vontade, princípio clássico da teoria contratual.
Os planos de saúde, como qualquer organização empresária, visam ao lucro, o qual é imprescindível para a viabilidade econômica da atividade. No entanto, parcela da doutrina jurídica tem considerado a existência de cláusulas restritivas de cobertura como abusivas, entendendo que o Judiciário deve obrigar as seguradoras a incluir procedimentos médicos não-previstos contratualmente. O impacto disso na operação dos planos de saúde é que essa despesa não-prevista afeta a operação econômica de custeamento de toda a cadeia de contratantes.
Por conseguinte, caso não sejam observadas as restrições às coberturas acordadas em contrato, a operação pode se tornar inviável economicamente — ou então os custos serão repassados a todos os outros clientes.
Assim, amparada pela doutrina, sedimentou-se uma jurisprudência tendente a impor serviços médicos além daqueles contratados. A consequência lógica foi a criação de um perverso incentivo: consumidores passaram a ingressar com demandas judiciais para pleitear prestações não cobertas contratualmente.
Como evidência, os custos com processos judiciais nos planos de saúde dobraram entre 2013 e 2015, superando a marca de R$ 1 bilhão.
Tudo isso gera aumento na insegurança jurídica e nos custos de transação, uma vez que os contratos não mais estão sendo corretamente obedecidos. Inevitavelmente, todos estes custos são repassados ao restante da carteira de clientes.
Ao intervir desta forma, o Judiciário afeta todo o ambiente econômico, impactando empresas, agentes e o próprio mercado, criando incertezas e custos desnecessários[9].
Os dados mostram que há uma tendência, entre os magistrados, de deferir pedidos liminares mesmo sem pedido de informações complementares. Ou seja, nestes casos de judicialização dos planos de saúde, o Judiciário decide favoravelmente ao consumidor, mesmo em segunda instância, em 3/4 das ações, com decisões que desconsideram seu reflexo econômico[10].
Por conseguinte, o Poder Judiciário tem amparado suas decisões não na abusividade, mas sim em razões humanitárias, com o intuito de proteger o consumidor supostamente desamparado, formando-se assim uma "jurisprudência sentimental"[11].
Além disso, destoando do entendimento majoritário de que meros descumprimentos contratuais não ensejam danos morais, é comum magistrados ainda condenarem as operadoras a pagarem danos morais a seus clientes por terem negado a cobertura de um evento médico não-contratado inicialmente, estimulando ainda mais essas judicializações.
O intervencionismo é tamanho que, até mesmo quando operadoras dos planos de saúde cumprem as normatizações definidas pela ANS, elas ainda assim são condenadas pelo poder Judiciário. Exemplo disso foi entendimento do STJ de que seria abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado[12], conflitando com uma resolução da agência reguladora[13] que estabelece a regularidade de limitações acima de 30 dias.
Assim, enquanto o ideal é que os contratos ofereçam "garantias de que os direitos poderão ser plenamente exercidos, reduzindo riscos futuros e gerando cooperação entre os contratantes"[14], o intervencionismo estatal logrou produzir incentivos negativos ao ambiente econômico em relação aos contratos de planos de saúde, o que resulta em uma maior ineficiência alocativa dos recursos.
Conclusão
A intenção de todo e qualquer intervencionismo é modificar a ação humana com o intuito de supostamente alcançar resultados melhores do que aqueles que seriam obtidos pelo livre mercado. No entanto, as consequências não-previstas do dirigismo estatal sempre se manifestam. E de forma a piorar o arranjo.
No final, os agentes empreendedores sempre se adaptam a mudanças institucionais, especialmente em meio a um ambiente institucional desfavorável. O melhor exemplo disso foi, como demonstrado, o abandono pelas operadoras de plano de saúde do oferecimento dos planos individuais, uma vez que estes se tornaram pouco viáveis economicamente diante das regulamentações, e a priorização do oferecimento de planos corporativos, que possuem arranjo institucional mais adequado à livre iniciativa.
Adicionalmente, a imposição do serviço referencial mínimo impediu a personalização dos serviços de acordo com a necessidade dos consumidores, aumentando os valores dos planos e assim prejudicando principalmente a camada mais pobre da população, que fica refém do SUS (atualmente, 2/3 dos brasileiros).
Diante da mitigação da autonomia da vontade, houve a consolidação de uma jurisprudência sentimental nos tribunais pátrios, no sentido de que praticamente toda cláusula de exclusão de cobertura é tida como abusiva. Este primado do sentimentalismo ignora os reflexos econômicos a serem suportados pelas operadoras de saúde — as quais, como era inevitável, reduziram a oferta e aumentaram os preços.
Os defensores do intervencionismo buscam por meio dele a satisfação de sua ânsia por 'justiça social'; no entanto, quanto maior o grau de dirigismo, maiores suas consequências não-premeditadas: as quais vão desde um eventual desequilíbrio contratual até o completo solapamento do sistema de saúde suplementar, prejudicando toda a coletividade de usuários do sistema.
Diante de tamanho intervencionismo, é compreensível que o mercado de saúde brasileiro enfrente tão grave crise. Parafraseando Aldous Huxley, os fatos não deixam de gerar consequências somente porque são ignorados pelo debate público.
28 de agosto de2020
Luan Sperandio
_________________________
Leia também:
Como Mises explicaria a realidade do SUS?
Um retrato da saúde brasileira - um desabafo de dois médicos
____________________________________
Embora seja negligenciado pelo debate público, o intervencionismo no setor de saúde privada tem causado perversos reflexos econômicos e sociais.
Na década de 1990, o mercado privado de saúde vinha se desenvolvendo rapidamente. A crescente demanda, o colapso do serviço público de saúde e a parca regulamentação[1][2] — isto é, a relativa ausência de barreiras de entrada no mercado[3], o que estimulava a livre concorrência — permitiram uma forte expansão do setor.
Contudo, isso mudou com a ascensão do intervencionismo no setor ao final da década de 1990, que se deu por diferentes formas. Após quase duas décadas de crescente regulação estatal, temos atualmente (a) um sistema oligopolizado, (b) uma jurisprudência que, ao relativizar contratos, incentiva a judicialização de ações, (c) uma grande escassez na oferta de planos de saúde individuais, e (d) o cerceamento da livre concorrência, sendo esta a causa última do encarecimento dos planos de saúde.
Por tudo isso, o diagnóstico das consequências do intervencionismo no setor é essencial para a proposição de mudanças nos arranjos institucionais.
O intervencionismo na Lei dos Planos de Saúde
A intervenção do estado na saúde privada passou a se dar de forma mais intensa a partir da promulgação da Lei nº. 9.656/1998, conhecida como Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Ela impôs uma nova forma de dirigismo contratual aos Planos de Saúde. Seu art. 10, por exemplo, instituiu o "plano-referência", que estipula os serviços mínimos a serem ofertados compulsoriamente pelas operadoras de planos de saúde.
Já à época, a legislação foi bastante criticada por se arvorar como completa, detalhando até mesmo os procedimentos. Apontava-se que ela faria o setor se tornar obsoleto, pois enrijeceria as relações de consumo, aprisionando o consumidor[4]. O dirigismo estatal começava ali a limitar a liberdade de estipular produtos diferenciados e personalizados para a necessidade de cada consumidor, cerceando a livre concorrência e, com isso, fazendo o setor tender naturalmente à oligopolização.
Evidência disso é que, no ano 2000, havia 3.577 operadoras de plano de saúde atuando no Brasil. Uma década depois, o número caiu para menos da metade: 1.628, sendo que apenas 12% delas concentram mais de 80% dos usuários. E, em março de 2017, o número já era de apenas 1.076 operadoras.
Boa parte desta queda na oferta e aumento da concentração foi causada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada em 2000.
O intervencionismo da Agência Reguladora
A despeito das críticas à época, o intervencionismo no plano da saúde privada se intensificou com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pela Lei 9.961/2000[5]. Entre suas competências está autorizar o registro e o funcionamento das operadoras de plano de saúde, exercendo ampla normatização e fiscalização sobre suas atividades. A ANS estabelece, inclusive, as condições gerais para o exercício de cargos de direção dessas empresas.
Naturalmente, a soberania do consumidor passou para segundo plano, pois as operadoras passaram a se preocupar apenas em cumprir as normas da agência reguladora para poderem continuar no mercado.
Todos os contratos individuais passaram a ser regulados e hoje têm seus preços reajustados pela ANS. Ignorando uma vasta literatura econômica que explica que controle de preços causa escassez[6], os índices de reajuste autorizados muitas vezes são desatrelados de critérios técnicos[7] e menores que a inflação de serviços médicos. Consequentemente, a maioria das operadoras parou de oferecer a modalidade de contrato individual, concentrando-se nos contratos empresariais, que hoje correspondem a mais de 80% do mercado.
Ademais, atualmente a ANS estabelece um rol obrigatório de 3.216 procedimentos e eventos em saúde para que uma operadora de saúde possa funcionar, o que faz com que os clientes sejam obrigados a arcar — diretamente ou não — com custos de serviços que não tenham sequer interesse em utilizar.
Pior: tal imposição impede planos de saúde de terem modelos de negócios especializados em determinadas áreas médicas.
O intervencionismo nos contratos de plano de saúde no Judiciário
Outra forma de intervencionismo, desta vez indireto, ocorreu por meio da legislação[8] que permite ao Poder Judiciário relativizar contratos, mitigando o dogma da autonomia da vontade, princípio clássico da teoria contratual.
Os planos de saúde, como qualquer organização empresária, visam ao lucro, o qual é imprescindível para a viabilidade econômica da atividade. No entanto, parcela da doutrina jurídica tem considerado a existência de cláusulas restritivas de cobertura como abusivas, entendendo que o Judiciário deve obrigar as seguradoras a incluir procedimentos médicos não-previstos contratualmente. O impacto disso na operação dos planos de saúde é que essa despesa não-prevista afeta a operação econômica de custeamento de toda a cadeia de contratantes.
Por conseguinte, caso não sejam observadas as restrições às coberturas acordadas em contrato, a operação pode se tornar inviável economicamente — ou então os custos serão repassados a todos os outros clientes.
Assim, amparada pela doutrina, sedimentou-se uma jurisprudência tendente a impor serviços médicos além daqueles contratados. A consequência lógica foi a criação de um perverso incentivo: consumidores passaram a ingressar com demandas judiciais para pleitear prestações não cobertas contratualmente.
Como evidência, os custos com processos judiciais nos planos de saúde dobraram entre 2013 e 2015, superando a marca de R$ 1 bilhão.
Tudo isso gera aumento na insegurança jurídica e nos custos de transação, uma vez que os contratos não mais estão sendo corretamente obedecidos. Inevitavelmente, todos estes custos são repassados ao restante da carteira de clientes.
Ao intervir desta forma, o Judiciário afeta todo o ambiente econômico, impactando empresas, agentes e o próprio mercado, criando incertezas e custos desnecessários[9].
Os dados mostram que há uma tendência, entre os magistrados, de deferir pedidos liminares mesmo sem pedido de informações complementares. Ou seja, nestes casos de judicialização dos planos de saúde, o Judiciário decide favoravelmente ao consumidor, mesmo em segunda instância, em 3/4 das ações, com decisões que desconsideram seu reflexo econômico[10].
Por conseguinte, o Poder Judiciário tem amparado suas decisões não na abusividade, mas sim em razões humanitárias, com o intuito de proteger o consumidor supostamente desamparado, formando-se assim uma "jurisprudência sentimental"[11].
Além disso, destoando do entendimento majoritário de que meros descumprimentos contratuais não ensejam danos morais, é comum magistrados ainda condenarem as operadoras a pagarem danos morais a seus clientes por terem negado a cobertura de um evento médico não-contratado inicialmente, estimulando ainda mais essas judicializações.
O intervencionismo é tamanho que, até mesmo quando operadoras dos planos de saúde cumprem as normatizações definidas pela ANS, elas ainda assim são condenadas pelo poder Judiciário. Exemplo disso foi entendimento do STJ de que seria abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado[12], conflitando com uma resolução da agência reguladora[13] que estabelece a regularidade de limitações acima de 30 dias.
Assim, enquanto o ideal é que os contratos ofereçam "garantias de que os direitos poderão ser plenamente exercidos, reduzindo riscos futuros e gerando cooperação entre os contratantes"[14], o intervencionismo estatal logrou produzir incentivos negativos ao ambiente econômico em relação aos contratos de planos de saúde, o que resulta em uma maior ineficiência alocativa dos recursos.
Conclusão
A intenção de todo e qualquer intervencionismo é modificar a ação humana com o intuito de supostamente alcançar resultados melhores do que aqueles que seriam obtidos pelo livre mercado. No entanto, as consequências não-previstas do dirigismo estatal sempre se manifestam. E de forma a piorar o arranjo.
No final, os agentes empreendedores sempre se adaptam a mudanças institucionais, especialmente em meio a um ambiente institucional desfavorável. O melhor exemplo disso foi, como demonstrado, o abandono pelas operadoras de plano de saúde do oferecimento dos planos individuais, uma vez que estes se tornaram pouco viáveis economicamente diante das regulamentações, e a priorização do oferecimento de planos corporativos, que possuem arranjo institucional mais adequado à livre iniciativa.
Adicionalmente, a imposição do serviço referencial mínimo impediu a personalização dos serviços de acordo com a necessidade dos consumidores, aumentando os valores dos planos e assim prejudicando principalmente a camada mais pobre da população, que fica refém do SUS (atualmente, 2/3 dos brasileiros).
Diante da mitigação da autonomia da vontade, houve a consolidação de uma jurisprudência sentimental nos tribunais pátrios, no sentido de que praticamente toda cláusula de exclusão de cobertura é tida como abusiva. Este primado do sentimentalismo ignora os reflexos econômicos a serem suportados pelas operadoras de saúde — as quais, como era inevitável, reduziram a oferta e aumentaram os preços.
Os defensores do intervencionismo buscam por meio dele a satisfação de sua ânsia por 'justiça social'; no entanto, quanto maior o grau de dirigismo, maiores suas consequências não-premeditadas: as quais vão desde um eventual desequilíbrio contratual até o completo solapamento do sistema de saúde suplementar, prejudicando toda a coletividade de usuários do sistema.
Diante de tamanho intervencionismo, é compreensível que o mercado de saúde brasileiro enfrente tão grave crise. Parafraseando Aldous Huxley, os fatos não deixam de gerar consequências somente porque são ignorados pelo debate público.
28 de agosto de2020
Luan Sperandio
_________________________
Leia também:
Como Mises explicaria a realidade do SUS?
Um retrato da saúde brasileira - um desabafo de dois médicos
Um breve manual sobre os sistemas de saúde - e por que é impossível ter um SUS sem fila de espera
[1] GREGORI, Maria Stella. A normatização dos planos privados de assistência à saúde no Brasil, sob a ótica da proteção do consumidor.
[2] As primeiras intervenções foram o decreto-legislativo nº 4.682/1923, que criou um sistema de Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), financiadas por empregados, empresas e governo. Já os decretos-leis nº 72 e 73, ambos de 1966, ocasionaram a extinção dos IAPs e a reestruturação das antigas estruturas, como o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, e a criação do Sistema Nacional de Seguros Privados. Já a lei n° 6.839/80 obrigou as empresas do setor de saúde suplementar a se registrarem perante os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Medicina.
[3] CALAZANS, Rodrigo. Reflexos Econômicos Da Intervenção Judicial nos Contratos de Plano de Saúde. 2008.
[4] SARRUBBO, Mariângela. A saúde na CF e o contexto para a recepção da Lei 9.656/98. In: Saúde e responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. Revista dos Tribunais
[5] A agência reguladora é regulamentada pelo Decreto n.º 3.327/2000 e pela Resolução RDC (ANS) n.º 593/2000.
[6] SHUETTINGER, Robert L., BUTIER, Eamonn F., Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários, Visão, 1988.
[7]VENDRAMINI, Luiz Fernando. Dimensionando os Riscos dos Planos de Saúde.
[8] Mais notadamente Código de Defesa do Consumidor e da Lei dos Planos de Saúde, legislação já mencionada.
[9] TIMM, Luciano Benetti (Org.). A função social dos contratos em um sistema econômico de mercado. Porto Alegre, 2005.
[10] Mesmo se considerarmos a literatura neoclássica, há firmado o entendimento de que os contratos entre privados não são o meio mais apropriado à redistribuição de renda, e que a execução de políticas orçamentárias a fim de diminuir à desigualdade de renda deveria se restringir à área do direito público. ZANITELLI, Leandro Martins. Efeitos distributivos da regulação dos planos de saúde. Revista de Direito GV. São Paulo, 2007.
[11] DRUCK, Tatiana Oliveira. Op.cit. 2005.
[12] Súmula 302 do STJ, entendimento de 2004. <http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=SUMU&livre=@docn=%27000000302%27> Acesso 22.abr.2017.
[13]<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=PDFAtualizado&format=raw&id=MzAx> Acesso 22.abr.2017.
[14] TIMM, Luciano Benetti (Org.). Op.cit. 2005.
SUPRIMINDO O CHÃO DE SOB OS PÉS DO POVO
O que está por trás da sequência de notícias sobre a escalada da inflação que destaquei no Lendo jornais de hoje é o quadro que o FMI pintou semanas atrás mas que, com exceção da Folha de São Paulo que escolheu o último feriadão de três dias para noticiá-lo, o resto da imprensa nem se dignou registrar.
Examinando a sua base global de dados o FMI dava contexto àquela parcela do “maior assalto de todos os tempos” que, sendo praticado com o recurso à lei, foge do alcance das polícias e lava-jatos e, portanto, tem de ser proativamente pautada para ser exposta, o tipo de ação impensável na imprensa abduzida pelo “Sistema”, embora seja esse o “dreno-master” que determina a miséria a que está reduzido o favelão nacional que se extende, cada vez com menos exceções, à volta de Brasilia.
Resumidamente dizia o seguinte o relatório do FMI:
De 2008, ano da crise financeira global, até 2019, a despesa conjunta da União, dos estados e dos municípios do Brasil avançou de 29,5% para 41% do PIB, sem contar os encargos com juros da divida.
É o maior crescimento do custo de um Estado em todo o mundo no período. As despesas com funcionalismo ativo, que ultrapassaram 13% do PIB, só são menores que as da Arábia Saudita.
A escalada se deveu em grande medida aos “benefícios sociais” nos quais a metodologia do FMI agrupa, além das aposentadorias e pensões, também as ações de assistência social. Esses gastos subiram de 9,8% para 18,4% do PIB.
É nessa conta, portanto, que estão os famigerados “direitos adquiridos” pelos brasileiros “especiais” numa proporção de pelo menos R$ 36 por cada R$ 1 gasto com plebeus e equipara os gastos do Brasil com aposentadorias aos dos países mais ricos e com populações mais longevas do mundo. Aos nossos 18,4% comparam-se os 12,8% da Turquia, 11,1% da Russia, 7% da Colombia, 6,2% da Africa do Sul, 4,9% do Chile, 4,3% do Mexico, 2,1% do Peru. Cabe não esquecer que quase todo o “ajuste” das estatais esbagaçadas no “maior assalto de todos os tempos” foi feito na base de “programas de incentivo à antecipação de aposentadorias” nos seus vastos cabides de emprego, qual seja, pela transferência desses marajás das folhas de pagamentos dos ricos acionistas das estatais para as sustentadas pelo favelão nacional. Privatizações para extinguir tetas mesmo, que é bom, foram todas detidas pelos verdadeiros “donos” desse patrimônio…
A mecânica da metástase aferida pelo FMI é conhecida. Tudo, nas tais “instituições nacionais que funcionam” está armado para o crescimento automático, por mero decurso de prazo, da fatia dos brasileiros “especiais” no orçamento publico, ao qual corresponde a redução mais que proporcional da fatia dos plebeus. Os aumentos anuais obrigatórios do funcionalismo, segundo cálculo do governo por ocasião do congelamento do deste ano, custam perto de R$ 130 bilhões hoje, considerados só os federais e estaduais.
Já na conta das “oportunidades excepcionais” acabam por cair os grandes saltos sem volta do assistencialismo que compra votos e “likes” como os de 2008 e o de 2020. O “teto de gastos” foi um artificio para tornar visível e pôr um limite definido a essa modalidade de assalto “à lei armada” ao favelão para encher bolsos e comprar votos. Mas “ocasiões excepcionais” permitem substitui-lo por “orçamentos de guerra”, ressalvado que, cessada a “guerra”, volta a prevalecer a lei máxima da privilegiatura, a saber, “Nunca, jamais, qualquer passo atras”…
Em 2008 a crise financeira internacional ensejou que o PT desse o seu grande passo à frente na expansão fiscal botando pra dentro do Estado milhões de companheiros contribuintes do partido, consolidando “campeões nacionais” de financiamento de eleições e expandindo inúmeras bolsas clientelísticas além da “Família”. A pandemia fez o mesmo para Bolsonaro. Não foi tão letal, ainda, quanto poderia ter sido porque Paulo Guedes conseguiu excluir da festa o funcionalismo ou pelo menos o funcionalismo paisano por um ano. Mas Rodrigo Maia, espicaçando o machismo fácil do falastrão do Planalto, encarregou-se de passar a sentença de morte do equilíbrio das contas do Brasil pelas próximas gerações ao empurrar a ajuda de R$ 200 do ministro da Economia para os R$ 500 que ele sabia que, para não perder a marca, Bolsonaro não deixaria por menos de R$ 600.
Nos cálculos de Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro, a pandemia nua e crua teria derrubado o PIB em 11,9% em 2020, se ficássemos em linha com os países menos impactados. Mas os R$ 600 por mês distribuídos a 67 milhões de famílias (64% da população economicamente ativa), e o mais que foi despendido como ajuda aos estados, injetaram de volta 9% do PIB. No país do sonho de uma noite de verão de sêo Jair houve uma “expansão” de 3,9% na massa de salários em vez da redução de 6% que a brecada seca da pandemia de fato custou … mas que só dura até dezembro.
Estando o favelão na miséria a que foi reduzido, R$ 600 reais são bastantes para disparar uma inflação nos itens básicos de alimentação e insumos para construção de barracos … e também para limpar os cofres de um país exaurido para esta e para várias outras das próximas gerações que herdarão os R$ 4,5 tri de dívidas a que tudo isso nos empurrou por enquanto.
A escalada se deveu em grande medida aos “benefícios sociais” nos quais a metodologia do FMI agrupa, além das aposentadorias e pensões, também as ações de assistência social. Esses gastos subiram de 9,8% para 18,4% do PIB.
É nessa conta, portanto, que estão os famigerados “direitos adquiridos” pelos brasileiros “especiais” numa proporção de pelo menos R$ 36 por cada R$ 1 gasto com plebeus e equipara os gastos do Brasil com aposentadorias aos dos países mais ricos e com populações mais longevas do mundo. Aos nossos 18,4% comparam-se os 12,8% da Turquia, 11,1% da Russia, 7% da Colombia, 6,2% da Africa do Sul, 4,9% do Chile, 4,3% do Mexico, 2,1% do Peru. Cabe não esquecer que quase todo o “ajuste” das estatais esbagaçadas no “maior assalto de todos os tempos” foi feito na base de “programas de incentivo à antecipação de aposentadorias” nos seus vastos cabides de emprego, qual seja, pela transferência desses marajás das folhas de pagamentos dos ricos acionistas das estatais para as sustentadas pelo favelão nacional. Privatizações para extinguir tetas mesmo, que é bom, foram todas detidas pelos verdadeiros “donos” desse patrimônio…
A mecânica da metástase aferida pelo FMI é conhecida. Tudo, nas tais “instituições nacionais que funcionam” está armado para o crescimento automático, por mero decurso de prazo, da fatia dos brasileiros “especiais” no orçamento publico, ao qual corresponde a redução mais que proporcional da fatia dos plebeus. Os aumentos anuais obrigatórios do funcionalismo, segundo cálculo do governo por ocasião do congelamento do deste ano, custam perto de R$ 130 bilhões hoje, considerados só os federais e estaduais.
Já na conta das “oportunidades excepcionais” acabam por cair os grandes saltos sem volta do assistencialismo que compra votos e “likes” como os de 2008 e o de 2020. O “teto de gastos” foi um artificio para tornar visível e pôr um limite definido a essa modalidade de assalto “à lei armada” ao favelão para encher bolsos e comprar votos. Mas “ocasiões excepcionais” permitem substitui-lo por “orçamentos de guerra”, ressalvado que, cessada a “guerra”, volta a prevalecer a lei máxima da privilegiatura, a saber, “Nunca, jamais, qualquer passo atras”…
Em 2008 a crise financeira internacional ensejou que o PT desse o seu grande passo à frente na expansão fiscal botando pra dentro do Estado milhões de companheiros contribuintes do partido, consolidando “campeões nacionais” de financiamento de eleições e expandindo inúmeras bolsas clientelísticas além da “Família”. A pandemia fez o mesmo para Bolsonaro. Não foi tão letal, ainda, quanto poderia ter sido porque Paulo Guedes conseguiu excluir da festa o funcionalismo ou pelo menos o funcionalismo paisano por um ano. Mas Rodrigo Maia, espicaçando o machismo fácil do falastrão do Planalto, encarregou-se de passar a sentença de morte do equilíbrio das contas do Brasil pelas próximas gerações ao empurrar a ajuda de R$ 200 do ministro da Economia para os R$ 500 que ele sabia que, para não perder a marca, Bolsonaro não deixaria por menos de R$ 600.
Nos cálculos de Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro, a pandemia nua e crua teria derrubado o PIB em 11,9% em 2020, se ficássemos em linha com os países menos impactados. Mas os R$ 600 por mês distribuídos a 67 milhões de famílias (64% da população economicamente ativa), e o mais que foi despendido como ajuda aos estados, injetaram de volta 9% do PIB. No país do sonho de uma noite de verão de sêo Jair houve uma “expansão” de 3,9% na massa de salários em vez da redução de 6% que a brecada seca da pandemia de fato custou … mas que só dura até dezembro.
Estando o favelão na miséria a que foi reduzido, R$ 600 reais são bastantes para disparar uma inflação nos itens básicos de alimentação e insumos para construção de barracos … e também para limpar os cofres de um país exaurido para esta e para várias outras das próximas gerações que herdarão os R$ 4,5 tri de dívidas a que tudo isso nos empurrou por enquanto.
Obviamente não existe meio de recolocar o Brasil na competição mundial sem a certeza de ser esmagado senão percorrendo de volta o caminho dos 41% para os 29,5% do PIB e mais um bom tanto a menos de gasto com a privilegiatura.
Ponto…
Antigamente, dada a impossibilidade de fazer o Estado recuar por bem de seus avanços sobre a Nação, deixava-se o passivo diluir em desvalorização face ao dólar e em inflação. Mas como a unanimidade da imprensa brasileira, nesses tempos em que comida é dólar, acredita que nosso maior problema é “eleger”, com ou sem votos, mais “representantes de minorias” como membros eternos da privilegiatura e atiçar os monocratas do STF a calar na marra quem denunciar a Constituição que criou e sustenta esse método de suprimir o chão de debaixo dos pés do povo, o mais provável é que o favelão nacional tenha mesmo de parar de comer.
28 de outubro de 2020
Vespeiro
Ponto…
Antigamente, dada a impossibilidade de fazer o Estado recuar por bem de seus avanços sobre a Nação, deixava-se o passivo diluir em desvalorização face ao dólar e em inflação. Mas como a unanimidade da imprensa brasileira, nesses tempos em que comida é dólar, acredita que nosso maior problema é “eleger”, com ou sem votos, mais “representantes de minorias” como membros eternos da privilegiatura e atiçar os monocratas do STF a calar na marra quem denunciar a Constituição que criou e sustenta esse método de suprimir o chão de debaixo dos pés do povo, o mais provável é que o favelão nacional tenha mesmo de parar de comer.
28 de outubro de 2020
Vespeiro
Assinar:
Postagens (Atom)