Charge do Ivan Cabral (ivancabral.com)
Gratificações, auxílios e indenizações pagos a membros do Ministério Público de São Paulo fizeram com que 97% deles recebessem, em 2015, vencimentos acima do teto do funcionalismo público, estipulado em R$ 33,7 mil. O dado é de pesquisa realizada na Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Chamadas informalmente de “penduricalhos”, essas verbas são previstas em lei ou em decisões judiciais. Na prática elevam vencimentos da categoria muito acima do limite constitucional.
Parte desses pagamentos é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) da PGR (Procuradoria-Geral da República). A ADI questiona o pagamento de indenizações por atividades consideradas próprias da carreira, como plantões e juizados especiais. Em nota, a PGR informou que a ADI também contesta lei que permite ao procurador-geral de Justiça do Estado prover gratificações por meio de ato administrativo.
INCONSTITUCIONAL – “De acordo com a Constituição da República, subsídios e vantagens de agentes públicos devem, em regra, ser definidos por lei, não por atos administrativos”, diz a nota da PGR, que moveu ações contra a Promotoria de Santa Catarina e o Judiciário do Mato Grosso por pagamentos considerados abusivos.
Em manifestação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, argumentou que as gratificações são constitucionais e remuneram atividades extraordinárias.
O ministro Ricardo Lewandowski, relator da ação no STF, rejeitou o pedido de liminar da PGR para a suspensão desses pagamentos, mas deu sequência à ação “devido à relevância da matéria e o seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica”. Em 31 de março, o ministro requereu informações a Smanio e à Assembleia Legislativa.
Além da ADI, a Promotoria paulista é objeto de investigação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
DISTRIBUIÇÃO – A partir de denúncia, corregedores analisaram se o regime de distribuição de processos nas procuradorias de Justiça é automático, como deveria ser. Mudanças nesse regime poderiam gerar acúmulo de processos, o que demandaria mutirões, quando promotores recebem diárias extras pelo serviço. O resultado da investigação do CNMP sai em maio.
O corregedor nacional do Ministério Público, Cláudio Portela, diz que o pagamento de diárias não poderia ser responsável pelo volume de vencimentos acima do teto apontado pela FGV.
Ele afirma que indenizações, em geral, “buscam dar uma melhorada no salário” da categoria. Para Portela, a falta de reajuste periódico de subsídio fomenta a prática. “Criam esses monstrinhos, que dificultam o entendimento [da remuneração da categoria].”
PENDURICALHOS – A rubrica “Vantagens”, por exemplo, presente em quase todas as faixas salariais, foi classificada, em nota enviada à reportagem pelo Ministério Público de São Paulo, como “situações personalíssimas de vantagens que o membro já recebia antes de 2003”, ano em que foi estabelecido o teto dos funcionários públicos.
Em “Outras Indenizações” está o pagamento de “férias indeferidas por absoluta necessidade do serviço”. Os membros da Promotoria paulista têm direito a duas férias por ano, além do recesso de 20 dias na virada do ano.
Há ainda auxílio-moradia até para proprietários de imóveis na comarca de atuação.
LEGALIDADE – Norma Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, diz que essas verbas “são legais e reconhecidas pelos governos dos Estados e pelo STF”. “Enquanto a lei não for declarada inconstitucional, tem de ser cumprida”, diz.
Segundo o artigo 37 da Constituição, nenhum servidor federal ou ocupante de cargo eletivo pode receber remuneração superior à dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Na redação atual do artigo, verbas indenizatórias não são contadas dentro deste limite.
Desde novembro de 2016 tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional 63, que inclui verbas indenizatórias no cômputo da remuneração até o teto. Segundo o senador José Aníbal (PSDB-SP), que apresentou a proposta, a fórmula atual é a “senha” para a criação de benefícios “falsamente indenizatórios” que contornam a proibição de remuneração acima do teto.
OUTRO LADO – O Ministério Público de São Paulo afirmou em nota que nenhum membro recebe vencimentos acima do teto constitucional. O texto informa que pagamentos indenizatórios reembolsam despesas de promotores no cumprimento da função e, por isso, não constituiriam remuneração.
Sobre a ação em que a PGR questiona a natureza de indenizações pagas, além do mecanismo pelo qual elas são definidas pelo próprio Procurador-Geral de Justiça, o Ministério Público destacou que o pedido de liminar para interromper esses pagamentos foi negado pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Segundo a nota, isso indicaria que “a tese do ilustre chefe do Ministério Público da União não procede”. A ação será votada em plenário pelo tribunal.
O órgão também afirma que o modelo de distribuição de processos às procuradorias, objeto de investigação, segue o critério constitucional que prevê o repasse automático e imediato dos casos.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Tom Jobim estava certo nas “Águas de Março”, quando dizia “é a lama, é a lama”. Os integrantes da elite do serviço público perderam completamente a noção da ética e da legalidade. Ao invés de seguir os princípios jurídicos que deveriam ter aprendido na Faculdade, como Moralidade, Bem Comum, Dignidade do Trabalho e Solidariedade, os magistrados e integrantes do Ministério Público só se preocupam com a Lei de Murici, em que cada um cuida de si. Alegar que favorecimentos flagrantemente aéticos são “legais”, porque o Supremo ainda não declarou a inconstitucionalidade, é uma postura de revoltante desfaçatez. Por isso se diz que o Judiciário, que deveria ser o bastião do interesse público, é tão nauseabundo e putrefato como os outros supostos Poderes. (C.N.)
29 de abril de 20178
Fernanda Mena e Gabriela Sá Pessoa
Folha