Segundo ex-presidente do STF, que se aposenta em julho de 2016, sua ideia é uma renúncia coletiva da presidente Dilma, do vice-presidente Michel Temer, e dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros.
Para o ministro do Supremo, se o Brasil vivesse sob um regime parlamentarista, Dilma já teria caído.
Veja abaixo a entrevista na íntegra:
Istoé - O sr. lançou a ideia da renúncia coletiva por não ver saída para a crise?
Marco Aurélio Mello - Não podemos continuar nesse estado em que não há um diálogo entre os poderes Executivo e Legislativo e não se toma as medidas que impeçam o País de ir à bancarrota. O desemprego está se agravando. Claro que julgo as pessoas por mim. Numa situação dessas, eu teria essa iniciativa. Colocaria em segundo plano um interesse individual para privilegiar o coletivo.
A verdade é que o Brasil está parado. Há uma crise econômica. E é fato notório que não há governo.
Istoé - Não há governo?
Marco Aurélio - Não há governo. A pessoa que ocupa a cadeira de presidente da República precisa contar com apoio para governar. A presidente está superisolada. Como pode governar o País, se ela praticamente fala às paredes, sem ressonância maior?
Não acredito na renúncia de Dilma, até por sua resistência invulgar. Não conheço um caso de renúncia por grandeza. Na história recente do Brasil, tivemos a renúncia do presidente Janio Quadros. O ex-presidente Collor renunciou quando estava tendo início o julgamento no Senado Federal.
Não sei se hoje o País está melhor. Acho que está pior. O ocorrido no passado foi traumático. Implicou num desgaste, inclusive internacional, para a nação.
Com uma renúncia coletiva, ainda que utópica, teríamos novas eleições para a presidência, e para as casas legislativas.
Istoé - Como vê a situação do presidente da Câmara?
Marco Aurélio - A situação é embrionária. Estamos na fase de inquéritos. Temos de aguardar instruções, se houver processo crime com recebimento de denúncia. Uma delas já foi apresentada pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Enquanto ele for presidente da Câmara, o recebimento ou não cabe ao plenário. Não há espaço para açodamento, sob pena de não se observar o figurino legal.
Se o juízo, depois da compreensão da culpa, ficar sedimentado, aí a consequência será a condenação. Por ora, é cedo para presumirmos a culpa.
Mas os fatos que têm vindo à tona são lastimáveis. Principalmente, porque se trata de um homem que está presidindo a Câmara dos Deputados. O presidente da Câmara deveria ser um deputado acima de qualquer suspeita. Mas ainda não há culpa formada e temos de ver a realidade...
Istoé - Por mais rodriguiana que seja?
Marco Aurélio - Por mais, por mais que seja... Temos de observar a realidade.
Istoé- E que tem o poder de pautar um processo de impeachment...
Marco Aurélio - Aí é que está. Pela lei 1.079, o pedido de impeachment tem que ser submetido, a quem? Não é ao presidente da Câmara, mas ao colegiado da Câmara, aos 513 deputados, que, então, votarão para saber se deve ter sequência ou não o processo de impeachment.
Quem define se o pedido de impeachment deve ter sequência não é o todo poderoso presidente da Câmara. Seria um poder muito grande para um homem único, não?
Pela ordem jurídica existente, pela lei aprovada pelo Congresso, ele não tem esse poder. Isso é um equívoco. É não ler a lei 1.079, de 1950, que definiu o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
Istoé - E a postura da oposição?
Marco Aurélio - Uma coisa é o jogo político, outra coisa é o direito positivo, que tem de ser observado. Paga-se o preço por vivermos em um Estado Democrático de Direito: o respeito irrestrito à Constituição Federal. Quem define as regras do jogo não é o presidente da Câmara, criando o critério de plantão.
Istoé - As pedaladas fiscais são suficientes para o impeachment?
Marco Aurélio - Não sei. Cabe à Câmara definir se há fato jurídico suficiente.
Istoé - A sensação é de que a corrupção tomou conta de tudo. O que acontece com uma nação quando perde a confiança e a esperança?
Marco Aurélio - A nação fica esfacelada. Essa história de que o povo brasileiro é pacífico tem limite. Nós vimos quebra-quebra nas manifestações de 2013. Foram atacados prédios públicos e privados e a população se mostrou agressiva.
Na época, disse que “Vem pra rua” deveria ser substituído por “vem pra urna”, para tentarmos eleger bons representantes. A apatia não pode ser o mal da nossa geração. A sociedade tem o costume de posar de vítima, mas é responsável pelos políticos que foram eleitos e praticam atos que repercutem em nossas vidas.
Istoé - O sr. crê em recrudescimento?
Marco Aurélio - Acredito. As circunstâncias não nos asseguram a tranqüilidade. Me ponho na posição do cidadão que perde o emprego, e constata que a corrupção chegou a um ponto inimaginável. Em 44 anos, houve um crescimento populacional de 130%. Em 1970, éramos 90 milhões. Hoje somos 205 milhões. A saúde, a segurança pública, o saneamento, o transporte cresceram nessa proporção? Não. O contexto gera temor.
Istoé - O que sr. mais teme?
Marco Aurélio - Que a paciência da população se esgote e que isso exija a intervenção de forças repressivas. O risco de ruptura é latente, ele surge em função do considerável inconformismo da sociedade. É fácil a pessoa falar quando a crise ainda não a alcançou. Quando a fonte de sustento seca, surge uma revolta interior.
Istoé - A democracia está ameaçada?
Marco Aurélio - Risco à democracia, não temo. Vivemos ares democráticos, constitucionais, e não há campo para retrocessos. O que precisamos é de correção de rumos. Os interesses políticos paroquiais não podem prevalecer.
Há um esgarçamento constitucional visível, o que é ruim para tirar o Brasil da estagnação. Mas as instituições estão funcionando, a Polícia Federal, o Ministério Público, a magistratura. É um alento que nos dá esperança de dias melhores.
Istoé - Falta ao País um corpo dirigente mais preparado, com mais integridade?
Marco Aurélio - Falta um corpo dirigente mais compenetrado de que cargo público é ocupado para servir aos semelhantes, e não em benefício próprio. Graças a uma imprensa livre, os problemas não são escamoteados e varridos para debaixo do tapete.
Istoé - Depois do mensalão, surgiu o petrolão, com níveis de corrupção numa escala tão maior...
Marco Aurélio - Em 2006, eu disse que havia surgido o maior escândalo da República. Hoje, dou a mão à palmatória. Depois do escândalo na Petrobras, o mensalão poderia ser julgado pelo juizado de pequenas causas.
Istoé - Hoje o salvador da pátria é o juiz Sergio Moro. Joaquim Barbosa teve seu momento. O Brasil precisa de heróis?
Marco Aurélio - Somos carentes de homens exemplares. Quando alguém começa realmente a cumprir o seu dever, passa a ser herói. Temos, no Brasil, muitas pessoas compenetradas no dever de servir. Não temos apenas um juiz. Temos milhares.
Istoé - Como o sr. entende o caso da busca e apreensão no escritório do filho do ex-presidente Lula?
Marco Aurélio - Lastimável. O desejável era não haver esses fatos, desagradáveis para eles e para a sociedade. Mas, se houve desvio de conduta, que seja apurado. E se configurado, que pague pelo desvio quem o cometeu.
Istoé - Como o sr. avalia Lula hoje?
Marco Aurélio - O ex-presidente Lula é um ex-presidente. Ele precisa dar o exemplo. Um ex-presidente da República deve ser um farol para os brasileiros. Será que podemos tomar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um norte para os cidadãos? Tenho minhas dúvidas. Ele não é um semideus. A não ser os programas sociais, que aumentaram para se corrigir as desigualdades, eu não vejo outros atos do ex-presidente Lula que mereçam elogios.
Istoé - Outro filho do ex-presidente Lula, Fábio, pediu acesso à delação premiada de Fernando Baiano e foi negada pelo Supremo. Por que?
Marco Aurélio - Processo algum pode ser cercado de mistério. Se há algo que já está encartado nos autos, há o direito de acesso do envolvido e de seus representantes legais. É o princípio básico, sob pena de não observarmos o devido processo legal. O mistério deve ser afastado: no âmbito da administração pública, a regra é a publicidade. Se dizem que estou envolvido, tenho direito de acesso para me defender do objeto da delação. É um princípio que eu repito há 36 anos, como juiz.
Istoé - O sr. acredita que o PT esteja destruído como partido?
Marco Aurélio - Isso é visível. Imaginávamos que havia um partido no Brasil, o PT, que viria para implantar transformações, inclusive culturais. Ficamos todos decepcionados com o desempenho do partido.
Istoé - O sr. tem dito que o processo de impeachment é traumático. Por que?
Marco Aurélio - O impeachment não está num quadro de normalidade. Presume-se que o mandato será cumprido à risca. Se vivêssemos no parlamentarismo, já teríamos um outro governo tocando o Brasil. Se o Brasil fosse parlamentarista e se fosse primeira ministra, Dilma já teria caído.
Istoé - Como o sr. vê a quantidade de delações premiadas da Lava Jato?
Marco Aurélio - Nunca vi tanta prisão preventiva quanto delação em minha vida. A nossa população carcerária provisória está praticamente no mesmo patamar dos presos em definitivo. Alguém só pode ser considerado culpado quando não caiba mais recursos para a sentença condenatória. Há alguma coisa errada.
Istoé - O sr. entende a prisão preventiva como forma de pressão para provocar a delação premiada?
Marco Aurélio - Isso é péssimo. Você não pode prender um homem, para fragilizá-lo e, com isso, chegar ao objetivo. Em Direito, o meio justifica o fim, não o inverso.
31 de outubro de 2015
diário do poder