O pemedebista ouve com impaciência o longo prólogo de hipóteses para o mal estar nas relações entre a presidente da República e o empresariado. Quem se formou politicamente na clandestinidade custa a mitigar a desconfiança ou o problema é de quem se ressente de um passe livre pela zona cinzenta entre seus interesses e o do público?
O parlamentar balança a cabeça com desagrado e interrompe a sucessão de asneiras: Não tem nada disso. Lula perdeu três eleições antes de virar presidente. Passou a vida negociando dívida de campanha. Aprendeu a lidar com os caras. Dilma nunca teve que negociar nada. Recebeu a Presidência de presente .
Pela longa e diversificada folha de serviços prestados, o pemedebista exibe autoridade no tema. Mal termina de ouvir as bondades não reconhecidas do governo - desonerações, redução de tarifas e a frustrada empreita pelo corte de juros -, atalha: Empresário não tem gratidão. Fez, tá feito. Quer mais crescimento pra ganhar mais dinheiro .
Em desjejum numa doceria de São Paulo, assíduo frequentador do Instituto Lula diz, com desdém, que empresário não ganha eleição. Logo emenda, igualmente assertivo, que o governo errou ao generalizar desonerações e impor modelos apressados de concessões. Se houver um segundo mandato, isso não vai mais acontecer. De fato, a sucursal do Planalto que o ex-presidente montou no Ipiranga já mandou fazer um figurino de pato manco para uma Dilma reeleita. O poder será de quem, pela ascendência sobre PT e PMDB, tem a expectativa de mantê-lo - Lula.
O ativo eleitoral de banqueiros e empresários neste momento da campanha é na geração de expectativas e de caixa. Desde o início da era petista, este movimento nunca esteve tão antecipado.
A carta ao povo brasileiro de Lula chegou junto com as festas juninas no ano de sua primeira eleição. A escalada do câmbio sensibilizou um grupo de abnegados petistas e banqueiros a negociar documento em que se arvoraram a chancelar o resultado eleitoral de três meses depois.
De tão eficaz, a chancela não careceu de reedição em 2006. O PT ardia nas chamas do mensalão mas nenhuma fagulha incendiou o mercado financeiro. No segundo mandato Lula escapuliu aqui e ali do trajeto traçado, mas a alternativa era José Serra. Não era o caso de queimar caravelas por sua eleição. Até porque o ex-ministro Antonio Palocci, levado por Lula para coordenar a campanha de Dilma, já tinha pose de Casa Civil.
É outra a sucessão que se avizinha, a começar pelo bumbo das expectativas. Um ex-burocrata das finanças, hoje no mercado, compara a política econômica a uma máquina de salsichas. Lula viu que o motor tinha avarias mas apertou os parafusos, aumentou a produção e tocou a vida. Dilma quis abrir a máquina. E deu no que deu.
Este economista reporta a história de um cliente que, ao anunciar a ampliação de seus negócios no Brasil em mesa de investidores em Londres, foi gozado pelos pares. Naquela semana, The Economist publicara a capa em que o Cristo Redentor acometia o Pão de Açúcar. O investidor em questão respondeu: Meu ebitda (jargão contábil para o lucro bruto) está alto e meu estoque zerado. Não vou investir por quê? .
A máquina de salsichas em que confia o investidor está sendo remontada mais ou menos com as mesmas peças recauchutadas. Mas o ambiente de retífica em que se dá a sucessão já propiciou, a um ano da eleição, duas cartas e uma declaração de princípios.
A de Dilma, presidente com a maior base parlamentar da história, veio na forma de pacto com o Congresso contra o aumento de gastos. É um cenário que não deixa de dar certa razão aos prognósticos da turma do Ipiranga. Se antes da reeleição a presidente já tem que fazer esse tipo de apelo ao Congresso, vai estrear 2015 mancando.
A carta de Dilma é uma bala de borracha na testa do prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que contava com a renegociação das dívidas para investimentos reclamados pelas ruas de junho.
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, dono da cesta que recebe parte dos ovos do empresariado, só precisou fazer uma carta porque foi arrumar parceira que afugenta a economia exportadora.
O único que se dá ao luxo de fazer uma declaração na contramão do mercado é aquele que se vê como o escoadouro natural de suas expectativas. O senador Aécio Neves reuniu os seus em Poços de Caldas para dizer que a saída para o país é fortalecer a federação. Mas PSDB corre o risco de acabar antes que o senador Aécio Neves consiga explicar como vai conciliar a demanda de governadores e prefeitos por mais gastos com o tripé da economia.
A carta que falta é a que se destina a sua excelência, o eleitor. Em 2012 a pobreza continuou a ser reduzida mas a desigualdade deixou de cair. Em entrevista à Flávia Lima, do Valor, o titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Ricardo Paes de Barros, explicou por quê. A renda dos mais pobres continuou crescendo acima da média. Só que antes os ricos estavam pagando a conta. No ano passado, a fatura recaiu mais sobre a classe média.
Isso é parte da explicação dos protestos e antecipa os humores de outubro de 2014. A curva da renda mostra a disposição com que o distinto público receberá o arrocho pós-eleitoral que está nas entrelinhas dos missivistas da sucessão.
Não dá para entender o espetáculo das prisões dos mensaleiros com o fígado sintonizado nos próceres que continuam a pontificar nos mais diversos partidos. Para se compreender a prisão de um Genoíno em risco de vida é preciso olhar para dentro do PT. Há companheiros seus que continuam agindo à luz do dia quando só deveriam estar tomando banho de sol.
Genoino foi condenado por uma assinatura. Depois de sete mandatos parlamentares, continuou morando no sobrado onde, por muitos anos, as visitas eram convidadas a sentar em sofá cuja espuma teimava em se insinuar, pelos quatro cantos, sob a costura rota.
O atestado de inidoneidade do mesmo Supremo tribunal Federal que agora ameaça a vida de Genoino permite que Antonio Palocci se mantenha como o principal operador de Lula no aliciamento empresarial à reeleição de Dilma. Na legenda pela qual Genoino ergueu o punho à entrada da carceragem, as artes do petista mais estimado das finanças viraram um pedágio à manutenção do poder.
22 de novembro de 2013
Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico