Este é um blog conservador. Um canal de denúncias do falso 'progressismo' e da corrupção que afronta a cidadania. Também não é um blog partidário, visto que os partidos que temos, representam interesses de grupos, e servem para encobrir o oportunismo político de bandidos. Falamos contra corruptos, estelionatários e fraudadores. Replicamos os melhores comentários e análises críticas, bem como textos divergentes, para reflexão do leitor. Além de textos mais amenos... (ou mais ou menos...) .
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville (1805-1859)
"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
LAMA MEDICINAL
Doença antipolítica que infecciona a vida pública tem algumas origens recentes: a supervalorização da primeira instância judicial em oposição às cortes superiores
‘Ah, eu não gosto da Cristiane Brasil. É filha do Roberto Jefferson. Tem uma condenação trabalhista. É desprovida de estatura moral para ser ministra.” Ok. Concordo. Quando você for presidente, não a nomeie. Se você for juiz, porém, nada há a fazer. Se faz: é ativismo judicial. Tão simples quanto isso. Existem regras objetivas em função das quais alguém pode ter impedida a posse num ministério. Quando um magistrado se desvia dos códigos para criar, a arte que esculpe é autoritarismo.
Esse movimento da toga imperiosa é facilitado pela ideia fascista de que a atividade política consiste num mal em si, do que deriva a compreensão de que toda nomeação de natureza política se ampara numa intenção bandida, e a de que indicar alguém a alguma coisa como parte do jogo político por meio do qual se conquista apoio no Parlamento é ato delinquente.
Essa doença antipolítica que infecciona a vida pública tem algumas origens recentes: a supervalorização da primeira instância judicial em oposição às cortes superiores, como se a celeridade de Sergio Moro fosse exemplar do que é a Justiça país adentro; a ajuda do Supremo Tribunal Federal a essa percepção, ao ser matriz da insegurança jurídica no Brasil, conforme mostram decisões bárbaras como aquela que permitiu — a respeito da Ficha Limpa — que a lei retroagisse para punir o réu, e ao se comportar como servente da agenda do Ministério Público, subserviência sintetizada na homologação irresponsável do acordo de delação de Joesley Batista etc.; e a ascensão de exércitos de ressentidos como o do integralismo bolsonaro-afetivo, cuja noção de pureza afiou a guilhotina em que, afinal, auxílio-moradia, funcionário fantasma e patrimônio imobiliário podem bastar a que a cabeça do “mito” role sem que a de Lula nem sequer balance. Parabéns.
A prática judicial militante, de essência discricionária, está na fundação de todo justiçamento e é, no caso brasileiro corrente, desembaraçada pela vitória da igualdade segundo Rodrigo Janot, aquela por meio da qual todos os homens públicos investigados (não raro ainda apenas suspeitos) são da mesma forma criminosos, ignorada qualquer nuance, esvaziado qualquer senso de proporção. Donde se pôde logo chegar ao prêmio eleitoral que esse jacobinismo PowerPoint deu ao lulismo, um serviço que a caça às bruxas moralista sempre prestará ao desfocamento: ao nivelar o caixa 2 praticado por deputadozinho qualquer ao projeto estrutural de assalto ao Estado promovido pelo PT para financiar a permanência do partido no poder, condenou-se, com a mesma pena, a atividade política, criminalizada como um todo, cuspida à lama onde detalhes perdem feição, e a profundidade inexiste; lá onde Lula se serve dela como medicina e desde onde, de carta fora do baralho em 2016, ora se ergue como líder das pesquisas, redimido pelos falsos iguais, discursando como Jesus Cristo, lá de onde, da mesma vala, Fernando Collor se sente à vontade para se lançar candidato à Presidência.
Sejamos óbvios. Muito mais grave do que a especulada (e superestimada) conflagração (episódica) de rua decorrente do julgamento de Lula em segunda instância é a permanente mobilização ativista de setores organizados do Judiciário e do Ministério Público para engessar o país. Pacote de ações togadas cujos efeitos políticos a ninguém mais e melhor beneficiam do que ao ex-presidente; mas ele, claro, é a vítima.
Pouca coisa há de mais grave ora em curso no Brasil do que a janotização da atividade judicial: termo por meio do qual defino a glória da politização dos processos; o triunfo das práticas em decorrência das quais já não há mais investigado, indiciado, denunciado ou mesmo réu; o êxito do assassinato seletivo de reputações que fabrica condenados pela palavra exclusiva de um delator antes mesmo de haver ação formal na Justiça. Janotizar — dicionarizemos o verbo: desprezar a técnica, a investigação, a perícia, o sigilo, o rito, o direito à defesa, a Constituição Federal; agir, valendo-se da estrutura pública e dos instrumentos funcionais, com motivação político-partidária e/ou em defesa de interesses de classe; disparar flechas difusas contra inimigos, mas acertar o peito da República; acusar, acusar, acusar.
Mas criminosa é a política, né? Parabéns. É mesmo inacreditável que tão banalmente os bem-intencionados tenham enterrado a classe política — eleita — e servido de escada para que em seu lugar ascendesse o coletivo de corporações mais poderoso e menos votado do Brasil. É o espírito do tempo, o do Direito voluntarioso, esse em que um juiz se sente à vontade para suspender — por meio de liminar redigida conforme estatuto de DCE — o processo de privatização de uma excrecência como a Eletrobras, uma das superfícies sob a qual a corrupção se alastra; mas que deve ser preservada em nome dos interesses nacionais, ou melhor: dos interesses do funcionalismo público nacional. E o que é um juiz?
Não tenho dúvida sobre a motivação dessas blitzes contra os planos da administração federal tanto quanto estou certo de que só se multiplicarão doravante — ano eleitoral que é: paralisar a agenda reformista, de redução do Estado, posta em prática pelo governo; notadamente, inviabilizar a reforma da Previdência, cujo avanço representaria um baque no conjunto de privilégios da mais alta elite do funcionalismo público, lá onde estão, no topo, magistrados e procuradores. Mas Lula é a vítima, né?
23 de janeiro de 2018
Carlos Andreazza, O Globo
‘Ah, eu não gosto da Cristiane Brasil. É filha do Roberto Jefferson. Tem uma condenação trabalhista. É desprovida de estatura moral para ser ministra.” Ok. Concordo. Quando você for presidente, não a nomeie. Se você for juiz, porém, nada há a fazer. Se faz: é ativismo judicial. Tão simples quanto isso. Existem regras objetivas em função das quais alguém pode ter impedida a posse num ministério. Quando um magistrado se desvia dos códigos para criar, a arte que esculpe é autoritarismo.
Esse movimento da toga imperiosa é facilitado pela ideia fascista de que a atividade política consiste num mal em si, do que deriva a compreensão de que toda nomeação de natureza política se ampara numa intenção bandida, e a de que indicar alguém a alguma coisa como parte do jogo político por meio do qual se conquista apoio no Parlamento é ato delinquente.
Essa doença antipolítica que infecciona a vida pública tem algumas origens recentes: a supervalorização da primeira instância judicial em oposição às cortes superiores, como se a celeridade de Sergio Moro fosse exemplar do que é a Justiça país adentro; a ajuda do Supremo Tribunal Federal a essa percepção, ao ser matriz da insegurança jurídica no Brasil, conforme mostram decisões bárbaras como aquela que permitiu — a respeito da Ficha Limpa — que a lei retroagisse para punir o réu, e ao se comportar como servente da agenda do Ministério Público, subserviência sintetizada na homologação irresponsável do acordo de delação de Joesley Batista etc.; e a ascensão de exércitos de ressentidos como o do integralismo bolsonaro-afetivo, cuja noção de pureza afiou a guilhotina em que, afinal, auxílio-moradia, funcionário fantasma e patrimônio imobiliário podem bastar a que a cabeça do “mito” role sem que a de Lula nem sequer balance. Parabéns.
A prática judicial militante, de essência discricionária, está na fundação de todo justiçamento e é, no caso brasileiro corrente, desembaraçada pela vitória da igualdade segundo Rodrigo Janot, aquela por meio da qual todos os homens públicos investigados (não raro ainda apenas suspeitos) são da mesma forma criminosos, ignorada qualquer nuance, esvaziado qualquer senso de proporção. Donde se pôde logo chegar ao prêmio eleitoral que esse jacobinismo PowerPoint deu ao lulismo, um serviço que a caça às bruxas moralista sempre prestará ao desfocamento: ao nivelar o caixa 2 praticado por deputadozinho qualquer ao projeto estrutural de assalto ao Estado promovido pelo PT para financiar a permanência do partido no poder, condenou-se, com a mesma pena, a atividade política, criminalizada como um todo, cuspida à lama onde detalhes perdem feição, e a profundidade inexiste; lá onde Lula se serve dela como medicina e desde onde, de carta fora do baralho em 2016, ora se ergue como líder das pesquisas, redimido pelos falsos iguais, discursando como Jesus Cristo, lá de onde, da mesma vala, Fernando Collor se sente à vontade para se lançar candidato à Presidência.
Sejamos óbvios. Muito mais grave do que a especulada (e superestimada) conflagração (episódica) de rua decorrente do julgamento de Lula em segunda instância é a permanente mobilização ativista de setores organizados do Judiciário e do Ministério Público para engessar o país. Pacote de ações togadas cujos efeitos políticos a ninguém mais e melhor beneficiam do que ao ex-presidente; mas ele, claro, é a vítima.
Pouca coisa há de mais grave ora em curso no Brasil do que a janotização da atividade judicial: termo por meio do qual defino a glória da politização dos processos; o triunfo das práticas em decorrência das quais já não há mais investigado, indiciado, denunciado ou mesmo réu; o êxito do assassinato seletivo de reputações que fabrica condenados pela palavra exclusiva de um delator antes mesmo de haver ação formal na Justiça. Janotizar — dicionarizemos o verbo: desprezar a técnica, a investigação, a perícia, o sigilo, o rito, o direito à defesa, a Constituição Federal; agir, valendo-se da estrutura pública e dos instrumentos funcionais, com motivação político-partidária e/ou em defesa de interesses de classe; disparar flechas difusas contra inimigos, mas acertar o peito da República; acusar, acusar, acusar.
Mas criminosa é a política, né? Parabéns. É mesmo inacreditável que tão banalmente os bem-intencionados tenham enterrado a classe política — eleita — e servido de escada para que em seu lugar ascendesse o coletivo de corporações mais poderoso e menos votado do Brasil. É o espírito do tempo, o do Direito voluntarioso, esse em que um juiz se sente à vontade para suspender — por meio de liminar redigida conforme estatuto de DCE — o processo de privatização de uma excrecência como a Eletrobras, uma das superfícies sob a qual a corrupção se alastra; mas que deve ser preservada em nome dos interesses nacionais, ou melhor: dos interesses do funcionalismo público nacional. E o que é um juiz?
Não tenho dúvida sobre a motivação dessas blitzes contra os planos da administração federal tanto quanto estou certo de que só se multiplicarão doravante — ano eleitoral que é: paralisar a agenda reformista, de redução do Estado, posta em prática pelo governo; notadamente, inviabilizar a reforma da Previdência, cujo avanço representaria um baque no conjunto de privilégios da mais alta elite do funcionalismo público, lá onde estão, no topo, magistrados e procuradores. Mas Lula é a vítima, né?
23 de janeiro de 2018
Carlos Andreazza, O Globo
ESQUERDA E DIREITA ESTÃO CONTAMINADAS PELO VÍRUS DO PENSAMENTO DE GRUPO
Houve um tempo em que também eu debatia política em público. Relembro: um estúdio de TV, alguém de esquerda do outro lado da mesa. O pivô lançava o tema. A pessoa de esquerda corria atrás do osso como um mastim esfomeado.
Quando eu falava, havia um terrível anticlímax. De vez em quando, esforçava-me: dizia algo "de direita", só para não ser despedido na hora. Mas grande parte do tempo ficava contemplando o outro, admirando a sua vitalidade ideológica e o interesse que ele tinha por, sei lá, a política de saneamento básico.
Várias vezes fitava o meu "adversário" (não ria, por favor) e tentava ver se tinha as pupilas dilatadas. "Talvez sejam drogas", pensava, confrontado com aquelas cataratas (verbais). Não eram. Era entusiasmo.
Atenção, atenção: não falo de "entusiasmo" no sentido prosaico da palavra. Um ser humano sem entusiasmos é um cadáver ambulante. Não. Falo no sentido filosófico –aqui, como em quase tudo, David Hume (1711-1776) é o meu mestre.
Dizia ele que existem duas espécies de "falsa religião": a superstição e o entusiasmo.
A primeira instala-se na alma amedrontada do crente perante "males infinitos e desconhecidos", que exigem proteções igualmente fantasiosas.
A segunda revela um sentimento de exaltação (ou de "presunção", para usar o termo de Hume) em que o "entusiasta" ignora a razão ou a moral –e se entrega nos braços do orgulho e da ignorância.
É isso que torna o "entusiasmo" tão perigoso: essa combinação de vaidade e ignorância.
O entusiasmo continua na religião, sem dúvida: não conheço nenhum terrorista islamita que não seja um entusiasta. Mas, sobretudo no século 20, esse "estado de espírito" foi cultivado pelas "religiões seculares" de que falava Raymond Aron.
O comunismo e o nazismo foram formas de "entusiasmo" político (que deram no que deram). As batalhas ideológicas de hoje são novas encarnações de entusiasmo.
Pensei em tudo isso quando assistia ao vídeo do momento: a entrevista de Cathy Newman, no Channel 4, ao filósofo "pop star" Jordan Peterson. Conhecia Peterson de outras andanças: o seu "Maps of Meaning", um tratado sobre o lugar dos mitos na história humana, merece leitura.
No vídeo em questão, Peterson sublinha um pormenor importante das discussões contemporâneas: a "política de identidade" é intrinsecamente autoritária porque imita a mesma "estrutura de crença" dos regimes autoritários. Que crença é essa?
A ideia de que o grupo é mais importante do que o indivíduo. Antigamente, esse grupo podia ser "o proletariado", em nome do qual se cometeram os maiores atropelos. Hoje, Peterson dá como exemplo os "ativistas trans" que policiam a linguagem e o comportamento de terceiros porque julgam falar em nome de todos os "trans".
Não é preciso grande preparação filosófica para vislumbrar a falácia da retórica de grupo. Não existe "o proletariado". Existem trabalhadores vários, com aspirações e limitações particulares. De igual forma, não existem "os trans". Existem indivíduos concretos, que vivem a sua sexualidade de forma diversa.
Infelizmente, o prof. Peterson deixou-se contaminar pelo "entusiasmo" da jornalista e esqueceu-se do outro lado da história: a submissão ao pensamento de grupo não é um exclusivo de "esquerdistas radicais".
Basta escutar a "direita radical" e as suas proclamações contra "os estrangeiros" –e em defesa dos "nacionais", claro– para compreender a grande ironia do debate político atual: esquerda e direita estão contaminadas pelo vírus do pensamento de grupo.
Pelo meio, perde-se a importância (e a primazia) do indivíduo –essa ficção pequeno-burguesa, como diziam nazistas ou comunistas, e que as mentes autoritárias sempre tentaram calar ou destruir.
E como se chegou até aqui?
Em artigo recente para o "The Millions", Sarah LaBrie acusa a internet (e as "redes sociais") de produzir as manadas que esmagam a "soberania do ser". É um bom ponto de partida –mas não de chegada: a internet deu voz e potenciou as manadas; mas elas sempre existiram no longo cortejo da história.
Como dizia David Hume, onde existe vaidade e ignorância, existe entusiasmo. E a alma dos homens sempre foi fraca: entre a solidão do individualismo e a pertença aos entusiasmos da tribo, o macaco eterno não hesita.
23 de janeiro de 2018
João Pereira Coutinho, Folha de SP
Quando eu falava, havia um terrível anticlímax. De vez em quando, esforçava-me: dizia algo "de direita", só para não ser despedido na hora. Mas grande parte do tempo ficava contemplando o outro, admirando a sua vitalidade ideológica e o interesse que ele tinha por, sei lá, a política de saneamento básico.
Várias vezes fitava o meu "adversário" (não ria, por favor) e tentava ver se tinha as pupilas dilatadas. "Talvez sejam drogas", pensava, confrontado com aquelas cataratas (verbais). Não eram. Era entusiasmo.
Atenção, atenção: não falo de "entusiasmo" no sentido prosaico da palavra. Um ser humano sem entusiasmos é um cadáver ambulante. Não. Falo no sentido filosófico –aqui, como em quase tudo, David Hume (1711-1776) é o meu mestre.
Dizia ele que existem duas espécies de "falsa religião": a superstição e o entusiasmo.
A primeira instala-se na alma amedrontada do crente perante "males infinitos e desconhecidos", que exigem proteções igualmente fantasiosas.
A segunda revela um sentimento de exaltação (ou de "presunção", para usar o termo de Hume) em que o "entusiasta" ignora a razão ou a moral –e se entrega nos braços do orgulho e da ignorância.
É isso que torna o "entusiasmo" tão perigoso: essa combinação de vaidade e ignorância.
O entusiasmo continua na religião, sem dúvida: não conheço nenhum terrorista islamita que não seja um entusiasta. Mas, sobretudo no século 20, esse "estado de espírito" foi cultivado pelas "religiões seculares" de que falava Raymond Aron.
O comunismo e o nazismo foram formas de "entusiasmo" político (que deram no que deram). As batalhas ideológicas de hoje são novas encarnações de entusiasmo.
Pensei em tudo isso quando assistia ao vídeo do momento: a entrevista de Cathy Newman, no Channel 4, ao filósofo "pop star" Jordan Peterson. Conhecia Peterson de outras andanças: o seu "Maps of Meaning", um tratado sobre o lugar dos mitos na história humana, merece leitura.
No vídeo em questão, Peterson sublinha um pormenor importante das discussões contemporâneas: a "política de identidade" é intrinsecamente autoritária porque imita a mesma "estrutura de crença" dos regimes autoritários. Que crença é essa?
A ideia de que o grupo é mais importante do que o indivíduo. Antigamente, esse grupo podia ser "o proletariado", em nome do qual se cometeram os maiores atropelos. Hoje, Peterson dá como exemplo os "ativistas trans" que policiam a linguagem e o comportamento de terceiros porque julgam falar em nome de todos os "trans".
Não é preciso grande preparação filosófica para vislumbrar a falácia da retórica de grupo. Não existe "o proletariado". Existem trabalhadores vários, com aspirações e limitações particulares. De igual forma, não existem "os trans". Existem indivíduos concretos, que vivem a sua sexualidade de forma diversa.
Infelizmente, o prof. Peterson deixou-se contaminar pelo "entusiasmo" da jornalista e esqueceu-se do outro lado da história: a submissão ao pensamento de grupo não é um exclusivo de "esquerdistas radicais".
Basta escutar a "direita radical" e as suas proclamações contra "os estrangeiros" –e em defesa dos "nacionais", claro– para compreender a grande ironia do debate político atual: esquerda e direita estão contaminadas pelo vírus do pensamento de grupo.
Pelo meio, perde-se a importância (e a primazia) do indivíduo –essa ficção pequeno-burguesa, como diziam nazistas ou comunistas, e que as mentes autoritárias sempre tentaram calar ou destruir.
E como se chegou até aqui?
Em artigo recente para o "The Millions", Sarah LaBrie acusa a internet (e as "redes sociais") de produzir as manadas que esmagam a "soberania do ser". É um bom ponto de partida –mas não de chegada: a internet deu voz e potenciou as manadas; mas elas sempre existiram no longo cortejo da história.
Como dizia David Hume, onde existe vaidade e ignorância, existe entusiasmo. E a alma dos homens sempre foi fraca: entre a solidão do individualismo e a pertença aos entusiasmos da tribo, o macaco eterno não hesita.
23 de janeiro de 2018
João Pereira Coutinho, Folha de SP
TENTATIVAS VÃS
Última tentativa é pedir prescrição.
A última tentativa da defesa é pedir, alternativamente à absolvição, a prescrição dos crimes, que teriam acontecido em 2009. No entanto, na sentença condenatória, o juiz Sergio Moro argumentou expressamente, nos itens 877 e 888, que parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas e igualmente, quando em meados daquele ano, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta-corrente geral da propina, segundo José Adelmário Pinheiro Filho. Foi, portanto, escreveu Moro, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente.
Nessa linha, o crime só teria se consumado em meados de 2014, e não há começo de prazo de prescrição antes da consumação do crime. A tentativa de sustar o julgamento do recurso contra a condenação do ex-presidente Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro devido à penhora do tríplex do Guarujá, determinada por uma juíza de Brasília, é exemplo da forma como o caso está sendo politizado pela defesa.
A juíza Luciana Corrêa Tôrres de Oliveira, da 2ª Vara de Execuções de Títulos Extrajudiciais do Distrito Federal, apresentada pelos blogs petistas como apoiadora nas mídias sociais do PSDB e, portanto, isenta na decisão que supostamente dava uma prova inconteste de que o tríplex não era de Lula, e sim da OAS, teve que divulgar uma nota oficial para colocar as coisas em seus devidos lugares.
Começou esclarecendo que “a penhora do imóvel tríplex, cuja propriedade é atribuída ao ex-presidente da República na Operação Lava-Jato, atendeu a pedidos dos credores em ação de execução proposta contra a OAS Empreendimentos SA e outros devedores”.
Ela ressalta em sua nota “(...) que cabe ao credor, e não ao Judiciário, a indicação do débito e bens do devedor que serão penhorados e responderão pelo pagamento da dívida, conforme o atual Código de Processo Civil.”
Esse procedimento, evidentemente, não pode ser desconhecido pelos advogados de Lula, que mesmo assim decidiram levar adiante a farsa como se a juíza tivesse escolhido, entre os imóveis da construtora OAS, aqueles que seriam penhorados.
A juíza explicou em sua nota que “tal decisão não emitiu qualquer juízo de valor a respeito da propriedade, e nem poderia fazê-lo, não possuindo qualquer natureza declaratória ou constitutiva de domínio. Trata-se de ato judicial corriqueiro dentro do processo de execução cível, incapaz de produzir qualquer efeito na esfera criminal”.
Esse também é um esclarecimento que não precisaria ser dado a advogados minimamente competentes. Além de tudo, o imóvel não é nem mais da OAS, pois foi confiscado na sentença de condenação do expresidente pelo juiz Sergio Moro, está sequestrado criminalmente, sequer poderia ter sido penhorado. Por isso, já foi retirado da lista de imóveis passíveis de penhora.
Como se sabe, a acusação contra o ex-presidente não é de que a propriedade formal do tríplex seja dele, e sim que, ao contrário, ele seria o proprietário de fato, com situação encoberta por artifícios justamente para esconder o produto de um crime. Daí a condenação por lavagem de dinheiro.
Mesmo assim, os advogados do ex-presidente apresentaram o termo de penhora e a matrícula atualizada do Cartório de Registro de Imóveis do Guarujá, onde consta certidão sobre o empenho, como se esses documentos reforçassem a tese de que a “propriedade do imóvel não apenas pertence à OAS Empreendimentos — e não ao ex-presidente Lula —, como também que ele responde por dívidas dessa empresa na Justiça”.
Outra prova (sem trocadilho) de que os apoiadores de Lula estão tontos, em busca de uma saída contra a condenação, é a mudança do mantra que vinham repetindo há meses. Agora, em vez de “cadê as provas?”, histericamente brandido como argumento irrefutável, afirmam simplesmente que “não há crime”.
Deram-se conta tardiamente de que argumentar que não há provas implicitamente é uma admissão da possibilidade de que Lula não seja inocente, apenas não se consegue apanhá-lo por falta de provas.
23 de janeiro de 2018
Merval Pereira, O Globo
A última tentativa da defesa é pedir, alternativamente à absolvição, a prescrição dos crimes, que teriam acontecido em 2009. No entanto, na sentença condenatória, o juiz Sergio Moro argumentou expressamente, nos itens 877 e 888, que parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas e igualmente, quando em meados daquele ano, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta-corrente geral da propina, segundo José Adelmário Pinheiro Filho. Foi, portanto, escreveu Moro, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente.
Nessa linha, o crime só teria se consumado em meados de 2014, e não há começo de prazo de prescrição antes da consumação do crime. A tentativa de sustar o julgamento do recurso contra a condenação do ex-presidente Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro devido à penhora do tríplex do Guarujá, determinada por uma juíza de Brasília, é exemplo da forma como o caso está sendo politizado pela defesa.
A juíza Luciana Corrêa Tôrres de Oliveira, da 2ª Vara de Execuções de Títulos Extrajudiciais do Distrito Federal, apresentada pelos blogs petistas como apoiadora nas mídias sociais do PSDB e, portanto, isenta na decisão que supostamente dava uma prova inconteste de que o tríplex não era de Lula, e sim da OAS, teve que divulgar uma nota oficial para colocar as coisas em seus devidos lugares.
Começou esclarecendo que “a penhora do imóvel tríplex, cuja propriedade é atribuída ao ex-presidente da República na Operação Lava-Jato, atendeu a pedidos dos credores em ação de execução proposta contra a OAS Empreendimentos SA e outros devedores”.
Ela ressalta em sua nota “(...) que cabe ao credor, e não ao Judiciário, a indicação do débito e bens do devedor que serão penhorados e responderão pelo pagamento da dívida, conforme o atual Código de Processo Civil.”
Esse procedimento, evidentemente, não pode ser desconhecido pelos advogados de Lula, que mesmo assim decidiram levar adiante a farsa como se a juíza tivesse escolhido, entre os imóveis da construtora OAS, aqueles que seriam penhorados.
A juíza explicou em sua nota que “tal decisão não emitiu qualquer juízo de valor a respeito da propriedade, e nem poderia fazê-lo, não possuindo qualquer natureza declaratória ou constitutiva de domínio. Trata-se de ato judicial corriqueiro dentro do processo de execução cível, incapaz de produzir qualquer efeito na esfera criminal”.
Esse também é um esclarecimento que não precisaria ser dado a advogados minimamente competentes. Além de tudo, o imóvel não é nem mais da OAS, pois foi confiscado na sentença de condenação do expresidente pelo juiz Sergio Moro, está sequestrado criminalmente, sequer poderia ter sido penhorado. Por isso, já foi retirado da lista de imóveis passíveis de penhora.
Como se sabe, a acusação contra o ex-presidente não é de que a propriedade formal do tríplex seja dele, e sim que, ao contrário, ele seria o proprietário de fato, com situação encoberta por artifícios justamente para esconder o produto de um crime. Daí a condenação por lavagem de dinheiro.
Mesmo assim, os advogados do ex-presidente apresentaram o termo de penhora e a matrícula atualizada do Cartório de Registro de Imóveis do Guarujá, onde consta certidão sobre o empenho, como se esses documentos reforçassem a tese de que a “propriedade do imóvel não apenas pertence à OAS Empreendimentos — e não ao ex-presidente Lula —, como também que ele responde por dívidas dessa empresa na Justiça”.
Outra prova (sem trocadilho) de que os apoiadores de Lula estão tontos, em busca de uma saída contra a condenação, é a mudança do mantra que vinham repetindo há meses. Agora, em vez de “cadê as provas?”, histericamente brandido como argumento irrefutável, afirmam simplesmente que “não há crime”.
Deram-se conta tardiamente de que argumentar que não há provas implicitamente é uma admissão da possibilidade de que Lula não seja inocente, apenas não se consegue apanhá-lo por falta de provas.
23 de janeiro de 2018
Merval Pereira, O Globo
PROVÁVEL AGRESSÃO A GAROTINHO É UM DESCALABRO
Perícia em câmeras do presídio de Benfica confirma manipulação de imagens e reforça a versão do ex-governador, que, assim, teria sido vítima de gangsterismo
O sistema penitenciário é parte da crise nacional de segurança pública, com suas características de barbárie e de falta de controle por parte do Estado. As quadrilhas que atuam nas ruas estão representadas dentro dele e operam atrás das grades com desenvoltura, bem conectadas com o mundo exterior. Sustentados pelo Erário, bandidos usam prisões como escritório particular.
O Rio de Janeiro, um dos polos da crise de segurança, tem revelado outra faceta, a da subjugação do Estado ao esquema de corrupção instalado no poder, parte do qual está trancafiada. O Rio de Janeiro passa pela coincidência de estarem presos um ex-governador, Sérgio Cabral, o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e políticos influentes, enquanto se mantém no Palácio Guanabara Luiz Fernando Pezão, que foi vice do ex-governador preso provisoriamente. Há, então, a degradante situação em que o grupo no poder tem líderes entre a população carcerária.
O que essa experiência mostra é que o governo não consegue, ou não quer, impor o que estabelece a lei a esse grupo de aliados presos. As facilidades de que usufruíram Cabral e correligionários em Benfica — comida especial, trânsito livre, medicamentos fora das regras do presídio etc. — estarreceram. Tanto que Cabral, a pedido do Ministério Público, foi despachado para Curitiba pela Justiça.
Essa cooptação de autoridades penitenciárias por presos ilustres ficou escancarada com a ocorrência de que, tudo indica, foi vítima Anthony Garotinho, também ex-governador, preso no dia 22 de novembro e enviado para Benfica, ficando em galeria diferente da do seu adversário político Sérgio Cabral.
Na madrugada de 24, relatou Garotinho ter sido agredido por alguém, com um porrete, que machucou um dos seus joelhos, tendo ainda pisado em seu pé, ferimentos comprovados por exame de corpo de delito.
A história de Garotinho foi contraposta pela Secretaria de Administração Penitenciária com vídeos de câmeras da ala do ex-governador sem qualquer registro de pessoas estranhas no local.
O político insistiu. Também conhecido por baixa credibilidade, Garotinho não foi levado a sério, mas competente exame feito por peritos da Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia (Dedit), do MP fluminense, constatou que o ex-governador deve ter razão, pois as câmeras foram manipuladas. Constataram-se cortes em um vídeo, enquanto outra câmera foi congelada.
Há muito a esclarecer sobre as responsabilidades pela trama, típica de gangsterismo. A gravidade do caso envolve não apenas o secretário penitenciário, coronel da PM Erir Ribeiro, mas o próprio governador Pezão. Tudo comprovado, não se terá dúvida de que atua no Rio de Janeiro uma quadrilha especialmente perigosa, por transitar nos altos escalões do governo.
23 de janeiro de 2018
Editorial O Globo
O sistema penitenciário é parte da crise nacional de segurança pública, com suas características de barbárie e de falta de controle por parte do Estado. As quadrilhas que atuam nas ruas estão representadas dentro dele e operam atrás das grades com desenvoltura, bem conectadas com o mundo exterior. Sustentados pelo Erário, bandidos usam prisões como escritório particular.
O Rio de Janeiro, um dos polos da crise de segurança, tem revelado outra faceta, a da subjugação do Estado ao esquema de corrupção instalado no poder, parte do qual está trancafiada. O Rio de Janeiro passa pela coincidência de estarem presos um ex-governador, Sérgio Cabral, o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e políticos influentes, enquanto se mantém no Palácio Guanabara Luiz Fernando Pezão, que foi vice do ex-governador preso provisoriamente. Há, então, a degradante situação em que o grupo no poder tem líderes entre a população carcerária.
O que essa experiência mostra é que o governo não consegue, ou não quer, impor o que estabelece a lei a esse grupo de aliados presos. As facilidades de que usufruíram Cabral e correligionários em Benfica — comida especial, trânsito livre, medicamentos fora das regras do presídio etc. — estarreceram. Tanto que Cabral, a pedido do Ministério Público, foi despachado para Curitiba pela Justiça.
Essa cooptação de autoridades penitenciárias por presos ilustres ficou escancarada com a ocorrência de que, tudo indica, foi vítima Anthony Garotinho, também ex-governador, preso no dia 22 de novembro e enviado para Benfica, ficando em galeria diferente da do seu adversário político Sérgio Cabral.
Na madrugada de 24, relatou Garotinho ter sido agredido por alguém, com um porrete, que machucou um dos seus joelhos, tendo ainda pisado em seu pé, ferimentos comprovados por exame de corpo de delito.
A história de Garotinho foi contraposta pela Secretaria de Administração Penitenciária com vídeos de câmeras da ala do ex-governador sem qualquer registro de pessoas estranhas no local.
O político insistiu. Também conhecido por baixa credibilidade, Garotinho não foi levado a sério, mas competente exame feito por peritos da Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia (Dedit), do MP fluminense, constatou que o ex-governador deve ter razão, pois as câmeras foram manipuladas. Constataram-se cortes em um vídeo, enquanto outra câmera foi congelada.
Há muito a esclarecer sobre as responsabilidades pela trama, típica de gangsterismo. A gravidade do caso envolve não apenas o secretário penitenciário, coronel da PM Erir Ribeiro, mas o próprio governador Pezão. Tudo comprovado, não se terá dúvida de que atua no Rio de Janeiro uma quadrilha especialmente perigosa, por transitar nos altos escalões do governo.
23 de janeiro de 2018
Editorial O Globo
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