Perícia em câmeras do presídio de Benfica confirma manipulação de imagens e reforça a versão do ex-governador, que, assim, teria sido vítima de gangsterismo
O sistema penitenciário é parte da crise nacional de segurança pública, com suas características de barbárie e de falta de controle por parte do Estado. As quadrilhas que atuam nas ruas estão representadas dentro dele e operam atrás das grades com desenvoltura, bem conectadas com o mundo exterior. Sustentados pelo Erário, bandidos usam prisões como escritório particular.
O Rio de Janeiro, um dos polos da crise de segurança, tem revelado outra faceta, a da subjugação do Estado ao esquema de corrupção instalado no poder, parte do qual está trancafiada. O Rio de Janeiro passa pela coincidência de estarem presos um ex-governador, Sérgio Cabral, o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e políticos influentes, enquanto se mantém no Palácio Guanabara Luiz Fernando Pezão, que foi vice do ex-governador preso provisoriamente. Há, então, a degradante situação em que o grupo no poder tem líderes entre a população carcerária.
O que essa experiência mostra é que o governo não consegue, ou não quer, impor o que estabelece a lei a esse grupo de aliados presos. As facilidades de que usufruíram Cabral e correligionários em Benfica — comida especial, trânsito livre, medicamentos fora das regras do presídio etc. — estarreceram. Tanto que Cabral, a pedido do Ministério Público, foi despachado para Curitiba pela Justiça.
Essa cooptação de autoridades penitenciárias por presos ilustres ficou escancarada com a ocorrência de que, tudo indica, foi vítima Anthony Garotinho, também ex-governador, preso no dia 22 de novembro e enviado para Benfica, ficando em galeria diferente da do seu adversário político Sérgio Cabral.
Na madrugada de 24, relatou Garotinho ter sido agredido por alguém, com um porrete, que machucou um dos seus joelhos, tendo ainda pisado em seu pé, ferimentos comprovados por exame de corpo de delito.
A história de Garotinho foi contraposta pela Secretaria de Administração Penitenciária com vídeos de câmeras da ala do ex-governador sem qualquer registro de pessoas estranhas no local.
O político insistiu. Também conhecido por baixa credibilidade, Garotinho não foi levado a sério, mas competente exame feito por peritos da Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia (Dedit), do MP fluminense, constatou que o ex-governador deve ter razão, pois as câmeras foram manipuladas. Constataram-se cortes em um vídeo, enquanto outra câmera foi congelada.
Há muito a esclarecer sobre as responsabilidades pela trama, típica de gangsterismo. A gravidade do caso envolve não apenas o secretário penitenciário, coronel da PM Erir Ribeiro, mas o próprio governador Pezão. Tudo comprovado, não se terá dúvida de que atua no Rio de Janeiro uma quadrilha especialmente perigosa, por transitar nos altos escalões do governo.
23 de janeiro de 2018
Editorial O Globo
O sistema penitenciário é parte da crise nacional de segurança pública, com suas características de barbárie e de falta de controle por parte do Estado. As quadrilhas que atuam nas ruas estão representadas dentro dele e operam atrás das grades com desenvoltura, bem conectadas com o mundo exterior. Sustentados pelo Erário, bandidos usam prisões como escritório particular.
O Rio de Janeiro, um dos polos da crise de segurança, tem revelado outra faceta, a da subjugação do Estado ao esquema de corrupção instalado no poder, parte do qual está trancafiada. O Rio de Janeiro passa pela coincidência de estarem presos um ex-governador, Sérgio Cabral, o presidente da Assembleia, Jorge Picciani, e políticos influentes, enquanto se mantém no Palácio Guanabara Luiz Fernando Pezão, que foi vice do ex-governador preso provisoriamente. Há, então, a degradante situação em que o grupo no poder tem líderes entre a população carcerária.
O que essa experiência mostra é que o governo não consegue, ou não quer, impor o que estabelece a lei a esse grupo de aliados presos. As facilidades de que usufruíram Cabral e correligionários em Benfica — comida especial, trânsito livre, medicamentos fora das regras do presídio etc. — estarreceram. Tanto que Cabral, a pedido do Ministério Público, foi despachado para Curitiba pela Justiça.
Essa cooptação de autoridades penitenciárias por presos ilustres ficou escancarada com a ocorrência de que, tudo indica, foi vítima Anthony Garotinho, também ex-governador, preso no dia 22 de novembro e enviado para Benfica, ficando em galeria diferente da do seu adversário político Sérgio Cabral.
Na madrugada de 24, relatou Garotinho ter sido agredido por alguém, com um porrete, que machucou um dos seus joelhos, tendo ainda pisado em seu pé, ferimentos comprovados por exame de corpo de delito.
A história de Garotinho foi contraposta pela Secretaria de Administração Penitenciária com vídeos de câmeras da ala do ex-governador sem qualquer registro de pessoas estranhas no local.
O político insistiu. Também conhecido por baixa credibilidade, Garotinho não foi levado a sério, mas competente exame feito por peritos da Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia (Dedit), do MP fluminense, constatou que o ex-governador deve ter razão, pois as câmeras foram manipuladas. Constataram-se cortes em um vídeo, enquanto outra câmera foi congelada.
Há muito a esclarecer sobre as responsabilidades pela trama, típica de gangsterismo. A gravidade do caso envolve não apenas o secretário penitenciário, coronel da PM Erir Ribeiro, mas o próprio governador Pezão. Tudo comprovado, não se terá dúvida de que atua no Rio de Janeiro uma quadrilha especialmente perigosa, por transitar nos altos escalões do governo.
23 de janeiro de 2018
Editorial O Globo
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