É evidente que o PT e as esquerdas não esperavam sofrer uma derrota na dimensão da que se viu no domingo. Noto que meus colegas "progressistas" do colunismo se mostram soturnos. Estavam preparados e treinados para apontar as conspirações do Michel Temer, da "mídia", do capital e das elites de sempre, que estão dando sucessivos golpes desde 1954, como se sabe...
Só não contavam com a conspiração do povo. Aí já é demais! Já há quem tangencie a crítica à velha "democracia burguesa", com seus múltiplos instrumentos de dominação ideológica para induzir o povo a fazer escolhas contrárias a seus interesses. Mais um pouco, será preciso resgatar dos escombros "As Veias Abertas da América Latina", "Para Ler O Pato Donald" e "O Capital: Conceitos Fundamentais".
Fico um tanto impressionado, para citar o que já é um clichê, que não tenham aprendido nada nem esquecido nada. É bem verdade que o moralismo tosco que volta e meia sopra lá de Curitiba – e o "moralismo" é o túmulo da moral –induz muita gente ao erro. À direita e à esquerda, há quem realmente considere que Dilma só caiu por causa da Lava Jato e que a sova eleitoral sofrida pelo PT deve ser creditada na conta de Sérgio Moro e de Deltan Dallagnol, os nossos candidatos, respectivamente, a Robespierre e Marat do terror das Luzes.
A esquerda gosta de acreditar nessa bobagem porque isso reforça a tese do complô e do golpe. Marilena Chaui, por exemplo, está convicta de que Moro foi treinado nos EUA com o fito de ser a ponta de lança de um projeto que busca destruir a soberania do Brasil nos séculos 21 e 22. Só isso. E certa direita abobada vibra com a possibilidade de a política ser exercida numa delegacia de polícia, onde, então, estaríamos mais seguros. Apoia as "Dez Medidas do MP" sem nem saber o que elas escondem de bom e de ruim.
Cadê os nossos marxistas? Cadê os nossos liberais?
Será assim tão difícil concluir que povo próspero vota na conservação do statu quo? Será assim tão complicado constatar que a mistura de crise econômica com eleição resulta em mudança – boa ou má? Ainda bem que é assim. É um sinal de que a população não se deixou capturar passivamente pelo sofrimento, o que se traduziria em conformismo e desesperança.
Infelizmente, isso a que as esquerdas chamam de "guinada à direita" ainda não revela a afirmação de valores que eu classifico de "conservadores" – conservadores, bem entendido, de instituições. Por enquanto, estamos na fase puramente reativa. Nestes dias, a população apenas acerta as suas contas com o PT, punindo-o pelo mal que fez a seu bolso, a seus sonhos de futuro, a seus anseios de ascensão social.
É preciso que o conservadorismo institucionalista entre para valer na guerra de valores para que o país, com efeito, saia do vermelho. E não só na propaganda.
Os partidos e forças que ajudaram a depor Dilma – em razão de seus crimes, de suas escolhas e de seus deméritos – precisam deixar clara a importância que teve o gigantismo estatal tanto na criação e consolidação da organização criminosa como no desastre econômico a que nos conduziu o PT.
Sair do vermelho é muito mais do que punir algumas dezenas de larápios que se apoderaram do Estado ou lhes aplicar uma derrota eleitoral avassaladora. O povo votou com o bolso. Já é hora de falar de um Evangelho.
07 de outubro de 2016
Reinaldo Azevedo, Folha de SP
Só não contavam com a conspiração do povo. Aí já é demais! Já há quem tangencie a crítica à velha "democracia burguesa", com seus múltiplos instrumentos de dominação ideológica para induzir o povo a fazer escolhas contrárias a seus interesses. Mais um pouco, será preciso resgatar dos escombros "As Veias Abertas da América Latina", "Para Ler O Pato Donald" e "O Capital: Conceitos Fundamentais".
Fico um tanto impressionado, para citar o que já é um clichê, que não tenham aprendido nada nem esquecido nada. É bem verdade que o moralismo tosco que volta e meia sopra lá de Curitiba – e o "moralismo" é o túmulo da moral –induz muita gente ao erro. À direita e à esquerda, há quem realmente considere que Dilma só caiu por causa da Lava Jato e que a sova eleitoral sofrida pelo PT deve ser creditada na conta de Sérgio Moro e de Deltan Dallagnol, os nossos candidatos, respectivamente, a Robespierre e Marat do terror das Luzes.
A esquerda gosta de acreditar nessa bobagem porque isso reforça a tese do complô e do golpe. Marilena Chaui, por exemplo, está convicta de que Moro foi treinado nos EUA com o fito de ser a ponta de lança de um projeto que busca destruir a soberania do Brasil nos séculos 21 e 22. Só isso. E certa direita abobada vibra com a possibilidade de a política ser exercida numa delegacia de polícia, onde, então, estaríamos mais seguros. Apoia as "Dez Medidas do MP" sem nem saber o que elas escondem de bom e de ruim.
Cadê os nossos marxistas? Cadê os nossos liberais?
Será assim tão difícil concluir que povo próspero vota na conservação do statu quo? Será assim tão complicado constatar que a mistura de crise econômica com eleição resulta em mudança – boa ou má? Ainda bem que é assim. É um sinal de que a população não se deixou capturar passivamente pelo sofrimento, o que se traduziria em conformismo e desesperança.
Infelizmente, isso a que as esquerdas chamam de "guinada à direita" ainda não revela a afirmação de valores que eu classifico de "conservadores" – conservadores, bem entendido, de instituições. Por enquanto, estamos na fase puramente reativa. Nestes dias, a população apenas acerta as suas contas com o PT, punindo-o pelo mal que fez a seu bolso, a seus sonhos de futuro, a seus anseios de ascensão social.
É preciso que o conservadorismo institucionalista entre para valer na guerra de valores para que o país, com efeito, saia do vermelho. E não só na propaganda.
Os partidos e forças que ajudaram a depor Dilma – em razão de seus crimes, de suas escolhas e de seus deméritos – precisam deixar clara a importância que teve o gigantismo estatal tanto na criação e consolidação da organização criminosa como no desastre econômico a que nos conduziu o PT.
Sair do vermelho é muito mais do que punir algumas dezenas de larápios que se apoderaram do Estado ou lhes aplicar uma derrota eleitoral avassaladora. O povo votou com o bolso. Já é hora de falar de um Evangelho.
07 de outubro de 2016
Reinaldo Azevedo, Folha de SP