Quando comecei a trabalhar como repórter de O Globo, no Rio, em 1958, metade da redação recusava-se a utilizar as máquinas de escrever Remington. Acostumados a escrever a mão, em laudas não pontilhadas, os velhos companheiros que a gente admirava de longe, sem coragem de puxar conversa, mandavam sua produção para as oficinas, no andar de baixo.
Lá, cada redator dispunha de um linotipista especializado em traduzir seus garranchos, em composições a quente, no chumbo, cujas provas eram enviadas outra vez para cima, a fim de ter seu conteúdo analisado pela equipe do copy-desk. Estes, geralmente velhos profissionais, corrigiam, adaptavam ou aprovavam os textos, gerando quase sempre um conflito entre os autores e seus inspetores.
O material ia para o secretário de redação, encarregado de diagramar as páginas, quase sempre cortando os últimos parágrafos de cada matéria, por falta de espaço.
As fotografias eram devidamente paginadas depois de retocadas, ou seja, parcialmente cobertas com tinta, já que não se publicava retrato de pessoas mortas em acidentes, a menos que fossem muito importantes.
Com todas as páginas compostas, novamente lá em baixo imprimiam-se as provas. Aprovadas, era hora de rodar o jornal, numa barulhada dos diabos, já que as oficinas e a redação formavam um corpo único, mesmo em andares distintos.
MAIS FÁCIL E LIMPO
A máquina de escrever desapareceu faz décadas. Hoje, com o computador, ficou tudo mais fácil e mais limpo. Escreve-se nele, pagina-se com o digitar de algumas teclas, o conjunto vai para oficinas às vezes situadas quilômetros adiante e o milagre acontece: o jornal está pronto sem que nenhum repórter, revisor, chefe ou gráfico tenha sujado as mãos de tinta.
Mudou também a vida e a prática dos repórteres. Ao invés de um caderninho para anotar os fatos, o jovem vai para a rua com uma dessas diabólicas criações eletrônicas que lhe permitem comunicar-se permanentemente com a redação, escrevendo e enviando suas matérias para análise do superior imediato, tanto faz em que lugar do país ou do exterior se encontre.
Aconteceu, no entanto, profunda transformação no ritmo de trabalho. Antes, recebíamos pautas variadas, às vezes quatro ou mais, obrigando-nos a correr de um evento para outro, de um acidente para uma conferência, depois para uma entrevista e uma outra reunião, voltando à redação com tudo anotado para, uma por uma, redigirmos as reportagens do dia.
Quando viajávamos em campanhas políticas, como por exemplo a de Jânio Quadros, que acompanhei boa parte do ano de 1959 pelo país inteiro, voávamos num DC-3 alugado pela campanha, passando por diversas cidades e comícios até chegar à capital de um estado, à noitinha.
Era preciso cobrir as variadas atividades do candidato, desde a missa que frequentava até a encontros com políticos, estudantes e líderes operários, sem falar nos churrascos.
Chegávamos ao meio da noite junto aos postos telefônicos de uma capital qualquer para transmitir tudo, gritando, porque nem microondas existiam, quanto mais satélites.
Era tudo através dos fios e postes que as telefonistas comandavam, interligando-nos de Manaus, Belém, Recife ou Salvador com as matrizes no Rio ou São Paulo. Sempre perdendo a qualidade do som, daí a gritaria. Quem chegasse primeiro tinha a vantagem de ir dormir mais cedo, ou menos tarde, mas a desvantagem de ignorar o que os colegas atrás na fila haviam reportado. De quando em quando aproveitávamos algum detalhe esquecido e capaz de ser acrescentado.
Os tempos mudaram, tudo ficou mais fácil, basta apertar botões. A essência do jornalismo, porém, é a mesma: há que apresentar os fatos, reproduzir os pronunciamentos e revelar as confidências, tudo envolto na capacidade de observação do profissional.
Esses comentários se fazem a propósito de haver sido iniciada no fim de semana a temporada das campanhas eleitorais. Apesar do imenso avanço tecnológico, o trabalho do repórter encarregado de acompanhar os candidatos não mudou. Apenas, é um pouco mais cômodo. Quem for atrás de Dilma, de Aécio, de Eduardo Campos e de outros menos falados precisará munir-se de grandes doses de observação, mas com uma preocupação elementar: não se deixar envolver pelos candidatos, muito menos tomar partido em suas pregações. Esse papel, hoje como ontem, cabe aos barões da imprensa escrita, irradiada ou televisada. Eles que distorçam as opiniões, se quiserem, porque os fatos, esses pertencem aos repórteres…
10 de julho de 2014
Carlos Chagas
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