"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O RISCO DE UMA CAMPANHA TIPO ZÚNIGA

Os candidatos não se decidiram entre um joelhaço nas costas ou um gol como o de James Rodriguez

Nos próximos dois meses não vai ter Copa, vai ter campanha eleitoral. Da Copa ficará a lembrança de uma festa, de um desastre, das traficâncias dos amigos da Fifa, do soco de Rodrigo Paiva em Pinilla, da mordida de Suárez em Chiellini e, acima de tudo, do joelhaço de Zúñiga em Neymar. Caberá a Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos decidir que tipo de campanha farão. Podem escolher a elegância de James Rodriguez ou um modelo Zúñiga 2.0. Um jogou para um gol inesquecível. O outro, para destruir o adversário.

Em 2002 os Zúñigas do tucanato apresentavam uma eventual vitória de Lula como a bancarrota do país. (Um dólar de R$ 4 era boa aposta.) Em 2006 foi a vez dos Zúñigas petistas: se Alckmin fosse eleito, venderia a Petrobras. Quatro anos depois, Dilma Rousseff, por sua posição diante do aborto, seria uma matadora de criancinhas. Os dois lados prenunciavam o fim do mundo.

Até agora nenhum candidato mostrou simpatia pelo modelo de James Rodriguez. A doutora Dilma lançou-se com platitudes ("Brasil sem Burocracia", "Banda Larga para Todos"). Aécio Neves oferece "gestão", um conceito saudável, porém neutro, como as boas maneiras. Os repórteres Vandson Lima e Raquel Ulhôa mostraram que no dia 28 de junho o doutor Eduardo Campos comprometeu-se a garantir escolas em tempo integral para todas as crianças do país. Foram procurar a boa nova nas diretrizes gerais que ele registrou no TSE uma semana depois e, cadê? Sumiu a promessa.

Enquanto os candidatos procuram as costas dos adversários, nos últimos meses o Congresso aprovou dois contrabandos em medidas provisórias. Num, aliviava os planos de saúde das multas impostas por negativas de atendimento à freguesia. O gato foi aprovado por todas as bancadas. Felizmente, a doutora Dilma vetou-o. Não fez o mesmo com outro, que matou o sistema de licitação para a concessão de serviços de ônibus interestaduais. Há outro gato na tuba: uma emenda à MP 641, que alivia as dívidas de sonegadores com o fisco, estende o mimo a prefeitos condenados a ressarcir a Viúva por atos de improbidade administrativa. A ver se os candidatos têm algo a dizer ou se isso está acontecendo em Marte.

Zúñiga está em campo, mas assim como houve Copa, há um Brasil capaz de surpreender seus instintos animais. Nele, tucanos e petistas sabem jogar bola. Por exemplo: o "British Medical Journal" acaba de publicar uma pesquisa associando o Programa Saúde da Família (o maior do mundo) a uma redução de 21% na mortalidade por doenças cardíacas no municípios onde opera. A mortalidade por acidentes vasculares cerebrais caiu 18%. O trabalho, de Davide Rasella, Michael Harhay, Marina Pamponet, Rosana Aquino e Mauricio Barreto, não crava uma relação de causa e efeito, mas mostra que a prevenção oferecida pelo programa foi relevante para o bom resultado.

O "Saúde da Família" deslanchou em 1995, durante o tucanato. A pesquisa cobriu dados de 1.622 municípios entre 2000 a 2009. Portanto, foram dois anos de governo tucano e sete petistas. Segundo o modelo Zúñiga, os tucanos desviavam verbas da saúde e os petistas aparelharam o programa. Na vida real, ambos contribuíram para que a saúde dos brasileiros melhorasse.

 
10 de julho de 2014
Elio Gaspari, Folha de SP

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