O Brasil é um Estado relativamente jovem mas, como o personagem icônico do século XIX, falta-lhe vontade
Oblomov, personagem icônico do século XIX e do escritor russo Ivan Goncharov, é jovem, mas lhe falta vontade. Sedentário, passa seus dias prostrado na cama recebendo visitas e exalando preguiça. É da cama que toca seus negócios, e na cama que passa as primeiras 50 páginas do livro, quando, por um breve momento, levanta-se para sentar na cadeira em ato de surpreendente dinamismo. Dura pouco. Logo Oblomov está de volta à cama vendo a vida passar e seus negócios indo de mal a pior. Nem mesmo a notícia de que parte de seu patrimônio está em estado precário e de que é preciso viajar para tomar algumas decisões a respeito de suas finanças consegue demovê-lo de seu maior desejo – permanecer inerte.
O Brasil é um Estado relativamente jovem mas, como Oblomov, falta-lhe vontade. Vontade de se levantar e implantar as inúmeras reformas necessárias para que o País saia da inércia. Reformas amplamente discutidas e detalhadas no novo livro de Felipe Salto e Mansueto Almeida, coletânea que esmiúça a história e os rumos futuros de nosso Oblomov. Como argumentam os economistas na introdução do livro, não foi fácil fazer Oblomov sair da cama para a cadeira: “O caminho percorrido pelo País na busca por instituições fiscais sólidas foi penoso. Deu trabalho extinguir os laços entre o Banco Central e o Banco do Brasil, criar a Secretaria do Tesouro Nacional para gerir a dívida pública, promover a renegociação da dívida dos Estados, elaborar e aprovar a Lei de Responsabilidade Fiscal”. Contudo, como para o protagonista russo, houve período breve de dinamismo incontestável, sobretudo quando da criação das condições para a adoção do Plano Real nos anos 90. Infelizmente, Oblomov voltou para a cama em 2009 com as numerosas práticas fiscais de caráter duvidoso, hoje conhecidas pela alcunha de “contabilidade criativa”. Que a cama de Oblomov tenha se tornado mais robusta com o uso desenfreado dos bancos públicos durante os anos Dilma, sendo assim capaz de aguentar o peso crescente de seu ocupante parrudo, não é segredo. No entanto, para os interessados em compreender as minúcias do que levou o País à crise aguda de Oblomovite que hoje se observa, o livro de Salto e Almeida é leitura fundamental.
Dizem os autores: “O duro golpe do lulopetismo sobre o arcabouço político e institucional trouxe o País ao quadro de descrédito que hoje dita os rumos da economia, independentemente das ações do governo. A falta de credibilidade do governo é tal que todos os anúncios e promessas são vistos com desconfiança e todas as práticas de contabilidade criativa se tornaram uma herança maldita para o período 2015-2018, dificultando o ajuste fiscal”. Estão cobertos de razão.
A exacerbação de modelo político calcado na troca de favores e a desconstrução institucional não mais permitiram que Oblomov saísse de berço esplêndido. Continuamos a observar o mesmo quando a equipe econômica de Temer tenta emplacar, sem sucesso até o momento, propostas de reformas cujo objetivo principal é extinguir os mecanismos que permitem a lassidão, desmontar o leito para que dele o Estado brasileiro não possa mais se valer, eliminar a preguiça eterna de consertar as contas públicas.
“Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade” explica com rigor analítico as origens do Brasil Oblomoviano, o efêmero flerte com a maior agilidade e dinamismo, a volta para o berço e o inchaço resultante, e os caminhos para não morrer de Oblomovite, como padece o protagonista de Goncharov ao final do livro.
Acreditar que o Brasil vai crescer mais logo, logo, é só aguardar – conforme anda-se lendo por aí – é caminho certo para infectar-se com inércia tão inerte que dela já não é possível sair. Entender porque o Brasil chegou a esse ponto e como dele se livrar não sem algum considerável sacrifício à sociedade é imprescindível para que seja possível retomar o debate – não o debate raivoso e inútil que tem sido a prática no País, mas o debate construtivo que leve a algumas soluções.
O caminho é árduo. Afinal, é nas finanças públicas que a política e a economia se entrecruzam, como o livro de Salto e Almeida tão bem documenta.
18 de agosto de 2016
Oblomov, personagem icônico do século XIX e do escritor russo Ivan Goncharov, é jovem, mas lhe falta vontade. Sedentário, passa seus dias prostrado na cama recebendo visitas e exalando preguiça. É da cama que toca seus negócios, e na cama que passa as primeiras 50 páginas do livro, quando, por um breve momento, levanta-se para sentar na cadeira em ato de surpreendente dinamismo. Dura pouco. Logo Oblomov está de volta à cama vendo a vida passar e seus negócios indo de mal a pior. Nem mesmo a notícia de que parte de seu patrimônio está em estado precário e de que é preciso viajar para tomar algumas decisões a respeito de suas finanças consegue demovê-lo de seu maior desejo – permanecer inerte.
O Brasil é um Estado relativamente jovem mas, como Oblomov, falta-lhe vontade. Vontade de se levantar e implantar as inúmeras reformas necessárias para que o País saia da inércia. Reformas amplamente discutidas e detalhadas no novo livro de Felipe Salto e Mansueto Almeida, coletânea que esmiúça a história e os rumos futuros de nosso Oblomov. Como argumentam os economistas na introdução do livro, não foi fácil fazer Oblomov sair da cama para a cadeira: “O caminho percorrido pelo País na busca por instituições fiscais sólidas foi penoso. Deu trabalho extinguir os laços entre o Banco Central e o Banco do Brasil, criar a Secretaria do Tesouro Nacional para gerir a dívida pública, promover a renegociação da dívida dos Estados, elaborar e aprovar a Lei de Responsabilidade Fiscal”. Contudo, como para o protagonista russo, houve período breve de dinamismo incontestável, sobretudo quando da criação das condições para a adoção do Plano Real nos anos 90. Infelizmente, Oblomov voltou para a cama em 2009 com as numerosas práticas fiscais de caráter duvidoso, hoje conhecidas pela alcunha de “contabilidade criativa”. Que a cama de Oblomov tenha se tornado mais robusta com o uso desenfreado dos bancos públicos durante os anos Dilma, sendo assim capaz de aguentar o peso crescente de seu ocupante parrudo, não é segredo. No entanto, para os interessados em compreender as minúcias do que levou o País à crise aguda de Oblomovite que hoje se observa, o livro de Salto e Almeida é leitura fundamental.
Dizem os autores: “O duro golpe do lulopetismo sobre o arcabouço político e institucional trouxe o País ao quadro de descrédito que hoje dita os rumos da economia, independentemente das ações do governo. A falta de credibilidade do governo é tal que todos os anúncios e promessas são vistos com desconfiança e todas as práticas de contabilidade criativa se tornaram uma herança maldita para o período 2015-2018, dificultando o ajuste fiscal”. Estão cobertos de razão.
A exacerbação de modelo político calcado na troca de favores e a desconstrução institucional não mais permitiram que Oblomov saísse de berço esplêndido. Continuamos a observar o mesmo quando a equipe econômica de Temer tenta emplacar, sem sucesso até o momento, propostas de reformas cujo objetivo principal é extinguir os mecanismos que permitem a lassidão, desmontar o leito para que dele o Estado brasileiro não possa mais se valer, eliminar a preguiça eterna de consertar as contas públicas.
“Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade” explica com rigor analítico as origens do Brasil Oblomoviano, o efêmero flerte com a maior agilidade e dinamismo, a volta para o berço e o inchaço resultante, e os caminhos para não morrer de Oblomovite, como padece o protagonista de Goncharov ao final do livro.
Acreditar que o Brasil vai crescer mais logo, logo, é só aguardar – conforme anda-se lendo por aí – é caminho certo para infectar-se com inércia tão inerte que dela já não é possível sair. Entender porque o Brasil chegou a esse ponto e como dele se livrar não sem algum considerável sacrifício à sociedade é imprescindível para que seja possível retomar o debate – não o debate raivoso e inútil que tem sido a prática no País, mas o debate construtivo que leve a algumas soluções.
O caminho é árduo. Afinal, é nas finanças públicas que a política e a economia se entrecruzam, como o livro de Salto e Almeida tão bem documenta.
18 de agosto de 2016
Monica de Bolle, Estadão
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
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