Em 1993, o Brasil teve um referendo sobre o sistema de governo que adotaria: presidencialismo, parlamentarismo ou monarquia. Antecipando o espírito de micareta cívica que tomaria o país dali a duas décadas, o evento foi realizado sem nenhum debate, discussão teórica balizada ou campanha a conscientizar a população sobre o que estava em jogo. O sistema se manteve e, passados mais de 20 anos, poucos sabem o que é parlamentarismo – e continuam com devaneios irreais sobre como funciona uma monarquia.
Hoje, a popularidade da presidente Dilma Rousseff chega a apenas um dígito, sua reeleição não teria logrado êxito se ocorresse na semana seguinte, sua representatividade foi minada com uma enxurrada de promessas não cumpridas.
Numa dessas ironias históricas, o debate sobre o parlamentarismo ressurge no país – agora, de baixo para cima. Com juristas famosos no debate público, toda a população quer uma forma de evitar crises como a causada pelo repúdio em massa à presidente Dilma.
O parlamentarismo é uma ideia muito mais funcional que o presidencialismo, que praticamente só deu certo na América. Basicamente, parlamentarismo é a divisão entre chefe de Estado e chefe de governo. O primeiro representa os interesses do país – em tratados internacionais, por exemplo. O segundo chefia a coalizão que governa temporariamente o país. A rainha da Inglaterra e Joachim Gauck, presidente alemão, são chefes de Estado. David Cameron, o primeiro-ministro britânico, e Angela Merkel, chanceler alemã, são chefes de governo. No Brasil e na América, Dilma e Obama incorporam ambas as funções.
Há duas grandes vantagens, ainda mais para um país em eterna crise como o Brasil. A primeira é a divisão maior de poderes. Em vez de inúmeros decretos e medidas provisórias, que fazem o presidente legislar sem passar pela maioria do Congresso (como as medidas de Dilma que impõem sigilo sobre documentos, ou dando poder a “conselhos populares” não eleitos e escolhidos a dedo), as medidas de um chefe de governo precisam de aprovação da maioria do Congresso. O Executivo, em vez de todo-poderoso como atualmente, precisa estar sempre colhendo apoio, aumentando o debate e a consciência pública na sociedade para cada ato. O presidente fica com funções quase simbólicas em relação ao país.
Outra vantagem é que o chefe de governo precisa ter apoio frequente do Congresso. Uma decisão – a qualquer momento – do Congresso que julgue que o primeiro-ministro exerce mal suas funções pode retirá-lo do cargo com facilidade, sem a suposta instabilidade institucional de um impeachment. Dilma, se fosse primeira-ministra, poderia já ter sido substituída, sem a crise que sua permanência no cargo gera no país.
Para a crise de representatividade brasileira, o parlamentarismo é uma excelente solução tanto para o Executivo quanto para o Legislativo: coloca-os em mútua vigília, sem a preponderância daquele sobre este.
Mas eis que surge a figura de Eduardo Cunha, como sucedâneo da presidente em caso de impeachment. Enxergando uma vantagem, toda a oposição ao parlamentarismo e ao impeachment centra-se em criticar sua figura. Bobagem. Como primeiro-ministro, em seu primeiro erro cairia mais rapidamente do que como presidente. Melhor assim do que como a próxima Dilma.
07 de julho de 2015
Flávio Morgenstern
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