Moro e Bochenek, dois jovens que lutam pela Justiça |
A respeito das causas da impunidade que caracteriza a Justiça brasileira no tocante a crimes cometidos pelas elites, em 29 de março de 2015, ainda no início da Lava Jato, os juízes Sergio Fernando Moro e Antônio Cesar Bochenek, presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), publicaram importante artigo a esse respeito no jornal O Estado de S. Paulo.
De lá para cá, a situação mudou muito, porque o próprio juiz Moro conseguiu colocar na cadeia importantes empresários e políticos. Mas no que se refere a réus que gozam de foro privilegiado no Supremo, os inquéritos e processos simplesmente não andam e estão destinados à prescrição e à impunidade, conforme já advertiram o ministro Luís Roberto Barroso e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sem que fosse tomada qualquer providência.
PRISÕES ANTECIPADAS – Agora, está na pauta do STF a ordem de prisão para criminosos após decisão de segunda instância, uma questão fundamental para a Justiça brasileira, porque pode consagrar ou simplesmente inviabilizar todo os esforços da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Confiram abaixo o artigo dos juízes federais Moro e Bochenek, que se referem diretamente à importância da prisão ser decretada antes que o processo transite em julgado, como acontece em outros países, como os Estados Unidos.
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O PROBLEMA É O PROCESSO
Sérgio Moro e Antônio Cesar Bochenek
A denominada Operação Lava Jato revelou provas, ainda pendentes de exame definitivo pelo Judiciário, da aparente existência de um esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro de dimensões gigantescas. Se confirmados os fatos, tratar-se-á do maior escândalo criminal já descoberto no Brasil. As consequências são assustadoras.
A Petrobrás sofreu danos econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de obras. Além dos danos imediatos, a empresa sofreu grave impacto em sua credibilidade. A própria economia brasileira, carente de investimentos, sofre consequências, com várias empresas fornecedoras da Petrobras envolvidas no esquema criminoso.
Mais preocupante ainda a possibilidade de que o esquema criminoso tenha servido ao financiamento de agentes e partidos políticos, colocando sob suspeição o funcionamento do regime democrático. Embora se acredite que, com o apoio das instituições democráticas e da população em geral, tais problemas restem ao final superados, inclusive com o fortalecimento da democracia e da economia brasileiras, a grande questão a ser colocada é como se chegou a esse ponto de deterioração, no qual a descoberta e a repressão de crimes de corrupção geraram tantos efeitos colaterais negativos?
INEFICIÊNCIA – Uma das respostas é que o sistema de Justiça Criminal, aqui incluído Polícia, Ministério Público e Judiciário, não tem sido suficientemente eficiente contra crimes desta natureza. Como resultado, os problemas tendem a crescer, tornando a sua resolução, pelo acúmulo, cada vez mais custosa.
A ineficiência é ilustrada pela perpetuação na vida pública de agentes que se sucedem nos mais diversos escândalos criminais. Não deveria ser tão difícil condená-los ao ostracismo. Parte da solução passa pelo incremento da eficiência da Justiça criminal. Sem dúvida com o respeito aos direitos fundamentais dos investigados e acusados, mas é necessário um choque para que os bons exemplos de eficiência não fiquem dependentes de voluntariedade e circunstâncias.
Sem embargo de propostas de alterações do Direito Penal, o problema principal é óbvio e reside no processo. Não adianta ter boas leis penais se a sua aplicação é deficiente, morosa e errática. No Brasil, contam-se como exceções processos contra crimes de corrupção e lavagem que alcançaram bons resultados. Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou a prescrição pelo excesso de tempo transcorrido. Nesse contexto, qualquer proposta de mudança deve incluir medida para reparar a demora excessiva do processo penal.
PRISÃO IMEDIATA – A melhor solução é a de atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata, independente do cabimento de recursos. A proposição não viola a presunção de inocência. Esta, um escudo contra punições prematuras, impede a imposição da prisão, salvo excepcionalmente, antes do julgamento.
Mas não é esse o caso da proposta que ora se defende, de que, para crimes graves em concreto, seja imposta a prisão como regra a partir do primeiro julgamento, ainda que cabíveis recursos. Nos Estados Unidos e na República francesa, dois dos berços históricos da presunção de inocência, a regra, após o primeiro julgamento, é a prisão, sendo a liberdade na fase de recurso excepcional.
Não se ignora, por evidente, a possibilidade do erro judiciário e de eventual reforma do julgado, motivo pelo qual se propõe igualmente que as Cortes recursais possam, como exceção, suspender a eficácia da condenação criminal quando presente, por exemplo, plausibilidade do recurso. Mas a exceção não invalida a proposição.
O problema da legislação atual é o de supor como geral o erro judiciário e, como consequência, retirar toda eficácia da sentença judicial, transformando-a em mera opinião, sem força nem vigor. No Brasil, chegou-se ao extremo de também retirar-se a eficácia imediata do acórdão condenatório dos Tribunais, exigindo-se um trânsito em julgado que, pela generosidade de recursos, constitui muitas vezes uma miragem distante. Na prática, isso estimula recursos, quando não se tem razão, eterniza o processo e gera impunidade.
ANTICORRUPÇÃO – A AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil apresentará, em breve, proposição nesse sentido ao Congresso Nacional. O projeto de lei foi previamente aprovado pela ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de dinheiro no ano de 2014, em grupo de trabalho que contou com membros dos três Poderes.
Pelo projeto, o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não impedirá, como regra, a prisão. Permite ainda o projeto que o juiz leve em consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a sociedade e para a vítima como ter sido ou não recuperado integralmente o produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente. Exige-se ainda alguma cautelaridade para a prisão, mas não como antes do julgamento.
MELHORAR A JUSTIÇA – Não se trata aqui de competir com as proposições apresentadas pelo Governo Federal ou pelo Ministério Público, mas contribuir, usando a experiência da magistratura, com a apresentação de projeto que pode mudar significativamente, para melhor, a Justiça.
O Brasil vive momento peculiar. A crise decorrente do escândalo criminal assusta. Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação. Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de Justiça Criminal, para romper com sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como País.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Um ano e meio depois desse importante artigo de Moro e Bochenek, já está no Congresso a proposta de aprimoramento das leis, sob o título de Dez Medidas contra Corrupção. Espera-se que sejam aprovadas pelo Congresso, embora quase 200 dos 594 parlamentares federais estejam respondendo a acusações criminais no Supremo. A maioria não está e precisa prevalecer. (C.N.)
09 de setembro de 2016
Carlos Newton
A denominada Operação Lava Jato revelou provas, ainda pendentes de exame definitivo pelo Judiciário, da aparente existência de um esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro de dimensões gigantescas. Se confirmados os fatos, tratar-se-á do maior escândalo criminal já descoberto no Brasil. As consequências são assustadoras.
A Petrobrás sofreu danos econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de obras. Além dos danos imediatos, a empresa sofreu grave impacto em sua credibilidade. A própria economia brasileira, carente de investimentos, sofre consequências, com várias empresas fornecedoras da Petrobras envolvidas no esquema criminoso.
Mais preocupante ainda a possibilidade de que o esquema criminoso tenha servido ao financiamento de agentes e partidos políticos, colocando sob suspeição o funcionamento do regime democrático. Embora se acredite que, com o apoio das instituições democráticas e da população em geral, tais problemas restem ao final superados, inclusive com o fortalecimento da democracia e da economia brasileiras, a grande questão a ser colocada é como se chegou a esse ponto de deterioração, no qual a descoberta e a repressão de crimes de corrupção geraram tantos efeitos colaterais negativos?
INEFICIÊNCIA – Uma das respostas é que o sistema de Justiça Criminal, aqui incluído Polícia, Ministério Público e Judiciário, não tem sido suficientemente eficiente contra crimes desta natureza. Como resultado, os problemas tendem a crescer, tornando a sua resolução, pelo acúmulo, cada vez mais custosa.
A ineficiência é ilustrada pela perpetuação na vida pública de agentes que se sucedem nos mais diversos escândalos criminais. Não deveria ser tão difícil condená-los ao ostracismo. Parte da solução passa pelo incremento da eficiência da Justiça criminal. Sem dúvida com o respeito aos direitos fundamentais dos investigados e acusados, mas é necessário um choque para que os bons exemplos de eficiência não fiquem dependentes de voluntariedade e circunstâncias.
Sem embargo de propostas de alterações do Direito Penal, o problema principal é óbvio e reside no processo. Não adianta ter boas leis penais se a sua aplicação é deficiente, morosa e errática. No Brasil, contam-se como exceções processos contra crimes de corrupção e lavagem que alcançaram bons resultados. Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou a prescrição pelo excesso de tempo transcorrido. Nesse contexto, qualquer proposta de mudança deve incluir medida para reparar a demora excessiva do processo penal.
PRISÃO IMEDIATA – A melhor solução é a de atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata, independente do cabimento de recursos. A proposição não viola a presunção de inocência. Esta, um escudo contra punições prematuras, impede a imposição da prisão, salvo excepcionalmente, antes do julgamento.
Mas não é esse o caso da proposta que ora se defende, de que, para crimes graves em concreto, seja imposta a prisão como regra a partir do primeiro julgamento, ainda que cabíveis recursos. Nos Estados Unidos e na República francesa, dois dos berços históricos da presunção de inocência, a regra, após o primeiro julgamento, é a prisão, sendo a liberdade na fase de recurso excepcional.
Não se ignora, por evidente, a possibilidade do erro judiciário e de eventual reforma do julgado, motivo pelo qual se propõe igualmente que as Cortes recursais possam, como exceção, suspender a eficácia da condenação criminal quando presente, por exemplo, plausibilidade do recurso. Mas a exceção não invalida a proposição.
O problema da legislação atual é o de supor como geral o erro judiciário e, como consequência, retirar toda eficácia da sentença judicial, transformando-a em mera opinião, sem força nem vigor. No Brasil, chegou-se ao extremo de também retirar-se a eficácia imediata do acórdão condenatório dos Tribunais, exigindo-se um trânsito em julgado que, pela generosidade de recursos, constitui muitas vezes uma miragem distante. Na prática, isso estimula recursos, quando não se tem razão, eterniza o processo e gera impunidade.
ANTICORRUPÇÃO – A AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil apresentará, em breve, proposição nesse sentido ao Congresso Nacional. O projeto de lei foi previamente aprovado pela ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de dinheiro no ano de 2014, em grupo de trabalho que contou com membros dos três Poderes.
Pelo projeto, o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não impedirá, como regra, a prisão. Permite ainda o projeto que o juiz leve em consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a sociedade e para a vítima como ter sido ou não recuperado integralmente o produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente. Exige-se ainda alguma cautelaridade para a prisão, mas não como antes do julgamento.
MELHORAR A JUSTIÇA – Não se trata aqui de competir com as proposições apresentadas pelo Governo Federal ou pelo Ministério Público, mas contribuir, usando a experiência da magistratura, com a apresentação de projeto que pode mudar significativamente, para melhor, a Justiça.
O Brasil vive momento peculiar. A crise decorrente do escândalo criminal assusta. Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação. Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de Justiça Criminal, para romper com sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como País.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Um ano e meio depois desse importante artigo de Moro e Bochenek, já está no Congresso a proposta de aprimoramento das leis, sob o título de Dez Medidas contra Corrupção. Espera-se que sejam aprovadas pelo Congresso, embora quase 200 dos 594 parlamentares federais estejam respondendo a acusações criminais no Supremo. A maioria não está e precisa prevalecer. (C.N.)
09 de setembro de 2016
Carlos Newton
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