Premier da Austrália diz que é preciso “civilizar o capitalismo” |
Logo depois que o comunismo ficou sepultado sob os escombros do Muro de Berlim, comentei com o então senador Roberto Campos, o mais agudo e consistente porta-estandarte do capitalismo no Brasil, que, depois da vitória sobre o adversário ideológico, o capitalismo tinha a obrigação de provar que poderia servir às grandes massas marginalizadas.
Quase 30 anos depois, essa tarefa civilizatória não foi ainda cumprida. Desta vez, não sou eu quem o diz, mas algumas das mais lustrosas lideranças do universo capitalista. O comunicado final da cúpula do G20, recém-encerrada na China, repete, com mais verborragia, o que disse a Campos anos atrás.
Diz o texto: “Trabalharemos para assegurar que nosso crescimento econômico sirva às necessidades de todos e que beneficie a todos os países e pessoas, inclusive e particularmente, mulheres, jovens e grupos desfavorecidos, gerando mais emprego de qualidade, atacando as desigualdades e erradicando a pobreza, de modo que ninguém seja deixado para trás.”
CIVILIZAR O CAPITALISMO – Não é tudo. O primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, chegou a dizer, nas sessões fechadas, nas quais é possível utilizar mais franqueza do que no comunicado final, que era necessário “civilizar o capitalismo”, segundo o relato do “Financial Times”.
Detalhe nada irrelevante: Turnbull, antes de entrar na política, havia sido banqueiro da Goldman Sachs, uma das grifes da face menos civilizada do capitalismo.
Reforçou Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI e, como tal, comandante de uma instituição sempre vinculada, justa ou injustamente, à face menos civilizada do capitalismo: “O crescimento tem sido demasiado baixo por demasiado tempo e em favor de demasiados poucos.”
O que incomoda é que o G20, essencial para evitar que a crise de 2008/09 se transformasse de recessão em depressão, esteja sendo incapaz já não digo de “civilizar o capitalismo”, mas até de reverter o cenário descrito à perfeição por Lagarde.
DESIGUALDADE OBSCENA – No caso do Brasil, com 73 milhões de pobres e sua desigualdade obscena, a impossibilidade de reversão parece nítida: tudo bem que consertar as contas públicas seja uma necessidade inadiável ante o desastre herdado pelo novo governo. É uma condição necessária, mas insuficiente para a retomada do crescimento e, com ela, do emprego.
Cito, a propósito, estudo do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas no qual se afirma que “a consolidação orçamentária na França e na Europa teve um impacto negativo importante, de 0,8 ponto por ano em média, entre 2012 e 2016”. Prossegue: “A simultaneidade de políticas de austeridade na Europa amplificou seu impacto recessivo, deprimindo a demanda interna e também a externa”.
O Brasil prepara-se, teoricamente, para aplicar políticas de austeridade em 2017, no momento em que o governo e a maioria dos analistas acreditam que estará saindo da recessão. Sem um plano B também para o crescimento, não parece haver chance nem sequer de civilizar a recessão, quanto mais o capitalismo.
09 de setembro de 2016
Clóvis Rossi
Folha
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