"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A POLÍTICA DO AUTOENGANO


No PT há mais gente preocupada em ‘desconstruir’ a nova adversária do que em mudar a maneira de governar. Subestimar Marina é erro. Lula já provou desse veneno


O primeiro cenário depois do desastre, mapeado pelo Datafolha, teve o efeito de um bálsamo para candidatos e seguidores aflitos: Dilma Rousseff (com 36%) e Aécio Neves (20%) se mantiveram intactos, e Marina Silva entrou na disputa com preferência (21%) similar à sua votação na eleição presidencial de 2010.

Grande novidade é a mudança no comportamento do eleitorado. Um mês atrás os sem-candidato, por indecisão ou opção, somavam 50 milhões de eleitores (35% ) e agora são 31 milhões (22%). Ou seja, 19 milhões de brasileiros resolveram entrar no jogo.

Esse movimento teve como primeira consequência a afirmação — agora de maneira explícita e majoritária — da vontade de uma eleição presidencial em dois turnos. Pela primeira vez em 18 meses, Dilma perde no confronto com os dois principais adversários — ficou abaixo (5%) da soma de Aécio e Marina.

Isso aconteceu mantendo-se intocado o desejo de mudanças, talvez a característica dessa campanha, expresso por mais de dois terços do eleitorado em sucessivas sondagens.

Candidatos deveriam interpretar como pressão, a 11 semanas do primeiro turno, por urgência na apresentação de ideias objetivas sobre como o país pode avançar em saúde, educação, transporte, segurança e desenvolvimento econômico, sem perder o já conquistado, como o valor da moeda e o controle da inflação.

Ontem, porém, havia mais gente no comando do PT preocupada em “desconstruir” a nova adversária do que em pensar sobre uma nova maneira de governar. É um método de autoengano, porque subestima o adversário.

Lula provou desse veneno no outono de 2008. Na quinta-feira 8 de maio, ele reuniu governadores da Amazônia e ministros, entre eles Marina Silva, responsável pelo Meio Ambiente, na época em conflito com Dilma Rousseff.

Lula anunciou uma nova política ambiental para a Amazônia delegando-a ao ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Justificou: “O importante é alguém isento para tocar. A Marina não é isenta...”.

Ela ouviu calada. Ficou até o fim, como se nada houvesse acontecido, com seu peculiar meio sorriso, os passos e gestos comedidos que acentuam sua aparência frágil.

Na terça-feira seguinte, 13 de maio, Lula estava em um almoço no Itamaraty, onde discursaria sobre a Abolição da Escravatura. Um assessor entregou-lhe a carta de demissão de Marina com uma notícia: o texto já estava nos sites de notícias (“Deixo seu governo com a consciência tranquila”, ela dizia).

A ministra demitira o presidente, em público. E Lula foi o último a saber — registraram os jornais, de Porto Alegre a Berlim.

Em setembro passado, Lula previu a impossibilidade de registro do partido de Marina. A decisão seria confirmada pela Justiça dias depois. A maior contribuição para anulação de filiações à Rede partiu dos cartórios eleitorais do ABCD paulista, por coincidência região dominada pelo PT. Ali, a rejeição chegou a 60%. Alegou-se até a ausência “por gravidez” da responsável pelo reconhecimento de firma.

Marina não desistiu, uniu-se a Eduardo Campos. Numa trapaça da História, está aí, de novo. Com todas as suas contradições, mas acompanhada por 19 milhões de eleitores, informa a mais recente pesquisa.
 
20 de agosto de 2014
José Casado, O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário