"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

COMO DAR-SE VIDA A UM FANTASMA

 

(Foto: Nadja Raupp Meucci)
(Foto: Nadja Raupp Meucci)

Quando nossos filhos eram pequenos, alugamos certa feita uma casa de veraneio cujo sótão servia de moradia a algum animal que emitia guinchos finos e esganiçados semelhantes ao riso humano. Na primeira vez em que foi ouvido, as crianças, assustadas, perguntaram o que era e eu respondi em tom casual sem dar muita importância: “É o Risadinha. Não é possível vê-lo, mas ele mora aí em cima”. E o Risadinha acabou incorporado para sempre ao folclore familiar, sendo evocado cada vez que se escuta algum rangido ou uma porta bate inesperadamente.

Você acredita nessas coisas? Boitatá, lobisomem, risadinha? Todas são muito facilmente acolhidas pelo imaginário infantil e perdem o sentido, é claro, perante a razão dos adultos. Mas há outras assombrações mais sérias. São concebidas com objetivos políticos e, submetidas a um tratamento gramscista, produzem extraordinário efeito sobre muitas mentes maduras.
A técnica empregada envolve conhecimentos de psicologia de massas, mas é de concepção simples, consistindo em criar uma palavra, atribuir a ela o pior dos sentidos, mencioná-la milhões de vezes e associá-la aos adversários.
Gradualmente, o novo fantasma entra para o vocabulário comum e se converte, não apenas em algo real, mas numa entidade horripilante, da qual é necessário fugir em disparada ante a menor manifestação de sua existência. Pronto, está criado o Risadinha para gente grande.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o vocábulo – desculpem ter que usá-lo – “neoliberalismo”. É possível que o leitor destas linhas, à simples menção da palavra, já tenha sentido o sangue gelar nas veias. Afinal, neoliberal é agente do demo, solto pelo mundo para perder as almas, certo?

Todos estarão lembrados das obras mais macabras atribuídas ao tal… – tá bom, você sabe do que estou falando. Entre seus piores quebrantos se incluíam: Plano Real, privatizações, responsabilidade fiscal, superávit primário, economia de mercado, pagamento da dívida externa, agronegócio, exportações, e inserção no mercado globalizado. Ante a menor referência a qualquer desses tópicos, os caça-fantasmas punham-se a campo, como anjos do Senhor, bradando enxota-diabos e denunciando cheiro de enxofre. Trata-se, porém, como se viu, de uma pantomima.

Da mesma forma como o discurso contra as medidas “neoliberais” acabou levando o PT ao governo, aquelas mesmas medidas sustentaram o discurso fanfarrão de Lula durante oito anos. A lua de mel com a fartura, em praia calma, vento suave e céu azul não pode durar sempre. As prodigalidades se juntaram às tormentas internacionais. E o país passou a andar para trás. E se alguém, com um pingo de lucidez, diz ser isso o que está acontecendo, lá vem o governo com seu Risadinha de gente grande a esconjurar, desta feita, “o mercado”.

12 de agosto de 2014
Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a Tragédia da Utopia” e “Pombas e Gaviões”. Integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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