É inexplicável que, tendo o Congresso Nacional derrubado o famigerado Decreto Presidencial 8.243/2014 – aquele no qual a presidente Dilma Rousseff instituía a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) –, tenha surgido logo em seguida um projeto de lei (PL), de autoria da bancada do PSOL, com o mesmo teor do que ficou conhecido como “decreto dos conselhos populares”. Mais inexplicável ainda é que o projeto de lei do PSOL (PL 8.048/2014) venha tendo andamento na Câmara, como se não fosse absolutamente inconstitucional.
Recentemente o texto foi aprovado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, e agora deverá ser analisado pela Comissão de Finanças e Tributação e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Não bastasse o conteúdo flagrantemente inconstitucional, a tramitação do projeto de lei está sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões, isto é, corre o risco de ser aprovado pela Câmara sem mesmo ir a plenário. Diante de tal despautério, é preciso uma adequada reação parlamentar. Não se pode brincar com tema tão sério.
Editado em maio de 2014, o decreto da presidente Dilma Rousseff era inconstitucional não apenas porque ela não tinha competência para tratar da matéria por meio de um decreto. Tal inconstitucionalidade era escandalosa e evidente, mas não era a única nem a principal. O texto criando um sistema para que a “sociedade civil” participasse diretamente em “todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta”, e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc., era inconstitucional porque alterava o sistema brasileiro de governo.
Numa democracia representativa – como é a nossa, claramente definida e garantida pela Constituição de 1988 –, a participação social nas decisões de governo se dá por meio de seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. A instituição de um sistema de participação direta, como proposto na “Política Nacional de Participação Social” e no “Sistema Nacional de Participação Social”, interfere no funcionamento democrático do País. Em outras palavras, o texto da presidente Dilma Rousseff distribuía a variadas instâncias, não legitimadas pelo voto popular, competências próprias do Congresso Nacional.
Não por outra razão, muitos reconheceram no Decreto 8.243/2014 um perigoso vezo bolivarianista. Diante de tão flagrantes inconstitucionalidades, a Câmara derrubou, em outubro de 2014 – logo após as eleições presidenciais –, o tal decreto.
Pois bem, no dia seguinte à derrubada do texto presidencial pela Câmara, três deputados do PSOL – Chico Alencar (RJ), Ivan Valente (SP) e Jean Wyllys (RJ) – protocolaram um projeto de lei cujo conteúdo reproduzia integralmente o Decreto 8.243/2014. Tal atitude demonstra bem o desapreço dos citados parlamentares pela democracia representativa. Não fizeram qualquer caso da vontade da Câmara, que horas antes havia rejeitado a tal política de participação social. Assim, deixavam claro que seu compromisso não é com a democracia representativa estabelecida na Constituição. Querem outra coisa.
O intrigante é que o projeto foi andando na Câmara. Na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o relator, deputado Vicentinho (PT-SP), fez a seguinte defesa do texto dos colegas do PSOL: “Trata-se de resgatar, para uma análise mais acurada, um conjunto de normas vitimado por inexplicável preconceito por parte da mídia”.
Mais uma vez ficava explícita a mentalidade dos defensores da tal política de participação direta e dos conselhos populares. O respeito à vontade do Congresso é condicionado aos seus interesses. Quando a maioria parlamentar contraria seus interesses, ela passa a ser mero reflexo do “preconceito conservador da mídia”. Pobre democracia.
16 de agosto de 2016
Editorial Estadão
Recentemente o texto foi aprovado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, e agora deverá ser analisado pela Comissão de Finanças e Tributação e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Não bastasse o conteúdo flagrantemente inconstitucional, a tramitação do projeto de lei está sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões, isto é, corre o risco de ser aprovado pela Câmara sem mesmo ir a plenário. Diante de tal despautério, é preciso uma adequada reação parlamentar. Não se pode brincar com tema tão sério.
Editado em maio de 2014, o decreto da presidente Dilma Rousseff era inconstitucional não apenas porque ela não tinha competência para tratar da matéria por meio de um decreto. Tal inconstitucionalidade era escandalosa e evidente, mas não era a única nem a principal. O texto criando um sistema para que a “sociedade civil” participasse diretamente em “todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta”, e também nas agências reguladoras, através de conselhos, comissões, conferências, ouvidorias, mesas de diálogo, etc., era inconstitucional porque alterava o sistema brasileiro de governo.
Numa democracia representativa – como é a nossa, claramente definida e garantida pela Constituição de 1988 –, a participação social nas decisões de governo se dá por meio de seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos. A instituição de um sistema de participação direta, como proposto na “Política Nacional de Participação Social” e no “Sistema Nacional de Participação Social”, interfere no funcionamento democrático do País. Em outras palavras, o texto da presidente Dilma Rousseff distribuía a variadas instâncias, não legitimadas pelo voto popular, competências próprias do Congresso Nacional.
Não por outra razão, muitos reconheceram no Decreto 8.243/2014 um perigoso vezo bolivarianista. Diante de tão flagrantes inconstitucionalidades, a Câmara derrubou, em outubro de 2014 – logo após as eleições presidenciais –, o tal decreto.
Pois bem, no dia seguinte à derrubada do texto presidencial pela Câmara, três deputados do PSOL – Chico Alencar (RJ), Ivan Valente (SP) e Jean Wyllys (RJ) – protocolaram um projeto de lei cujo conteúdo reproduzia integralmente o Decreto 8.243/2014. Tal atitude demonstra bem o desapreço dos citados parlamentares pela democracia representativa. Não fizeram qualquer caso da vontade da Câmara, que horas antes havia rejeitado a tal política de participação social. Assim, deixavam claro que seu compromisso não é com a democracia representativa estabelecida na Constituição. Querem outra coisa.
O intrigante é que o projeto foi andando na Câmara. Na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o relator, deputado Vicentinho (PT-SP), fez a seguinte defesa do texto dos colegas do PSOL: “Trata-se de resgatar, para uma análise mais acurada, um conjunto de normas vitimado por inexplicável preconceito por parte da mídia”.
Mais uma vez ficava explícita a mentalidade dos defensores da tal política de participação direta e dos conselhos populares. O respeito à vontade do Congresso é condicionado aos seus interesses. Quando a maioria parlamentar contraria seus interesses, ela passa a ser mero reflexo do “preconceito conservador da mídia”. Pobre democracia.
16 de agosto de 2016
Editorial Estadão
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