Com o fim da interinidade, governo Temer terá de mostrar que merece a credibilidade que tem desfrutado até agora
Após o afastamento de Dilma Rousseff, houve expressiva melhora da confiança em nossa economia. Apesar de o País continuar a exibir enormes déficits fiscais, o seguro contra o calote da dívida pública, o Credit Default Swap (CDS), importante indicador do risco soberano, despencou de mais de 500 pontos, no final do ano passado, para 258 pontos, no momento em que este artigo foi redigido. Com isso, os ativos brasileiros, tais como o real (taxa de câmbio), bônus emitidos pelo governo e por empresas privadas no exterior e ações, experimentaram significativa valorização. Caíram também as expectativas de inflação para 2017 em diante, e isso, somado à queda dos prêmios de risco, provocou redução das taxas futuras de juros, o que tende a baratear o custo de rolagem da dívida pública e do crédito privado.
Essa onda de otimismo não se restringiu ao mercado financeiro. Todos os indicadores de expectativas começaram a melhorar de forma consistente após a posse de Michel Temer, seja da indústria, dos serviços e até mesmo dos consumidores, apesar da sonora vaia recebida pelo presidente em exercício no Maracanã, quando declarou aberta a Olimpíada.
No que concerne às flutuações cíclicas da economia, o momento também é favorável. Há indícios de que a recessão está próxima do final e a inflação, na margem, começou de fato a ceder. A farta liquidez externa e a recuperação - se bem que moderada - das cotações das commodities completam esse quadro de maior otimismo.
Pontos positivos e negativos. Os dois primeiros meses do governo interino registraram fatos que dão suporte ao atual otimismo, mas, infelizmente, também foram marcados por várias ações preocupantes.
Entre os pontos positivos destacam se a retomada do pragmatismo nas relações internacionais, a nomeação de uma equipe econômica competente e que goza de alta credibilidade e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelece limites para a evolução das despesas não financeiras da União.
A PEC 241, se aprovada tal qual foi enviada pelo Executivo, ou com alterações mínimas, é um poderoso instrumento para a retomada da disciplina fiscal. Tenho a impressão de que essa medida ainda não foi bem compreendida. Uma competente economista por quem tenho grande admiração chegou a dizer que a PEC sozinha e nada eram a mesma coisa. Creio que ela ainda não havia lido com cuidado a proposta.
Além de "congelar", com poucas exceções, o valor real do gasto público, a PEC revoga, em seu artigo 2.º, a vinculação de 15% da receita líquida da União para saúde. Além disso, suspende, por pelo menos dez anos (tempo mínimo de vigência da emenda), a vinculação de 18% da receita de impostos à educação. As aplicações mínimas de recursos nessas duas áreas evoluirão tal qual o teto geral, ou seja, o valor nominal de 2016, corrigido pela inflação medida pelo IPCA.
Se se considerar o crescimento populacional (e, no caso da saúde, também o envelhecimento da população), é imediato perceber que, no caso de serem mantidas nos seus limites mínimos, ao cabo de dez anos haveria expressiva queda do dispêndio real per capita nessas áreas. São medidas duras, que deverão enfrentar forte resistência no Legislativo, mas, a meu ver, indispensáveis para reduzir o engessamento do orçamento público e tornar possível respeitar o teto para a despesa total.
Não estou defendendo a redução dos recursos públicos alocados à saúde e à educação, mas, sim, das vinculações de receitas. A vinculação é danosa para a gestão orçamentária, pois dificulta a utilização do eventual crescimento da arrecadação decorrente do fim da recessão para reduzir o endividamento público (que está em trajetória explosiva), retira do Congresso Nacional uma de suas funções mais nobres, qual seja, legislar sobre a alocação das verbas tributárias, e, como todo dinheiro cativo, não dependente de resultados, gera ineficiências. Educação e saúde podem - provavelmente devem - receber maior dotação que o mínimo estabelecido na PEC, mas para isso será necessário determinar qual área receberá menos, de forma a possibilitar a obediência ao teto geral.
Do lado negativo, destacam-se as vacilações políticas do próprio presidente e os pacotes de bondades que podem comprometer o ajuste fiscal. Algumas dessas "bondades" são compreensíveis nesta fase de transição política, mas outras excederam o razoável. Uma das mais preocupantes foi o governo ter cedido na questão dos limites das despesas com pessoal, especialmente a não inclusão dos gastos com terceirizados, no projeto de renegociação da dívida dos Estados. Ao contrário da União, as despesas com pessoal dos Estados vêm subindo expressivamente como proporção do PIB, tendo passado de 4,7%, em 2011, para 5,4%, em 2015, e são uma das principais causas da crise das finanças estaduais. O argumento do ministro Meirelles de que o teto foi preservado e que é isso que importa não procede. Se não for contida a irresponsabilidade dos governos estaduais nos gastos com pessoal, a médio prazo será impossível cumprir o teto.
Os desafios. Com o fim da interinidade, que se deve dar a partir de setembro, o governo Temer precisa mostrar que merece a credibilidade que tem desfrutado até agora. Se vacilar, as expectativas tendem a se deteriorar novamente e o País não sairá da crise.
Para isso, tem de mostrar disposição e força política no ajuste fiscal e nas reformas estruturais pró-crescimento. Chega de pacotes de bondades. Será preciso aprovar a PEC 241 com o mínimo possível de alteração, enfrentar o lobby dos empresários para rever as renúncias de receitas, que já alcançam quase 5% do PIB, e empenhar-se ao máximo na aprovação de profunda reforma da Previdência.
É preciso também trabalhar em medidas para elevar a produtividade da economia. Nessa linha, destacam-se a retomada das concessões em infraestrutura, a reforma trabalhista e a reforma tributária. Claro, esse é um programa que não pode ser concluído em pouco mais de dois anos de governo.
Mas é preciso pôr a mão na massa, sob pena de a lua de mel virar pesadelo.
16 de agosto de 2016
Paulo Adilson Gonçalez, O Estado de S.Paulo
Após o afastamento de Dilma Rousseff, houve expressiva melhora da confiança em nossa economia. Apesar de o País continuar a exibir enormes déficits fiscais, o seguro contra o calote da dívida pública, o Credit Default Swap (CDS), importante indicador do risco soberano, despencou de mais de 500 pontos, no final do ano passado, para 258 pontos, no momento em que este artigo foi redigido. Com isso, os ativos brasileiros, tais como o real (taxa de câmbio), bônus emitidos pelo governo e por empresas privadas no exterior e ações, experimentaram significativa valorização. Caíram também as expectativas de inflação para 2017 em diante, e isso, somado à queda dos prêmios de risco, provocou redução das taxas futuras de juros, o que tende a baratear o custo de rolagem da dívida pública e do crédito privado.
Essa onda de otimismo não se restringiu ao mercado financeiro. Todos os indicadores de expectativas começaram a melhorar de forma consistente após a posse de Michel Temer, seja da indústria, dos serviços e até mesmo dos consumidores, apesar da sonora vaia recebida pelo presidente em exercício no Maracanã, quando declarou aberta a Olimpíada.
No que concerne às flutuações cíclicas da economia, o momento também é favorável. Há indícios de que a recessão está próxima do final e a inflação, na margem, começou de fato a ceder. A farta liquidez externa e a recuperação - se bem que moderada - das cotações das commodities completam esse quadro de maior otimismo.
Pontos positivos e negativos. Os dois primeiros meses do governo interino registraram fatos que dão suporte ao atual otimismo, mas, infelizmente, também foram marcados por várias ações preocupantes.
Entre os pontos positivos destacam se a retomada do pragmatismo nas relações internacionais, a nomeação de uma equipe econômica competente e que goza de alta credibilidade e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que estabelece limites para a evolução das despesas não financeiras da União.
A PEC 241, se aprovada tal qual foi enviada pelo Executivo, ou com alterações mínimas, é um poderoso instrumento para a retomada da disciplina fiscal. Tenho a impressão de que essa medida ainda não foi bem compreendida. Uma competente economista por quem tenho grande admiração chegou a dizer que a PEC sozinha e nada eram a mesma coisa. Creio que ela ainda não havia lido com cuidado a proposta.
Além de "congelar", com poucas exceções, o valor real do gasto público, a PEC revoga, em seu artigo 2.º, a vinculação de 15% da receita líquida da União para saúde. Além disso, suspende, por pelo menos dez anos (tempo mínimo de vigência da emenda), a vinculação de 18% da receita de impostos à educação. As aplicações mínimas de recursos nessas duas áreas evoluirão tal qual o teto geral, ou seja, o valor nominal de 2016, corrigido pela inflação medida pelo IPCA.
Se se considerar o crescimento populacional (e, no caso da saúde, também o envelhecimento da população), é imediato perceber que, no caso de serem mantidas nos seus limites mínimos, ao cabo de dez anos haveria expressiva queda do dispêndio real per capita nessas áreas. São medidas duras, que deverão enfrentar forte resistência no Legislativo, mas, a meu ver, indispensáveis para reduzir o engessamento do orçamento público e tornar possível respeitar o teto para a despesa total.
Não estou defendendo a redução dos recursos públicos alocados à saúde e à educação, mas, sim, das vinculações de receitas. A vinculação é danosa para a gestão orçamentária, pois dificulta a utilização do eventual crescimento da arrecadação decorrente do fim da recessão para reduzir o endividamento público (que está em trajetória explosiva), retira do Congresso Nacional uma de suas funções mais nobres, qual seja, legislar sobre a alocação das verbas tributárias, e, como todo dinheiro cativo, não dependente de resultados, gera ineficiências. Educação e saúde podem - provavelmente devem - receber maior dotação que o mínimo estabelecido na PEC, mas para isso será necessário determinar qual área receberá menos, de forma a possibilitar a obediência ao teto geral.
Do lado negativo, destacam-se as vacilações políticas do próprio presidente e os pacotes de bondades que podem comprometer o ajuste fiscal. Algumas dessas "bondades" são compreensíveis nesta fase de transição política, mas outras excederam o razoável. Uma das mais preocupantes foi o governo ter cedido na questão dos limites das despesas com pessoal, especialmente a não inclusão dos gastos com terceirizados, no projeto de renegociação da dívida dos Estados. Ao contrário da União, as despesas com pessoal dos Estados vêm subindo expressivamente como proporção do PIB, tendo passado de 4,7%, em 2011, para 5,4%, em 2015, e são uma das principais causas da crise das finanças estaduais. O argumento do ministro Meirelles de que o teto foi preservado e que é isso que importa não procede. Se não for contida a irresponsabilidade dos governos estaduais nos gastos com pessoal, a médio prazo será impossível cumprir o teto.
Os desafios. Com o fim da interinidade, que se deve dar a partir de setembro, o governo Temer precisa mostrar que merece a credibilidade que tem desfrutado até agora. Se vacilar, as expectativas tendem a se deteriorar novamente e o País não sairá da crise.
Para isso, tem de mostrar disposição e força política no ajuste fiscal e nas reformas estruturais pró-crescimento. Chega de pacotes de bondades. Será preciso aprovar a PEC 241 com o mínimo possível de alteração, enfrentar o lobby dos empresários para rever as renúncias de receitas, que já alcançam quase 5% do PIB, e empenhar-se ao máximo na aprovação de profunda reforma da Previdência.
É preciso também trabalhar em medidas para elevar a produtividade da economia. Nessa linha, destacam-se a retomada das concessões em infraestrutura, a reforma trabalhista e a reforma tributária. Claro, esse é um programa que não pode ser concluído em pouco mais de dois anos de governo.
Mas é preciso pôr a mão na massa, sob pena de a lua de mel virar pesadelo.
16 de agosto de 2016
Paulo Adilson Gonçalez, O Estado de S.Paulo
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