"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

A HISTÓRIA DA DELAÇÃO

A história mineira é rico repositório de significados, contemplados a partir de fatos aqui ocorridos, ou que envolveram personalidades de nossa região. Três momentos, entre a Colônia e a República, são especialmente caros aos mineiros, na busca dos significados popular, jurídico e político do vocábulo “delação”. A cada momento, de acordo com a experiência jurídica e política, identificamos o conteúdo e alcance da palavra, em variações próprias de uma hermenêutica histórica. Afinal, não se devem misturar momentos históricos distintos e nem confundir suas realidades sócio-históricas.

O primeiro momento, o da definição do sentimento de Nação e busca de soberania, teve traumática interrupção em 1789. Foram presos aqueles que ficaram conhecidos eternamente como “Inconfidentes”. O desbaratamento do movimento deu-se por delação de Joaquim Silvério dos Reis, em carta dirigida ao Visconde de Barbacena, à troca de benesses pessoais. Tratou-se de típico caso de traição à pátria nascente.

O segundo momento evoca diversas personalidades, na resistência ao regime instaurado em 1964. Independentemente de considerações sobre a índole democrática ou igualmente autoritária de algumas tendências ideológicas da resistência à ditadura militar, é induvidoso que muitas pessoas foram presas, torturadas e mortas à busca de informações. Nesse caso, delatar companheiros de ideologia e resistência equivaleria ao fenecimento de ideais políticos e possíveis mortes. Delatar, sob tortura, não seria vergonhoso, mas funesto para a causa política defendida.

O terceiro momento é o que vivemos, de busca de esclarecimentos sobre acusações de corrupção em órgãos da administração pública indireta e outros efeitos. Nesse caso, a legislação prevê um favor a quem, acusado, esclarece o crime cometido e entrega à Justiça seus parceiros criminosos. Muito diferente das hipóteses antecedentes, a denominada “delação premiada”, aplicável à esfera criminal, não tem em si qualquer conotação política, embora possa gerar reflexos de tal natureza. Trata-se de instrumento válido de investigação, acolhido em diversos países democráticos, que tem por escopo o esclarecimento da verdade real, não meramente processual; não gera infâmia, mas beneficia o interesse público, mantendo sanção criminal contra o delator.

Não há, pois, como confundir ou iludir. Em momentos diferentes, sob condições sócio-históricas muito diversas, a delação funcionou como traição à pátria nascente, meio para manutenção de regime ditatorial, após quebra da resistência física e psicológica da pessoa, mediante tortura, e, nos dias que correm, na investigação conhecida como “operação lava-jato”, é instrumento de apuração da verdade, combate à corrupção e reforço das instituições democráticas.

01 de julho de 2015
Bruno Terra é juiz de Direito e ex-presidente da Associação dos Magistrados Mineiros - Amagis

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