O dia amanheceu ontem com um peso a menos sobre o país. A decisão do ministro Teori Zavascki de suspender o mandato do deputado Eduardo Cunha corrige grave falha institucional. De tarde, o STF inteiro acompanhou Teori. A jurisprudência desse caso pode proteger o país de situações anômalas como a que vivemos, com um réu presidindo um dos poderes da República.
Por óbvio, se o chefe do executivo não pode ser réu, isso deveria valer também para as duas Casas do Congresso, até porque os presidentes da Câmara e do Senado estão na linha sucessória, podendo eventualmente assumir a Presidência da República. A presidente Dilma pode ter que se afastar na semana que vem, se o plenário do Senado aceitar iniciar o processo de impeachment contra ela. Mas o presidente da Câmara permanecia presidindo a Casa mesmo após tornar- se réu por crime de corrupção. Afastado por liminar, Eduardo Cunha promete recorrer para voltar. A ameaça não foi eliminada.
Os governistas dizem que essa decisão do STF prova que todos os seus atos devem ser anulados e, portanto, o processo de impeachment teria que cessar por nulidade. As decisões de Cunha neste caso foram seguidas de perto pelo Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu o rito. A admissibilidade foi aceita por 367 deputados. No Senado, o processo foi acolhido pelo relator da Comissão de Impeachment. Em todas as peças da defesa, o governo tem elogiado a decisão de Cunha de limitar a acusação a Dilma aos fatos de 2015. A motivação dele foi vingança, repete o advogado- geral da União, para em seguida ressaltar o fato de que a acusação está restrita a 2015. Essa limitação favorece a defesa, porque os crimes fiscais foram mais abundantes em 2014 e cometidos para influenciar no resultado eleitoral. Se todos os atos de Cunha forem revistos, isso vale para os projetos do governo que foram aprovados em votação que ele presidiu?
Desde dezembro, o procurador- geral da República havia proposto esse afastamento e listou onze motivos. Apesar dos fortes indícios, apontados no pedido de medida cautelar, de que ele havia capturado as competências do cargo para usá- las em proveito próprio, só ontem o STF tomou a decisão de afastá- lo.
Teria sido muito melhor para o país, sem dúvida, que todo esse doloroso processo fosse conduzido por outro parlamentar que não aquele sobre o qual pesam tantas dúvidas e suspeitas. Contudo, o sistema de pesos e contrapesos funcionou para garantir que o processo transcorresse dentro da normalidade institucional.
O Conselho de Ética vive há seis meses situação anormal com as sucessivas e acintosas manobras em que ele usou seu poder para criar obstáculos à tramitação do processo que o julga por quebra de decoro.
Ficou claro nestes meses, em que a Câmara de Deputados foi presidida por um réu da Lava- Jato, que a mesma Constituição que protege a Nação de um presidente sob suspeita de crime de responsabilidade não a protege adequadamente de um presidente do legislativo que seja réu. Escrita ao fim de uma ditadura, regime que fechou várias vezes o Congresso, a grande preocupação da época era como proteger o Congresso e os mandatos eletivos. Desta vez, era a sociedade que precisava ser protegida da ação de um parlamentar.
A medida cautelar pedida pela PGR e concedida pelo ministro Teori Zavascki livra o país de uma situação anormal, mas mostra também que a política falhou. Era a Câmara que deveria ter encontrado uma forma de não se expor a uma situação tão irregular e por tanto tempo. A interferência do Judiciário foi necessária porque os parlamentares não conseguiram sequer garantir o funcionamento normal do Conselho de Ética.
Agora será fundamental que a Câmara dos Deputados entenda que está diante de uma crise profunda. Não pode aceitar que o deputado suspenso Eduardo Cunha continue influenciando por interpostas pessoas a direção dos trabalhos, nem pode se apequenar na proposta de solução para a presidência da Casa, sob pena de perder ainda mais a confiança do país. A decisão do STF fortalece a democracia. Mas a Câmara dos Deputados precisará encontrar solução institucional à altura da crise em que o legislativo se encontra.
06 de maio de 2016
Miriam Leitão, O Globo
Por óbvio, se o chefe do executivo não pode ser réu, isso deveria valer também para as duas Casas do Congresso, até porque os presidentes da Câmara e do Senado estão na linha sucessória, podendo eventualmente assumir a Presidência da República. A presidente Dilma pode ter que se afastar na semana que vem, se o plenário do Senado aceitar iniciar o processo de impeachment contra ela. Mas o presidente da Câmara permanecia presidindo a Casa mesmo após tornar- se réu por crime de corrupção. Afastado por liminar, Eduardo Cunha promete recorrer para voltar. A ameaça não foi eliminada.
Os governistas dizem que essa decisão do STF prova que todos os seus atos devem ser anulados e, portanto, o processo de impeachment teria que cessar por nulidade. As decisões de Cunha neste caso foram seguidas de perto pelo Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu o rito. A admissibilidade foi aceita por 367 deputados. No Senado, o processo foi acolhido pelo relator da Comissão de Impeachment. Em todas as peças da defesa, o governo tem elogiado a decisão de Cunha de limitar a acusação a Dilma aos fatos de 2015. A motivação dele foi vingança, repete o advogado- geral da União, para em seguida ressaltar o fato de que a acusação está restrita a 2015. Essa limitação favorece a defesa, porque os crimes fiscais foram mais abundantes em 2014 e cometidos para influenciar no resultado eleitoral. Se todos os atos de Cunha forem revistos, isso vale para os projetos do governo que foram aprovados em votação que ele presidiu?
Desde dezembro, o procurador- geral da República havia proposto esse afastamento e listou onze motivos. Apesar dos fortes indícios, apontados no pedido de medida cautelar, de que ele havia capturado as competências do cargo para usá- las em proveito próprio, só ontem o STF tomou a decisão de afastá- lo.
Teria sido muito melhor para o país, sem dúvida, que todo esse doloroso processo fosse conduzido por outro parlamentar que não aquele sobre o qual pesam tantas dúvidas e suspeitas. Contudo, o sistema de pesos e contrapesos funcionou para garantir que o processo transcorresse dentro da normalidade institucional.
O Conselho de Ética vive há seis meses situação anormal com as sucessivas e acintosas manobras em que ele usou seu poder para criar obstáculos à tramitação do processo que o julga por quebra de decoro.
Ficou claro nestes meses, em que a Câmara de Deputados foi presidida por um réu da Lava- Jato, que a mesma Constituição que protege a Nação de um presidente sob suspeita de crime de responsabilidade não a protege adequadamente de um presidente do legislativo que seja réu. Escrita ao fim de uma ditadura, regime que fechou várias vezes o Congresso, a grande preocupação da época era como proteger o Congresso e os mandatos eletivos. Desta vez, era a sociedade que precisava ser protegida da ação de um parlamentar.
A medida cautelar pedida pela PGR e concedida pelo ministro Teori Zavascki livra o país de uma situação anormal, mas mostra também que a política falhou. Era a Câmara que deveria ter encontrado uma forma de não se expor a uma situação tão irregular e por tanto tempo. A interferência do Judiciário foi necessária porque os parlamentares não conseguiram sequer garantir o funcionamento normal do Conselho de Ética.
Agora será fundamental que a Câmara dos Deputados entenda que está diante de uma crise profunda. Não pode aceitar que o deputado suspenso Eduardo Cunha continue influenciando por interpostas pessoas a direção dos trabalhos, nem pode se apequenar na proposta de solução para a presidência da Casa, sob pena de perder ainda mais a confiança do país. A decisão do STF fortalece a democracia. Mas a Câmara dos Deputados precisará encontrar solução institucional à altura da crise em que o legislativo se encontra.
06 de maio de 2016
Miriam Leitão, O Globo
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