-A aprovação, na Câmara, de um dispositivo que estende aos aposentados os reajustes do salário mínimo — mais uma insanidade da atual legislatura — foi recebida pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com irritação e um comentário: “Tudo tem limite”. À luz da estonteante pauta que o deputado impôs ao plenário praticamente desde a sua posse, boa parte dela contemplando uma destrambelhada reforma política, seria o caso de complementar a frase: “Tudo tem limite quando sai do controle da Mesa Diretora”.
Não há outra interpretação possível para a maratona de votações, tocadas de afogadilho, que consagrou uma colcha de retalhos, uma reforma Frankenstein gerada ao sabor de interesses negociados no balcão do toma lá dá cá próprio da baixa política. Nesse pouco apreço ao que de fato importa politicamente para o país, a reforma de Cunha acaba, por exemplo, com a reeleição, um grave equívoco .
O fim da reeleição tem um mantra: a ideia de que a recondução no Executivo por mais um mandato seria responsável pelo uso da máquina pública, e seus recursos, com fins eleitorais. Mera redução de uma questão — a falta de ética de quem ocupa cargos públicos — que extrapola essa visão. Primeiro, porque, uma vez constitucionalmente proibido o chefe do Executivo de ir às urnas para se manter no cargo, nada garante que ele não movimente órgãos e recursos oficiais em favor de um correligionário de seu interesse. Nesse caso, a máquina continuará beneficiando algum candidato da escolha do partido da situação.
A tradição patrimonialista e clientelista da política brasileira mostra que tais recursos existem com ou sem reeleição. O mantra, portanto, é um argumento sem substância. Limites a essa prática estão contemplados na legislação eleitoral, o campo apropriado para combatê-los. Para completar o equívoco, essa rodada inicial de votações da reforma de Cunha também aumentou de quatro para cinco anos o mandato de prefeitos, governadores e presidente. Com isso, desfez um acerto: desde que foi aprovada, no primeiro governo de Fernando Henrique, a reeleição revelou-se positiva.
De fato, quatro anos de mandato, com uma recondução possível, é um sistema sensato: permite manter no cargo o governante com bom desempenho, e dele alijar, por via eleitoral, aquele de má performance politico-administrativa. Funciona tradicionalmente assim nos Estados Unidos, por exemplo, e tem se revelado eficiente no Brasil. Já o período de cinco anos é muito longo para um governo desastroso.
O fim da reeleição foi aprovado por esmagadora votação, razão para dar a decisão praticamente como favas contadas. Mas, de qualquer forma, o que for votado na Câmara ainda precisa passar por um segundo turno e por idêntico ritual no Senado, o que abre uma possibilidade de o Congresso rever esses e outros absurdos, mesmo contra a vontade do presidente da Câmara. Afinal, tudo tem limite.
29 de junho de 2015
O Globo
Não há outra interpretação possível para a maratona de votações, tocadas de afogadilho, que consagrou uma colcha de retalhos, uma reforma Frankenstein gerada ao sabor de interesses negociados no balcão do toma lá dá cá próprio da baixa política. Nesse pouco apreço ao que de fato importa politicamente para o país, a reforma de Cunha acaba, por exemplo, com a reeleição, um grave equívoco .
O fim da reeleição tem um mantra: a ideia de que a recondução no Executivo por mais um mandato seria responsável pelo uso da máquina pública, e seus recursos, com fins eleitorais. Mera redução de uma questão — a falta de ética de quem ocupa cargos públicos — que extrapola essa visão. Primeiro, porque, uma vez constitucionalmente proibido o chefe do Executivo de ir às urnas para se manter no cargo, nada garante que ele não movimente órgãos e recursos oficiais em favor de um correligionário de seu interesse. Nesse caso, a máquina continuará beneficiando algum candidato da escolha do partido da situação.
A tradição patrimonialista e clientelista da política brasileira mostra que tais recursos existem com ou sem reeleição. O mantra, portanto, é um argumento sem substância. Limites a essa prática estão contemplados na legislação eleitoral, o campo apropriado para combatê-los. Para completar o equívoco, essa rodada inicial de votações da reforma de Cunha também aumentou de quatro para cinco anos o mandato de prefeitos, governadores e presidente. Com isso, desfez um acerto: desde que foi aprovada, no primeiro governo de Fernando Henrique, a reeleição revelou-se positiva.
De fato, quatro anos de mandato, com uma recondução possível, é um sistema sensato: permite manter no cargo o governante com bom desempenho, e dele alijar, por via eleitoral, aquele de má performance politico-administrativa. Funciona tradicionalmente assim nos Estados Unidos, por exemplo, e tem se revelado eficiente no Brasil. Já o período de cinco anos é muito longo para um governo desastroso.
O fim da reeleição foi aprovado por esmagadora votação, razão para dar a decisão praticamente como favas contadas. Mas, de qualquer forma, o que for votado na Câmara ainda precisa passar por um segundo turno e por idêntico ritual no Senado, o que abre uma possibilidade de o Congresso rever esses e outros absurdos, mesmo contra a vontade do presidente da Câmara. Afinal, tudo tem limite.
29 de junho de 2015
O Globo
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