Em uma cândida frase solta, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fez um retrato acabado da sordidez que grassa no ambiente político brasileiro, em particular no PT.
Disse o ministro, conforme o relato desta Folha no domingo (28): "A presidente Dilma Rousseff desde o início orientou seu tesoureiro Edinho para que agisse estritamente dentro da lei".
Na minha santa ingenuidade, achava que agir dentro da lei deveria estar entranhado no DNA de qualquer agente público (privado também, é claro, mas aqui estamos tratando do público).
Não seria necessário que alguém orientasse alguém a agir dentro da lei. A menos, é lógico, que o "orientador" suspeitasse que o "orientado" pudesse sentir-se tentado a violar a lei em benefício, no caso, da campanha à reeleição de Dilma.
Ler a frase de Cardozo me trouxe à memória uma conversa com Sérgio Ramírez, notável escritor nicaraguense que foi vice-presidente de seu país, nos primórdios do sandinismo.
Foi durante o mensalão, e Ramírez estava perplexo de ver o envolvimento de um partido que lhe parecia prometedor (o PT, claro) em um escândalo daquelas proporções.
Por isso, comentou: "Se eu fosse candidato à Presidência, reuniria parentes e amigos e lhes diria que estava proibido fazer negócios com o Estado, inclusive negócios legais".
No Brasil, como de resto no mundo praticamente todo, fazer negócios ilegais com o Estado é uma prática tão disseminada que Dilma, segundo Cardozo, se viu obrigada a recomendar o respeito à lei a seu tesoureiro.
Só se pode pressupor que ela suspeitava que o ambiente político –em geral, não só no PT, é bom ressalvar– não é propício ao respeito à lei.
Tanto não é que o empresário Ricardo Pessoa, tido como chefe do "cartel de empreiteiras", explicou as doações a partidos políticos como uma forma de "abrir portas, ganhar influência e fazer a engrenagem andar", segundo o relato da Folha, sempre no domingo (28).
Em resumo, as doações eram o, digamos, azeite na engrenagem da concessão de obras públicas, algo de que se suspeita há milênios, no Brasil e no mundo, mas que só agora é confessado por um dos "azeitadores".
Fico até com vergonha de escrever que obras e serviços públicos deveriam ser concedidos como decorrência da qualificação dos responsáveis, não pelo "azeite", que é uma forma de corrupção, legal, é verdade, mas corrupção, de todo modo.
É ingênuo esperar tal comportamento de certos agentes públicos e privados, eu sei. Mas um país decente depende, é óbvio, da impessoalidade no trato dos negócios públicos.
Enquanto prevalecer a necessidade de mostrar uma mala de dinheiro às campanhas políticas, para "abrir portas", o Brasil será essa pústula exposta com tremenda claridade pela operação Lava Jato (ou por dezenas de outras, antes dela).
É pena, mas tenho certeza de que vou morrer antes de que ordens como a de Dilma a seu tesoureiro se tornem desnecessárias porque o estrito respeito à lei teria passado a fazer parte inseparável do DNA do mundo político.
29 de junho de 2015
Clóvis Rossi
Disse o ministro, conforme o relato desta Folha no domingo (28): "A presidente Dilma Rousseff desde o início orientou seu tesoureiro Edinho para que agisse estritamente dentro da lei".
Na minha santa ingenuidade, achava que agir dentro da lei deveria estar entranhado no DNA de qualquer agente público (privado também, é claro, mas aqui estamos tratando do público).
Não seria necessário que alguém orientasse alguém a agir dentro da lei. A menos, é lógico, que o "orientador" suspeitasse que o "orientado" pudesse sentir-se tentado a violar a lei em benefício, no caso, da campanha à reeleição de Dilma.
Ler a frase de Cardozo me trouxe à memória uma conversa com Sérgio Ramírez, notável escritor nicaraguense que foi vice-presidente de seu país, nos primórdios do sandinismo.
Foi durante o mensalão, e Ramírez estava perplexo de ver o envolvimento de um partido que lhe parecia prometedor (o PT, claro) em um escândalo daquelas proporções.
Por isso, comentou: "Se eu fosse candidato à Presidência, reuniria parentes e amigos e lhes diria que estava proibido fazer negócios com o Estado, inclusive negócios legais".
No Brasil, como de resto no mundo praticamente todo, fazer negócios ilegais com o Estado é uma prática tão disseminada que Dilma, segundo Cardozo, se viu obrigada a recomendar o respeito à lei a seu tesoureiro.
Só se pode pressupor que ela suspeitava que o ambiente político –em geral, não só no PT, é bom ressalvar– não é propício ao respeito à lei.
Tanto não é que o empresário Ricardo Pessoa, tido como chefe do "cartel de empreiteiras", explicou as doações a partidos políticos como uma forma de "abrir portas, ganhar influência e fazer a engrenagem andar", segundo o relato da Folha, sempre no domingo (28).
Em resumo, as doações eram o, digamos, azeite na engrenagem da concessão de obras públicas, algo de que se suspeita há milênios, no Brasil e no mundo, mas que só agora é confessado por um dos "azeitadores".
Fico até com vergonha de escrever que obras e serviços públicos deveriam ser concedidos como decorrência da qualificação dos responsáveis, não pelo "azeite", que é uma forma de corrupção, legal, é verdade, mas corrupção, de todo modo.
É ingênuo esperar tal comportamento de certos agentes públicos e privados, eu sei. Mas um país decente depende, é óbvio, da impessoalidade no trato dos negócios públicos.
Enquanto prevalecer a necessidade de mostrar uma mala de dinheiro às campanhas políticas, para "abrir portas", o Brasil será essa pústula exposta com tremenda claridade pela operação Lava Jato (ou por dezenas de outras, antes dela).
É pena, mas tenho certeza de que vou morrer antes de que ordens como a de Dilma a seu tesoureiro se tornem desnecessárias porque o estrito respeito à lei teria passado a fazer parte inseparável do DNA do mundo político.
29 de junho de 2015
Clóvis Rossi
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