Erro de diagnóstico coloca o Brasil na contramão do mundo: inflação em alta e esfriamento da economia, enquanto EUA e Europa se recuperam, sem elevação de preços
A economia brasileira, como todas as outras, enfrentou forças recessivas durante muito tempo, desde a propagação pelo mundo das ondas de choque decorrentes da quebra financeira do mercado imobiliário americano, em fins de 2008. A paralisia do sistema global de crédito, com a falência do Lehman Brothers, em Wall Street, teve o efeito de uma colisão de frente de um trem-bala. A desaceleração das economias foi abrupta, e levou tempo para o sistema ser restabelecido.
Quase seis anos depois, o Brasil, infelizmente, está em sentido contrário ao do mundo: os Estados Unidos já se recuperam — 288 mil empregos foram criados apenas em junho —, e, por isso, aumentam as especulações sobre quando o Fed (banco central) fará o primeiro aumento de juros desde 2008. Na Europa, a tendência é a mesma, mais forte ou menos, a depender do país, e não tão firme quanto a americana.
Já o Brasil está em desaceleração. E pior: com inflação elevada, no limiar do rompimento do teto da meta (6,5%). Em contraposição, forças da deflação ainda atuam em grandes economias. Outra contramão brasileira.
Até mesmo o Banco Central, em seu último relatório trimestral, reduziu de 2% para 1,6% a estimativa de expansão do PIB para este ano. Já os analistas ouvidos periodicamente pelo próprio BC (Relatório Focus) estimaram, na última rodada de previsões, apenas 1,1% de crescimento. No início do ano, esperavam 2,28%.
Os dados sobre o setor industrial divulgados quarta-feira pelo IBGE confirmam o pessimismo: retração de 0,6% em maio, comparado com abril, a terceira queda mensal consecutiva. Em relação a maio de 2013, queda de 3,2%.
Há outros sinais de desaquecimento. Mesmo no mercado de trabalho, trunfo usado pela campanha à reeleição de Dilma. Embora a taxa de desemprego nas principais regiões metropolitanas se mantenha na faixa de 5% (7% na Pnad contínua), já há desaceleração na geração de empregos formais. Muito em função de problemas da indústria automobilística — a crise na Argentina atinge de frente o setor —, ocorreu o pior mês de maio em termos de geração líquida de empregos formais desde 1992 (58.836 novas vagas contra 28.533 demissões).
O cenário recessivo é confirmado por uma arrecadação tributária fraca, ainda que se considerem desonerações e fatores sazonais. De janeiro a maio, recolheu-se em impostos federais apenas 0,31% a mais que o mesmo período de 2013.
A razão básica de o Brasil estar na contramão do mundo é o erro na escolha da terapia para se contrapor à recessão: incentivo ao consumo, em vez dos investimentos. E o governo insiste, ao manter os gastos públicos em alta, numa velocidade superior à da arrecadação: de janeiro a maio, as despesas aumentaram em 11,1% e as receitas líquidas, 6,5%. A situação, em geral, é insustentável.
06 de julho de 2014
Editorial O Globo
A economia brasileira, como todas as outras, enfrentou forças recessivas durante muito tempo, desde a propagação pelo mundo das ondas de choque decorrentes da quebra financeira do mercado imobiliário americano, em fins de 2008. A paralisia do sistema global de crédito, com a falência do Lehman Brothers, em Wall Street, teve o efeito de uma colisão de frente de um trem-bala. A desaceleração das economias foi abrupta, e levou tempo para o sistema ser restabelecido.
Quase seis anos depois, o Brasil, infelizmente, está em sentido contrário ao do mundo: os Estados Unidos já se recuperam — 288 mil empregos foram criados apenas em junho —, e, por isso, aumentam as especulações sobre quando o Fed (banco central) fará o primeiro aumento de juros desde 2008. Na Europa, a tendência é a mesma, mais forte ou menos, a depender do país, e não tão firme quanto a americana.
Já o Brasil está em desaceleração. E pior: com inflação elevada, no limiar do rompimento do teto da meta (6,5%). Em contraposição, forças da deflação ainda atuam em grandes economias. Outra contramão brasileira.
Até mesmo o Banco Central, em seu último relatório trimestral, reduziu de 2% para 1,6% a estimativa de expansão do PIB para este ano. Já os analistas ouvidos periodicamente pelo próprio BC (Relatório Focus) estimaram, na última rodada de previsões, apenas 1,1% de crescimento. No início do ano, esperavam 2,28%.
Os dados sobre o setor industrial divulgados quarta-feira pelo IBGE confirmam o pessimismo: retração de 0,6% em maio, comparado com abril, a terceira queda mensal consecutiva. Em relação a maio de 2013, queda de 3,2%.
Há outros sinais de desaquecimento. Mesmo no mercado de trabalho, trunfo usado pela campanha à reeleição de Dilma. Embora a taxa de desemprego nas principais regiões metropolitanas se mantenha na faixa de 5% (7% na Pnad contínua), já há desaceleração na geração de empregos formais. Muito em função de problemas da indústria automobilística — a crise na Argentina atinge de frente o setor —, ocorreu o pior mês de maio em termos de geração líquida de empregos formais desde 1992 (58.836 novas vagas contra 28.533 demissões).
O cenário recessivo é confirmado por uma arrecadação tributária fraca, ainda que se considerem desonerações e fatores sazonais. De janeiro a maio, recolheu-se em impostos federais apenas 0,31% a mais que o mesmo período de 2013.
A razão básica de o Brasil estar na contramão do mundo é o erro na escolha da terapia para se contrapor à recessão: incentivo ao consumo, em vez dos investimentos. E o governo insiste, ao manter os gastos públicos em alta, numa velocidade superior à da arrecadação: de janeiro a maio, as despesas aumentaram em 11,1% e as receitas líquidas, 6,5%. A situação, em geral, é insustentável.
06 de julho de 2014
Editorial O Globo
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