Em decisão contra os interesses da Argentina, no dia 16 de junho a Suprema Corte dos Estados Unidos exigiu que um grupo de portadores de títulos da dívida argentina que não aceitara os termos da renegociação de 2001 (holdouts) fossem pagos integralmente.
Nesse mesmo dia, autoridades do Fundo Monetário Internacional (FMI) advertiram que essa decisão cria precedente perturbador no mercado financeiro internacional.
Nas duas últimas semanas, três analistas expuseram ponderações na mesma direção: Martin Wolf, do Financial Times; Nouriel Roubini, que escreve para um pool de diários; e Alexandre Schwartsman, da Folha de S. Paulo. A questão de fundo é que não existem mecanismos que prevejam saída ordenada de um processo de falência de Estados soberanos, nos moldes das leis que em todos os países norteiam processos que se abrem com a súbita incapacidade de empresas e instituições de honrarem seus compromissos.
A decisão da Corte dos Estados Unidos cria dois problemas práticos. O primeiro é o de que encoraja a não aceitação por parte dos credores de eventuais processos de reestruturação de dívidas soberanas que se abrirem daqui para a frente. Em outras palavras, ficou atestado que passou a valer a pena recorrer aos tribunais previstos nos contratos para garantir o pagamento em condições melhores do que aquelas a que se submetem os outros credores.
O segundo problema é o de que as condições favoráveis concedidas aos holdouts têm de ser estendidas aos demais credores. Assim, podem desmoronar-se os termos de qualquer reestruturação de dívidas soberanas. Ou seja, o país devedor continua sem condições de resgatar seu passivo.
No caso da dívida argentina, o contrato prevê que o foro encarregado de dirimir conflitos é o de Nova York. Mas, pelo ocorrido, esse tipo de solução leva a um impasse se as decisões não forem favoráveis ao país devedor ou se criar conflitos novos entre credores, como aconteceu.
Proposta feita em 2002 pela então vice-gerente-geral do FMI, Anne Krueger (foto), previa que se criasse um organismo supranacional que determinasse saídas ordenadas de um processo de default de países soberanos. Era o Mecanismo de Reestruturação de Dívidas Soberanas, que não foi adiante porque não encontrou acolhida nos grandes países, que viram aí risco de interferência na sua soberania por um organismo controlado sabe-se lá por quem.
Não é o único problema enfrentado por esse tipo de solução. A criação de um mecanismo assim levaria tempo para ser discutido e aceito por um número mínimo de países. Além disso, ainda que tomadas com critérios universalmente aceitos, as decisões poderiam não ser observadas pelos Estados soberanos, como tantas vezes ocorre com as decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, com a agravante de que aí, as ações envolvem apenas Estados, enquanto um processo de renegociação de uma dívida soberana, além de outros Estados ou instituições multilaterais, envolve interesses privados diferentes entre si.
A encrenca não tem solução fácil. Qualquer saída poderia ser precedente para o bem ou para o mal. No mais, parece inevitável que o aumento do risco das dívidas soberanas também seja repassado para o preço dos títulos. A conferir.
Nesse mesmo dia, autoridades do Fundo Monetário Internacional (FMI) advertiram que essa decisão cria precedente perturbador no mercado financeiro internacional.
Nas duas últimas semanas, três analistas expuseram ponderações na mesma direção: Martin Wolf, do Financial Times; Nouriel Roubini, que escreve para um pool de diários; e Alexandre Schwartsman, da Folha de S. Paulo. A questão de fundo é que não existem mecanismos que prevejam saída ordenada de um processo de falência de Estados soberanos, nos moldes das leis que em todos os países norteiam processos que se abrem com a súbita incapacidade de empresas e instituições de honrarem seus compromissos.
A decisão da Corte dos Estados Unidos cria dois problemas práticos. O primeiro é o de que encoraja a não aceitação por parte dos credores de eventuais processos de reestruturação de dívidas soberanas que se abrirem daqui para a frente. Em outras palavras, ficou atestado que passou a valer a pena recorrer aos tribunais previstos nos contratos para garantir o pagamento em condições melhores do que aquelas a que se submetem os outros credores.
O segundo problema é o de que as condições favoráveis concedidas aos holdouts têm de ser estendidas aos demais credores. Assim, podem desmoronar-se os termos de qualquer reestruturação de dívidas soberanas. Ou seja, o país devedor continua sem condições de resgatar seu passivo.
No caso da dívida argentina, o contrato prevê que o foro encarregado de dirimir conflitos é o de Nova York. Mas, pelo ocorrido, esse tipo de solução leva a um impasse se as decisões não forem favoráveis ao país devedor ou se criar conflitos novos entre credores, como aconteceu.
Proposta feita em 2002 pela então vice-gerente-geral do FMI, Anne Krueger (foto), previa que se criasse um organismo supranacional que determinasse saídas ordenadas de um processo de default de países soberanos. Era o Mecanismo de Reestruturação de Dívidas Soberanas, que não foi adiante porque não encontrou acolhida nos grandes países, que viram aí risco de interferência na sua soberania por um organismo controlado sabe-se lá por quem.
Não é o único problema enfrentado por esse tipo de solução. A criação de um mecanismo assim levaria tempo para ser discutido e aceito por um número mínimo de países. Além disso, ainda que tomadas com critérios universalmente aceitos, as decisões poderiam não ser observadas pelos Estados soberanos, como tantas vezes ocorre com as decisões do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, com a agravante de que aí, as ações envolvem apenas Estados, enquanto um processo de renegociação de uma dívida soberana, além de outros Estados ou instituições multilaterais, envolve interesses privados diferentes entre si.
A encrenca não tem solução fácil. Qualquer saída poderia ser precedente para o bem ou para o mal. No mais, parece inevitável que o aumento do risco das dívidas soberanas também seja repassado para o preço dos títulos. A conferir.
06 de julho de 2014
Celso Ming, O Estadão
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