Como o projeto da Refinaria Abreu e Lima foi imposto à Petrobras?
Será lamentável se as irregularidades que vêm pautando a construção da Refinaria Abreu e Lima forem relegadas às páginas policiais. É importante que sejam também discutidas nas páginas de economia e de política. Há lições fundamentais a extrair, que vão muito além da questão da corrupção. O projeto propicia precioso estudo de caso sobre o enorme desperdício que vem marcando o parco esforço de investimento que o país tem sido capaz de manter.
É crucial ter clareza sobre as proporções do projeto. Inicialmente orçada em US$ 2,4 bilhões, a refinaria pode vir a custar US$ 20 bilhões. Mais de R$ 44 bilhões. Quase 1% do PIB. O suficiente para reforma e construção de 66 estádios similares aos que estão sendo utilizados na Copa. Ou o bastante para instalação de mais de 12.400 escolas.
Na opinião da Agência Internacional de Energia (AIE), o custo da refinaria será de duas a três vezes maior do que o padrão aceitável para unidades com capacidade de refino similar. “Se eu fosse dono da Petrobras, acho que não a faria, com esse custo”, foi a avaliação que fez o próprio José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, em depoimento no Congresso na semana passada (O GLOBO, 26 de junho).
A decisão de construir a refinaria, em sociedade com a estatal venezuelana PDVSA, foi tomada no primeiro governo Lula, num encontro do presidente com Hugo Chávez. A homenagem a José Inácio de Abreu e Lima — militar pernambucano que, há dois séculos, lutou ao lado de Simon Bolívar pela libertação da Venezuela — foi ideia de Chávez. Não obstante todo o entusiasmo inicial, os venezuelanos jamais puseram um centavo na refinaria. E os custos do projeto acabaram recaindo integralmente sobre a Petrobras.
Sabe-se agora que, bem antes de contar com um estudo de viabilidade econômico-financeira, a refinaria já havia sido contemplada com um financiamento de R$ 10 bilhões do BNDES. Confrontado com esse fato constrangedor, o banco saiu-se com a alegação esfarrapada de que a classificação de risco e o “porte” da Petrobras haviam sido suficientes para a liberação do financiamento (“Valor”, 16 de maio).
A concessão de um financiamento prematuro de tal magnitude, nessas bases, bem evidencia quão mobilizada estava a cúpula do governo com o avanço do projeto. Já em 2009, contudo, o corpo técnico da Petrobras vinha alertando a diretoria da empresa que o projeto da refinaria não era economicamente viável. Mas a vontade política continuou prevalecendo. O estudo de viabilidade econômico-financeira foi convenientemente alterado, com adoção de hipóteses irrealistas, para que seus resultados passassem a justificar a realização do projeto (O GLOBO, 23 de junho).
O que ainda falta saber com mais detalhe é como a decisão política de ir em frente com o projeto da refinaria foi imposta à Petrobras e ao seu corpo técnico, apesar das evidências de que isso seria lesivo aos interesses da empresa. Por força dos cargos que exercia na época, a presidente Dilma é a figura chave para esclarecer essa questão. É preciso ter em mente que, no segundo mandato do presidente Lula, a então ministra Dilma Rousseff ocupava posição central em cada um dos dois elos cruciais da cadeia de comando com que o Planalto controlava os investimentos da Petrobras.
De um lado, como ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, estava incumbida de estabelecer prioridades e gerenciar o vasto leque de projetos que, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), compunha o esforço de investimento federal, tanto no âmbito do governo como das estatais. De outro, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, vinha comandando, desde 2003, a representação do acionista controlador na gestão da empresa.
Em entrevista recente, perguntaram à presidente Dilma por que o país não cresce. Entre as várias razões que poderia ter mencionado, a presidente deveria ter esclarecido que, não bastasse o esforço de investimento ser muito baixo, parte substancial desse esforço vem sendo lamentavelmente desperdiçada.
Será lamentável se as irregularidades que vêm pautando a construção da Refinaria Abreu e Lima forem relegadas às páginas policiais. É importante que sejam também discutidas nas páginas de economia e de política. Há lições fundamentais a extrair, que vão muito além da questão da corrupção. O projeto propicia precioso estudo de caso sobre o enorme desperdício que vem marcando o parco esforço de investimento que o país tem sido capaz de manter.
É crucial ter clareza sobre as proporções do projeto. Inicialmente orçada em US$ 2,4 bilhões, a refinaria pode vir a custar US$ 20 bilhões. Mais de R$ 44 bilhões. Quase 1% do PIB. O suficiente para reforma e construção de 66 estádios similares aos que estão sendo utilizados na Copa. Ou o bastante para instalação de mais de 12.400 escolas.
Na opinião da Agência Internacional de Energia (AIE), o custo da refinaria será de duas a três vezes maior do que o padrão aceitável para unidades com capacidade de refino similar. “Se eu fosse dono da Petrobras, acho que não a faria, com esse custo”, foi a avaliação que fez o próprio José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras, em depoimento no Congresso na semana passada (O GLOBO, 26 de junho).
A decisão de construir a refinaria, em sociedade com a estatal venezuelana PDVSA, foi tomada no primeiro governo Lula, num encontro do presidente com Hugo Chávez. A homenagem a José Inácio de Abreu e Lima — militar pernambucano que, há dois séculos, lutou ao lado de Simon Bolívar pela libertação da Venezuela — foi ideia de Chávez. Não obstante todo o entusiasmo inicial, os venezuelanos jamais puseram um centavo na refinaria. E os custos do projeto acabaram recaindo integralmente sobre a Petrobras.
Sabe-se agora que, bem antes de contar com um estudo de viabilidade econômico-financeira, a refinaria já havia sido contemplada com um financiamento de R$ 10 bilhões do BNDES. Confrontado com esse fato constrangedor, o banco saiu-se com a alegação esfarrapada de que a classificação de risco e o “porte” da Petrobras haviam sido suficientes para a liberação do financiamento (“Valor”, 16 de maio).
A concessão de um financiamento prematuro de tal magnitude, nessas bases, bem evidencia quão mobilizada estava a cúpula do governo com o avanço do projeto. Já em 2009, contudo, o corpo técnico da Petrobras vinha alertando a diretoria da empresa que o projeto da refinaria não era economicamente viável. Mas a vontade política continuou prevalecendo. O estudo de viabilidade econômico-financeira foi convenientemente alterado, com adoção de hipóteses irrealistas, para que seus resultados passassem a justificar a realização do projeto (O GLOBO, 23 de junho).
O que ainda falta saber com mais detalhe é como a decisão política de ir em frente com o projeto da refinaria foi imposta à Petrobras e ao seu corpo técnico, apesar das evidências de que isso seria lesivo aos interesses da empresa. Por força dos cargos que exercia na época, a presidente Dilma é a figura chave para esclarecer essa questão. É preciso ter em mente que, no segundo mandato do presidente Lula, a então ministra Dilma Rousseff ocupava posição central em cada um dos dois elos cruciais da cadeia de comando com que o Planalto controlava os investimentos da Petrobras.
De um lado, como ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, estava incumbida de estabelecer prioridades e gerenciar o vasto leque de projetos que, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), compunha o esforço de investimento federal, tanto no âmbito do governo como das estatais. De outro, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, vinha comandando, desde 2003, a representação do acionista controlador na gestão da empresa.
Em entrevista recente, perguntaram à presidente Dilma por que o país não cresce. Entre as várias razões que poderia ter mencionado, a presidente deveria ter esclarecido que, não bastasse o esforço de investimento ser muito baixo, parte substancial desse esforço vem sendo lamentavelmente desperdiçada.
06 de julho de 2014
Rogério Furquim Werneck, O Globo
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