O autoproclamado califado do grupo Estado Islâmico indica o grau de sectarismo do Iraque de hoje, alimentado pelos seus governantes e pela omissão do Ocidente
Quando as tropas norte-americanas deixaram o Iraque em 2011, após quase uma década de ocupação, o presidente Barack Obama afirmou que os Estados Unidos deixavam “um Iraque soberano, estável e autossuficiente”. Se ainda havia alguma dúvida sobre o engano dessa afirmação, a ação do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) comprova que o país está mergulhado em um caos comparável ao da Síria, seu vizinho cuja guerra civil já se estende por anos. O EIIL, de inspiração sunita, já controla quase todo o norte do Iraque e o nordeste da Síria e passou a se chamar apenas Estado Islâmico.
A segunda maior cidade iraquiana, Mossul, está nas mãos dos jihadistas, que chegam perigosamente perto de Bagdá e anunciaram, nesta semana, a criação de um califado (Estado religioso), com um convite a todos os muçulmanos para se juntassem ao grupo. O fato de até mesmo a Al-Qaeda e outros rebeldes sírios consideraram o EIIL violento demais diz o suficiente sobre seus métodos – uma demonstração da selvageria dos militantes sunitas ocorreu em 8 de junho, quando três jovens foram crucificados em Aleppo, na Síria, por ajudar grupos rivais.
Toda essa sede de sangue cresceu alimentada por uma mistura de omissão e decisões equivocadas, especialmente por parte dos governos sírio e iraquiano. O ditador sírio, Bashar al-Assad, viu no EIIL uma maneira de desacreditar os rebeldes que tentavam derrubá-lo, e por isso pouco fez para conter o grupo; pelo contrário, libertou vários jihadistas que estavam presos, ajudando os extremistas a derrotar opositores rivais, alarmando o Ocidente, que recuou em seu apoio aos rebeldes por medo de financiarem o extremismo islâmico.
No Iraque, Nouri al-Maliki, primeiro-ministro interino do país desde 2006, cometeu o mesmo erro grave que levou à queda do presidente egípcio Mohammed Mursi, derrubado em 2013: achar que podia governar só para os seus. Maliki é xiita, assim como a maioria dos iraquianos, e com a saída das tropas norte-americanas passou a reprimir os sunitas, tendo inclusive ordenado a prisão do vice-presidente Tariq al-Hashimi, que precisou fugir e acabou condenado à morte em 2012 por um tribunal que o julgou à revelia (Hashimi vive hoje na Turquia). Maliki já chegou ao ponto de mandar dispersar manifestações pacíficas de sunitas usando munição real. Tudo isso criou o caldo de ressentimento que alimentou o jihadismo no norte iraquiano, onde os sunitas são maioria.
Os Estados Unidos, que tinham se distanciado de qualquer possibilidade de intervenção na Síria, também não agiram para conter o Estado Islâmico no Iraque, nem mesmo quando Maliki solicitou a ajuda de ataques aéreos norte-americanos. Membros da inteligência norte-americana afirmam que o governo tinha conhecimento da ameaça jihadista, e ainda assim não tomou nenhuma atitude. Em 20 de junho, Obama anunciou o envio de 300 conselheiros militares ao Iraque, para colaborar com o governo, mas até o momento não parece haver mostras de que haverá um maior envolvimento norte-americano na luta contra o Estado Islâmico.
Segundo a imprensa turca, um membro do grupo jihadista teria dito pelo Twitter que o Estado Islâmico destruiria a Caaba, em Meca, a cidade sagrada do Islã, na Arábia Saudita. E o autoproclamado califa Abu Bakr al-Baghdadi prometeu conquistar Roma em uma mensagem aos muçulmanos de todo o mundo. Analistas acreditam que os jihadistas, por não serem tantos, não teriam condições de conquistar e manter um território muito maior que o dominado atualmente pelo Estado Islâmico, o que faz das promessas mera bravata. O problema está no que pode acontecer caso o grupo não seja enfraquecido: a desintegração de dois países e o surgimento de uma nova nação movida por um fundamentalismo religioso extremamente violento.
Quando as tropas norte-americanas deixaram o Iraque em 2011, após quase uma década de ocupação, o presidente Barack Obama afirmou que os Estados Unidos deixavam “um Iraque soberano, estável e autossuficiente”. Se ainda havia alguma dúvida sobre o engano dessa afirmação, a ação do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) comprova que o país está mergulhado em um caos comparável ao da Síria, seu vizinho cuja guerra civil já se estende por anos. O EIIL, de inspiração sunita, já controla quase todo o norte do Iraque e o nordeste da Síria e passou a se chamar apenas Estado Islâmico.
A segunda maior cidade iraquiana, Mossul, está nas mãos dos jihadistas, que chegam perigosamente perto de Bagdá e anunciaram, nesta semana, a criação de um califado (Estado religioso), com um convite a todos os muçulmanos para se juntassem ao grupo. O fato de até mesmo a Al-Qaeda e outros rebeldes sírios consideraram o EIIL violento demais diz o suficiente sobre seus métodos – uma demonstração da selvageria dos militantes sunitas ocorreu em 8 de junho, quando três jovens foram crucificados em Aleppo, na Síria, por ajudar grupos rivais.
Toda essa sede de sangue cresceu alimentada por uma mistura de omissão e decisões equivocadas, especialmente por parte dos governos sírio e iraquiano. O ditador sírio, Bashar al-Assad, viu no EIIL uma maneira de desacreditar os rebeldes que tentavam derrubá-lo, e por isso pouco fez para conter o grupo; pelo contrário, libertou vários jihadistas que estavam presos, ajudando os extremistas a derrotar opositores rivais, alarmando o Ocidente, que recuou em seu apoio aos rebeldes por medo de financiarem o extremismo islâmico.
No Iraque, Nouri al-Maliki, primeiro-ministro interino do país desde 2006, cometeu o mesmo erro grave que levou à queda do presidente egípcio Mohammed Mursi, derrubado em 2013: achar que podia governar só para os seus. Maliki é xiita, assim como a maioria dos iraquianos, e com a saída das tropas norte-americanas passou a reprimir os sunitas, tendo inclusive ordenado a prisão do vice-presidente Tariq al-Hashimi, que precisou fugir e acabou condenado à morte em 2012 por um tribunal que o julgou à revelia (Hashimi vive hoje na Turquia). Maliki já chegou ao ponto de mandar dispersar manifestações pacíficas de sunitas usando munição real. Tudo isso criou o caldo de ressentimento que alimentou o jihadismo no norte iraquiano, onde os sunitas são maioria.
Os Estados Unidos, que tinham se distanciado de qualquer possibilidade de intervenção na Síria, também não agiram para conter o Estado Islâmico no Iraque, nem mesmo quando Maliki solicitou a ajuda de ataques aéreos norte-americanos. Membros da inteligência norte-americana afirmam que o governo tinha conhecimento da ameaça jihadista, e ainda assim não tomou nenhuma atitude. Em 20 de junho, Obama anunciou o envio de 300 conselheiros militares ao Iraque, para colaborar com o governo, mas até o momento não parece haver mostras de que haverá um maior envolvimento norte-americano na luta contra o Estado Islâmico.
Segundo a imprensa turca, um membro do grupo jihadista teria dito pelo Twitter que o Estado Islâmico destruiria a Caaba, em Meca, a cidade sagrada do Islã, na Arábia Saudita. E o autoproclamado califa Abu Bakr al-Baghdadi prometeu conquistar Roma em uma mensagem aos muçulmanos de todo o mundo. Analistas acreditam que os jihadistas, por não serem tantos, não teriam condições de conquistar e manter um território muito maior que o dominado atualmente pelo Estado Islâmico, o que faz das promessas mera bravata. O problema está no que pode acontecer caso o grupo não seja enfraquecido: a desintegração de dois países e o surgimento de uma nova nação movida por um fundamentalismo religioso extremamente violento.
06 de julho de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
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