O Departamento de Estado armou um factoide e jogou o vice-presidente americano numa presepada
Se a turma que grampeia o mundo para o companheiro Obama lida com as informações de hoje da mesma forma como o Departamento de Estado lidou com os papéis que o vice-presidente Joseph Biden passou à doutora Dilma em junho, estão jogando dinheiro do contribuinte americano no lixo. Durante sua passagem pelo Brasil, Biden entregou 43 documentos dos anos da ditadura que estavam guardados nos arquivos americanos. Chamou-os de "conjunto inicial" de uma colaboração. Pura marquetagem, quase um vexame.
Dos 43 documentos, 25 eram de domínio público, alguns deles acessíveis na internet. Se um terceiro-secretário tivesse trabalhado direito durante uma semana na seleção desses papéis, poderia ter feito coisa melhor.
Um dos documentos é um telegrama do consulado em São Paulo, de 27 de outubro de 1970, intitulado "Morte do Chefe Terrorista". Trata do assassinato de Joaquim Câmara Ferreira, que substituiu Carlos Marighella no comando da Ação Libertadora Nacional. Conta que Câmara foi localizado graças à colaboração de Eduardo Leite, o "Bacuri", que fugiu durante a cena da captura.
Tudo mentira. O consulado propagou um "roteiro" preparado pelo Centro de Informações do Exército. Bacuri estava preso desde agosto. No dia em que o consulado expediu o telegrama, ele foi retirado da cela onde estava, no Dops, e levado para um quartel. Em dezembro, foi assassinado.
Enfiaram o vice-presidente dos Estados Unidos num vexame. Esse telegrama é conhecido desde 1986. Enquanto a embaixada em Brasília e o consulado em São Paulo estavam conveniados com o DOI, o cônsul no Rio advertia que a história da colaboração de Bacuri bem como a sua fuga eram lorota. Ele se chamava Clarence Boonstra. Seu telegrama, conhecido há mais de dez anos, foi esquecido pelos pesquisadores de Biden.
A presepada em que enfiaram o vice-presidente dos Estados Unidos foi produto da incompetência, mas, se a conversa de "conjunto inicial" é séria, pode-se ir adiante. Dois exemplos:
1) Em maio de 1971, o diretor da CIA, Richard Helms, depôs durante duas horas sobre a situação brasileira numa comissão do Senado americano. Como manda a boa norma, à época seu depoimento foi transcrito e mantido sob sigilo. Em 1987, o governo liberou 75% da transcrição. Mesmo respeitando as restrições da segurança americana, Biden poderia mandar ver o que se pode liberar dos 25% que faltaram.
2) Em julho de 1962, o embaixador americano, Lincoln Gordon, reuniu-se com o presidente Kennedy e discutiram como influenciar as eleições brasileiras daquele ano. O governo americano liberou o áudio de 28 minutos dessa conversa, omitindo sete segundos. Ali está a quantia que investiriam. Estima-se que a conta ficou nuns cinco milhões de dólares. O conhecimento exato dessa cifra ajudaria a mostrar a orgia em que viraram as eleições brasileiras, pois hoje cinco milhões de dólares são um trocado.
Por mais que o lote de 43 documentos tenha resultado numa presepada diplomática, ela não pode ser comparada à conduta dos comandantes militares brasileiros. Para que se documente a tortura e os assassinatos praticados em quartéis de Pindorama, os arquivos oficiais americanos ainda são uma fonte de informação melhor que a memória dos servidores pagos pela Viúva. É triste ver os comandantes militares dizendo que nos DOIs nada ocorria de anormal, enquanto milhares de brasileiros testemunham o contrário e até a diplomacia americana, servindo ao presidente Richard Nixon, que colaborava e torcia pela ditadura, registra que eles eram centros de tortura.
BOA NOTÍCIA
Há quatro anos, um dos maiores empresários brasileiros decidiu apadrinhar quatro alunos que haviam sido aprovados no vestibular de uma universidade privada brasileira. Todos amarrados ao andar de baixo. Uma está concluindo o curso de engenharia química na Universidade de Rouen, na França. Outra formou-se em comunicação e já foi contratada pela empresa onde estagiou. Uma terceira foi aprovada no exame da OAB e vai disputar uma vaga no concurso do BNDES. Só um continua na escola.
A fatura custou a mixaria (para o benfeitor) de R$ 520 mil, ou R$ 33 mil por aluno/ano. Cerca de R$ 400 mil pagaram a universidade. O restante ficou com uma ajuda em transporte, alimentação ou material. O empresário está formando outro grupo.
Os candidatos a presidente gastam latim falando em educação. Nenhum foi capaz de se comprometer com um projeto que estimule qualquer tipo de filantropia.
NOVO MINISTRO
Se é verdadeira a informação segundo a qual a doutora Dilma pretende anunciar o nome do substituto de Joaquim Barbosa no STF depois da eleição de outubro, há alguém com parafuso solto no Planalto.
É seu direito preenchê-la logo e, caso não seja reeleita, ofenderia o país se nomeasse um ministro do Supremo em fim de governo, a caminho de casa.
LIÇÕES DA COPA
Depois da Lapa, no Rio, a Vila Madalena, em São Paulo, tonou-se um grande centro de comemorações populares depois dos jogos da Copa.
Curiosidade: essas duas catedrais da boêmia surgiram sem que o Estado se metesse. Nunca houve o ProLapa nem o PoloVila. Coisa do povo, pelo povo, para o povo.
LEWANDOWSKI E A HARMONIA DO STF
O ministro Ricardo Lewandowski assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal num período difícil. Joaquim Barbosa, seu antecessor, engrandeceu a Casa relatando e conduzindo o processo do mensalão e exacerbou malquerenças que podem surgir em salas onde 11 pessoas são obrigadas a trabalhar juntas, expondo opiniões conflitantes.
O clima no STF está mais para aquele que se viu no caminho do vestiário depois do jogo Brasil x Chile do que para a solenidade que a Casa merece. Há ministros que mal se falam. Pelo menos um evita conversa com o próprio Lewandowski.
Se o novo presidente do tribunal restabelecer a harmonia na corte, fará um serviço inestimável. É pessoa cordial, de bons modos. Comeu com elegância o pão que Asmodeu amassou quando defendeu suas posições durante o julgamento do mensalão. Foi patrulhado e insultado. Sofreu, mas não deu troco.
Há algumas semanas, Lewandowski pisou na bola. Estava interinamente na presidência e reclamou porque os colegas iniciaram a sessão sem ele. Como as sessões têm hora marcada para começar, a agenda da corte prevalece sobre os compromissos de seus integrantes. Ele reclamou, argumentando que se atrasara porque recebia o prefeito de Londres. Veio do ministro Marco Aurélio a lembrança de que se o governador de Brasília for a Londres, o presidente da corte do Reino Unido não atrasará a sessão.
Se a turma que grampeia o mundo para o companheiro Obama lida com as informações de hoje da mesma forma como o Departamento de Estado lidou com os papéis que o vice-presidente Joseph Biden passou à doutora Dilma em junho, estão jogando dinheiro do contribuinte americano no lixo. Durante sua passagem pelo Brasil, Biden entregou 43 documentos dos anos da ditadura que estavam guardados nos arquivos americanos. Chamou-os de "conjunto inicial" de uma colaboração. Pura marquetagem, quase um vexame.
Dos 43 documentos, 25 eram de domínio público, alguns deles acessíveis na internet. Se um terceiro-secretário tivesse trabalhado direito durante uma semana na seleção desses papéis, poderia ter feito coisa melhor.
Um dos documentos é um telegrama do consulado em São Paulo, de 27 de outubro de 1970, intitulado "Morte do Chefe Terrorista". Trata do assassinato de Joaquim Câmara Ferreira, que substituiu Carlos Marighella no comando da Ação Libertadora Nacional. Conta que Câmara foi localizado graças à colaboração de Eduardo Leite, o "Bacuri", que fugiu durante a cena da captura.
Tudo mentira. O consulado propagou um "roteiro" preparado pelo Centro de Informações do Exército. Bacuri estava preso desde agosto. No dia em que o consulado expediu o telegrama, ele foi retirado da cela onde estava, no Dops, e levado para um quartel. Em dezembro, foi assassinado.
Enfiaram o vice-presidente dos Estados Unidos num vexame. Esse telegrama é conhecido desde 1986. Enquanto a embaixada em Brasília e o consulado em São Paulo estavam conveniados com o DOI, o cônsul no Rio advertia que a história da colaboração de Bacuri bem como a sua fuga eram lorota. Ele se chamava Clarence Boonstra. Seu telegrama, conhecido há mais de dez anos, foi esquecido pelos pesquisadores de Biden.
A presepada em que enfiaram o vice-presidente dos Estados Unidos foi produto da incompetência, mas, se a conversa de "conjunto inicial" é séria, pode-se ir adiante. Dois exemplos:
1) Em maio de 1971, o diretor da CIA, Richard Helms, depôs durante duas horas sobre a situação brasileira numa comissão do Senado americano. Como manda a boa norma, à época seu depoimento foi transcrito e mantido sob sigilo. Em 1987, o governo liberou 75% da transcrição. Mesmo respeitando as restrições da segurança americana, Biden poderia mandar ver o que se pode liberar dos 25% que faltaram.
2) Em julho de 1962, o embaixador americano, Lincoln Gordon, reuniu-se com o presidente Kennedy e discutiram como influenciar as eleições brasileiras daquele ano. O governo americano liberou o áudio de 28 minutos dessa conversa, omitindo sete segundos. Ali está a quantia que investiriam. Estima-se que a conta ficou nuns cinco milhões de dólares. O conhecimento exato dessa cifra ajudaria a mostrar a orgia em que viraram as eleições brasileiras, pois hoje cinco milhões de dólares são um trocado.
Por mais que o lote de 43 documentos tenha resultado numa presepada diplomática, ela não pode ser comparada à conduta dos comandantes militares brasileiros. Para que se documente a tortura e os assassinatos praticados em quartéis de Pindorama, os arquivos oficiais americanos ainda são uma fonte de informação melhor que a memória dos servidores pagos pela Viúva. É triste ver os comandantes militares dizendo que nos DOIs nada ocorria de anormal, enquanto milhares de brasileiros testemunham o contrário e até a diplomacia americana, servindo ao presidente Richard Nixon, que colaborava e torcia pela ditadura, registra que eles eram centros de tortura.
BOA NOTÍCIA
Há quatro anos, um dos maiores empresários brasileiros decidiu apadrinhar quatro alunos que haviam sido aprovados no vestibular de uma universidade privada brasileira. Todos amarrados ao andar de baixo. Uma está concluindo o curso de engenharia química na Universidade de Rouen, na França. Outra formou-se em comunicação e já foi contratada pela empresa onde estagiou. Uma terceira foi aprovada no exame da OAB e vai disputar uma vaga no concurso do BNDES. Só um continua na escola.
A fatura custou a mixaria (para o benfeitor) de R$ 520 mil, ou R$ 33 mil por aluno/ano. Cerca de R$ 400 mil pagaram a universidade. O restante ficou com uma ajuda em transporte, alimentação ou material. O empresário está formando outro grupo.
Os candidatos a presidente gastam latim falando em educação. Nenhum foi capaz de se comprometer com um projeto que estimule qualquer tipo de filantropia.
NOVO MINISTRO
Se é verdadeira a informação segundo a qual a doutora Dilma pretende anunciar o nome do substituto de Joaquim Barbosa no STF depois da eleição de outubro, há alguém com parafuso solto no Planalto.
É seu direito preenchê-la logo e, caso não seja reeleita, ofenderia o país se nomeasse um ministro do Supremo em fim de governo, a caminho de casa.
LIÇÕES DA COPA
Depois da Lapa, no Rio, a Vila Madalena, em São Paulo, tonou-se um grande centro de comemorações populares depois dos jogos da Copa.
Curiosidade: essas duas catedrais da boêmia surgiram sem que o Estado se metesse. Nunca houve o ProLapa nem o PoloVila. Coisa do povo, pelo povo, para o povo.
LEWANDOWSKI E A HARMONIA DO STF
O ministro Ricardo Lewandowski assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal num período difícil. Joaquim Barbosa, seu antecessor, engrandeceu a Casa relatando e conduzindo o processo do mensalão e exacerbou malquerenças que podem surgir em salas onde 11 pessoas são obrigadas a trabalhar juntas, expondo opiniões conflitantes.
O clima no STF está mais para aquele que se viu no caminho do vestiário depois do jogo Brasil x Chile do que para a solenidade que a Casa merece. Há ministros que mal se falam. Pelo menos um evita conversa com o próprio Lewandowski.
Se o novo presidente do tribunal restabelecer a harmonia na corte, fará um serviço inestimável. É pessoa cordial, de bons modos. Comeu com elegância o pão que Asmodeu amassou quando defendeu suas posições durante o julgamento do mensalão. Foi patrulhado e insultado. Sofreu, mas não deu troco.
Há algumas semanas, Lewandowski pisou na bola. Estava interinamente na presidência e reclamou porque os colegas iniciaram a sessão sem ele. Como as sessões têm hora marcada para começar, a agenda da corte prevalece sobre os compromissos de seus integrantes. Ele reclamou, argumentando que se atrasara porque recebia o prefeito de Londres. Veio do ministro Marco Aurélio a lembrança de que se o governador de Brasília for a Londres, o presidente da corte do Reino Unido não atrasará a sessão.
06 de julho de 2014
Elio Gaspari, Folha de SP
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