E assim chegamos à campanha eleitoral com um ambiente econômico pior do que no início deste ano
Do que a gente estava falando antes?
Isso, antes das férias de verão, esticadas pelo carnaval tardio, Semana Santa e antes da Copa — o que era mesmo?
Havia uma preocupação com a combinação entre crescimento e inflação. Esta parecia estar subindo em relação a 2013, quando já fora alta. E a economia parecia desacelerar.
Essa percepção piorou. De fato, os preços sobem mais que o esperado e o crescimento é mais fraco. Não, a Copa não salva o ano.
Claro que trouxe turistas e dinheiro — até mais que se calculava. Mas houve uma espécie de compensação: os negócios relativos à Copa bombaram: roupas e calçados esportivos, por exemplo, e, claro, hotéis e restaurantes. Os demais minguaram por causa do excesso de feriados e falsos dias úteis. Também por causa do espírito geral: com a festa, quase todo mundo distraído com jogos e movimentação de torcedores, era difícil se concentrar no trabalho.
Pessoal reunido na Feira Internacional de Moda em Calçados, nesta semana, em São Paulo, constatou: o primeiro semestre foi de férias, perdido. Companhias aéreas, que poderiam ser favorecidas, também sofreram com a compensação. A TAM, por exemplo, calcula que a demanda de passageiros caiu 5% no período da Copa.
Ocorre que os “voos corporativos" — das pessoas que estão a trabalho, em eventos, reuniões, consultas, treinamento — simplesmente sumiram. Foram substituídos pelos turistas nacionais e estrangeiros, com forte aumento das viagens para as cidades da Copa. Mas não foi o suficiente. No balanço geral, deu uma pequena perda.
Foram criados empregos, mas temporários na maior parte. O fato de algumas obras não terem terminado até pode ajudar neste quesito: o pessoal continua trabalhando nelas. Com impacto limitado, porém. Antes da Copa, mesmo durante a construção de estádios, a geração de vagas formais continuou enfraquecida.
Tudo considerado, e como aconteceu em outros países, o efeito positivo do grande evento está mais na psicologia do povo. Fez-se uma grande festa. Ainda mais entre nós, dado o temor de que algo ruim pudesse ter acontecido. Foi alegria e alívio. Isso pode animar estrangeiros a voltarem para o turismo, mas vai depender lá na frente da cotação do dólar e dos preços por aqui.
Veremos.
Outra coisa que poderia ser positiva neste momento seria o fim das manifestações oportunistas, como greve nos transportes na véspera dos jogos. Não há mais instrumento de chantagem.
O problema é que se aproximam as eleições, outra oportunidade para reivindicações, justas ou não, democráticas ou não. Se as eleições se radicalizarem, preparem-se.
E assim chegamos à campanha eleitoral com um ambiente econômico pior do que no início deste ano. A população, na imensa maioria, se concentrou na seleção e suspendeu a bronca com a inflação, a paradeira na criação de empregos e a má qualidade dos serviços públicos. Como se sentirá agora?
Reparem: foram 26 mil homens na segurança da final no Maracanã. Tudo em paz. Mas quantos estarão disponíveis numa próxima final Flamengo e Fluminense? Os trens e ônibus “expressos da Copa” andaram bem em quase todas as cidades, mas em dias feriados ou falsos úteis. Agora, voltam todos ao normal, que é não é bom.
Como a população voltará a esses temas? Difícil avaliar, ainda mais que o ambiente estará tomado pela campanha eleitoral no rádio e TV, ou seja, pela capacidade (ou incapacidade) dos candidatos de fazer a cabeça e a mente dos eleitores.
E nem ganhamos a Copa.
EXEMPLO
Comentou-se depois do 7 a 1: isso mostra a superioridade da racionalidade e do planejamento dos alemães sobre o improviso e o jeitinho brasileiro.
Mas a Argentina esteve perto de ganhar da Alemanha? Pois então, se tivesse vencido, isso teria demonstrado a superioridade da viveza criolla?
O que quer dizer?
É mais ou menos a versão argentina para o nosso “jeitinho”, o modo de fazer as coisas no improviso, sem respeito às regras. Isso mesmo, o jeitinho não é coisa nossa, tem disso por toda a América Latina.
E dá errado em toda a região. Mas não foi por isso que perdemos da Alemanha. Não se pode dizer que as seleções brasileira e argentina eram dois times catados. Foram montados e treinados por um bom tempo. Claro, podem ter sido mal planejados e mal treinados, certamente o caso do Brasil.
Mas o que a vitória dos alemães significa é que eles estão jogando mais bola que a gente, na tática e na arte.
E que a expectativa de hexa no Maraca, certeza universal, destruiu o emocional do nosso time.
Do que a gente estava falando antes?
Isso, antes das férias de verão, esticadas pelo carnaval tardio, Semana Santa e antes da Copa — o que era mesmo?
Havia uma preocupação com a combinação entre crescimento e inflação. Esta parecia estar subindo em relação a 2013, quando já fora alta. E a economia parecia desacelerar.
Essa percepção piorou. De fato, os preços sobem mais que o esperado e o crescimento é mais fraco. Não, a Copa não salva o ano.
Claro que trouxe turistas e dinheiro — até mais que se calculava. Mas houve uma espécie de compensação: os negócios relativos à Copa bombaram: roupas e calçados esportivos, por exemplo, e, claro, hotéis e restaurantes. Os demais minguaram por causa do excesso de feriados e falsos dias úteis. Também por causa do espírito geral: com a festa, quase todo mundo distraído com jogos e movimentação de torcedores, era difícil se concentrar no trabalho.
Pessoal reunido na Feira Internacional de Moda em Calçados, nesta semana, em São Paulo, constatou: o primeiro semestre foi de férias, perdido. Companhias aéreas, que poderiam ser favorecidas, também sofreram com a compensação. A TAM, por exemplo, calcula que a demanda de passageiros caiu 5% no período da Copa.
Ocorre que os “voos corporativos" — das pessoas que estão a trabalho, em eventos, reuniões, consultas, treinamento — simplesmente sumiram. Foram substituídos pelos turistas nacionais e estrangeiros, com forte aumento das viagens para as cidades da Copa. Mas não foi o suficiente. No balanço geral, deu uma pequena perda.
Foram criados empregos, mas temporários na maior parte. O fato de algumas obras não terem terminado até pode ajudar neste quesito: o pessoal continua trabalhando nelas. Com impacto limitado, porém. Antes da Copa, mesmo durante a construção de estádios, a geração de vagas formais continuou enfraquecida.
Tudo considerado, e como aconteceu em outros países, o efeito positivo do grande evento está mais na psicologia do povo. Fez-se uma grande festa. Ainda mais entre nós, dado o temor de que algo ruim pudesse ter acontecido. Foi alegria e alívio. Isso pode animar estrangeiros a voltarem para o turismo, mas vai depender lá na frente da cotação do dólar e dos preços por aqui.
Veremos.
Outra coisa que poderia ser positiva neste momento seria o fim das manifestações oportunistas, como greve nos transportes na véspera dos jogos. Não há mais instrumento de chantagem.
O problema é que se aproximam as eleições, outra oportunidade para reivindicações, justas ou não, democráticas ou não. Se as eleições se radicalizarem, preparem-se.
E assim chegamos à campanha eleitoral com um ambiente econômico pior do que no início deste ano. A população, na imensa maioria, se concentrou na seleção e suspendeu a bronca com a inflação, a paradeira na criação de empregos e a má qualidade dos serviços públicos. Como se sentirá agora?
Reparem: foram 26 mil homens na segurança da final no Maracanã. Tudo em paz. Mas quantos estarão disponíveis numa próxima final Flamengo e Fluminense? Os trens e ônibus “expressos da Copa” andaram bem em quase todas as cidades, mas em dias feriados ou falsos úteis. Agora, voltam todos ao normal, que é não é bom.
Como a população voltará a esses temas? Difícil avaliar, ainda mais que o ambiente estará tomado pela campanha eleitoral no rádio e TV, ou seja, pela capacidade (ou incapacidade) dos candidatos de fazer a cabeça e a mente dos eleitores.
E nem ganhamos a Copa.
EXEMPLO
Comentou-se depois do 7 a 1: isso mostra a superioridade da racionalidade e do planejamento dos alemães sobre o improviso e o jeitinho brasileiro.
Mas a Argentina esteve perto de ganhar da Alemanha? Pois então, se tivesse vencido, isso teria demonstrado a superioridade da viveza criolla?
O que quer dizer?
É mais ou menos a versão argentina para o nosso “jeitinho”, o modo de fazer as coisas no improviso, sem respeito às regras. Isso mesmo, o jeitinho não é coisa nossa, tem disso por toda a América Latina.
E dá errado em toda a região. Mas não foi por isso que perdemos da Alemanha. Não se pode dizer que as seleções brasileira e argentina eram dois times catados. Foram montados e treinados por um bom tempo. Claro, podem ter sido mal planejados e mal treinados, certamente o caso do Brasil.
Mas o que a vitória dos alemães significa é que eles estão jogando mais bola que a gente, na tática e na arte.
E que a expectativa de hexa no Maraca, certeza universal, destruiu o emocional do nosso time.
23 de julho de 2014
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário