Como último eco da Copa, estejamos certos de que o futebol não é uma caixinha de surpresas. Se procurarmos bem, sem paixão, o melhor sempre vence.
Vejamos o final da Copa. Kroos e Müller destroçaram a retaguarda abestalhada do Brasil.
Sabella, o técnico da Argentina, viu tudo e tirou suas conclusões. Reconheceu a superioridade tática do adversário e procurou vencê-lo na retranca e nos contra-ataques, contando com Messi e Higuain. Disciplinados, os argentinos cumpriram as instruções ao pé da letra e só não venceram pela incompetência de Higuain (um chute) e o azar de Messi (outro chute), ambos raspando a trave,como goleiro alemão fora do posicionamento ideal.
Mascherano foi o maestro do time argentino.
Mereceu, com o incansável Schweinsteiger e o ganese naturalizado alemão Boateng, o título dos melhores em campo. Boateng parou Messi sem violência alguma. É da estirpe de Newton Santos. Desarma na marcação, a arte da antecipação, da travada e da tomada de bola.
Pelos números da Fifa, a Alemanha teve posse de bola 60% do tempo e executou impressionantes 64 ataques contra 27 da Argentina.
Isso posto, os teutões tiveram quase três vezes mais oportunidades de criar jogadas de gol. Então, por que não golearam? Pela retranca argentina, que só permitiu sete chutes a gol com reais chances de vazar o valente goleiro dos hermanos. A Argentina, portanto, cedeu espaço aos alemães e se protegeu, colocou a defesa e o meio de campo à altura de sua intermediária, com sete e, às vezes, oito jogadores.
Equivale a dizer que três quartos do campo estiveram sob a soberania alemã.
A Argentina, coisa que o Brasil não fez nem saberia fazer, confiava exclusivamente nos contra-ataques, que não ocorriam. Basta dizer que, no primeiro tempo do jogo, a seleção sul-americana deu apenas um chute em direção ao gol, assim mesmo porque Kroos, num momento de brasilidade, à moda do raçudo, mas esquentado, David Luiz, cabeceou para trás sem ver Higuain, frente a frente com um atônito Neuer. O argentino de cabelinho arrumado e sobrancelhas feitas errou o chute ridiculamente. Gol feito, gol perdido, fazer o quê? O ponteiro do relógio marcava 21 minutos de jogo.
No segundo tempo, tivemos aquela investida do Messi, a passinhos curtos, e um chutaço com força, na transversal, raspando a trave. Tentou e errou. A Argentina ficava no zero, mas fechava a grande área.
Quem sabe na prorrogação a sorte lhes sorriria, depois de tanto sufoco? Ou Francisco lá em Roma os faria vencer nos pênaltis? Diga-se de passagem, que não vi nenhum alemão rezando, fazendo preces, se persignando ou elevando os olhos para o céu. Futebol não é coisa de santo, se não um lúdico jogo de homens, correndo em campo como crianças. O que fizeram depois da vitória foi imitar a dança ritual do desejo de ganhar dos índios pataxós, uma homenagem aos simpáticos silvícolas da região onde primeiro chegaram os portugueses e onde rezaram a 1ª Missa, em Santa Cruz Cabrália. Uns simpáticos meninões esses alemães, animados e brincalhões, porém sérios na hora de jogar, como convém! Em Berlim, encantados com e pelos pataxós, subiram em carro aberto, um atrás do outro, com a mão do detrás no ombro do que lhe ia à frente, como os índios fazem, a simbolizar (que simbiose) um espírito de equipe quase tribal. O mesmo faziam os jogadores brasileiros, mas sem treino eficaz. Mais uma vez agradeceram o apoio do simpático povo brasileiro, especialmente dos expansivos moradores de Porto Seguro. Havia um cartaz no carro dos alemães com os dizeres: "Obrigado, Brasil, pela Copa maravilhosa".
Em Berlim, fizeram uma humilhação aos gaúchos, como se intitulam, às vezes, os argentinos, andando estranhamente vergados, para logo dizerem: "Somos alemães, caminhamos erguidos". O jornal Olé, de Buenos Aires, sentiu o golpe, perdeu o bom humor (com que satirizavam os brasileiros) e os acusou de racistas. Achei de mau gosto equiparar os argentinos a homens-macacos.
Merece repúdio. Se a intenção foi essa, ficaram no mesmo plano dos argentinos que nos chamam de "macaquitos" e se autoproclamamos europeus da América Latina.
Os argentinos não entraram em campo vergados; nós entramos convencidos como sói acontecer neste país sem autocrítica e responsabilidade (levamos de 7 x 1).
Contudo, somos simpáticos, ao contrário dos hermanos, difíceis de serem estimados.
Qual a razão? Arrogância? Desrespeito aos outros? Seja lá como for, o orgulho alemão é sempre perigoso. O grito nacionalista "Alemanha acima de tudo" (Deutschland über alles) gerou o holocausto, este sim, um ato que envergonhará o povo alemão por toda a eternidade. Melhor o "ubuntu" sul-africano. "O homem só é homem quando se reconhece no outro homem." Por isso mesmo o massacre indiscriminado de crianças e civis em Gaza revolta a humanidade.
Somos uma só irmandade no Planeta Terra. Não podemos esquecer!
23 de julho de 2014
Sacha Calmon, Correio Braziliense
Vejamos o final da Copa. Kroos e Müller destroçaram a retaguarda abestalhada do Brasil.
Sabella, o técnico da Argentina, viu tudo e tirou suas conclusões. Reconheceu a superioridade tática do adversário e procurou vencê-lo na retranca e nos contra-ataques, contando com Messi e Higuain. Disciplinados, os argentinos cumpriram as instruções ao pé da letra e só não venceram pela incompetência de Higuain (um chute) e o azar de Messi (outro chute), ambos raspando a trave,como goleiro alemão fora do posicionamento ideal.
Mascherano foi o maestro do time argentino.
Mereceu, com o incansável Schweinsteiger e o ganese naturalizado alemão Boateng, o título dos melhores em campo. Boateng parou Messi sem violência alguma. É da estirpe de Newton Santos. Desarma na marcação, a arte da antecipação, da travada e da tomada de bola.
Pelos números da Fifa, a Alemanha teve posse de bola 60% do tempo e executou impressionantes 64 ataques contra 27 da Argentina.
Isso posto, os teutões tiveram quase três vezes mais oportunidades de criar jogadas de gol. Então, por que não golearam? Pela retranca argentina, que só permitiu sete chutes a gol com reais chances de vazar o valente goleiro dos hermanos. A Argentina, portanto, cedeu espaço aos alemães e se protegeu, colocou a defesa e o meio de campo à altura de sua intermediária, com sete e, às vezes, oito jogadores.
Equivale a dizer que três quartos do campo estiveram sob a soberania alemã.
A Argentina, coisa que o Brasil não fez nem saberia fazer, confiava exclusivamente nos contra-ataques, que não ocorriam. Basta dizer que, no primeiro tempo do jogo, a seleção sul-americana deu apenas um chute em direção ao gol, assim mesmo porque Kroos, num momento de brasilidade, à moda do raçudo, mas esquentado, David Luiz, cabeceou para trás sem ver Higuain, frente a frente com um atônito Neuer. O argentino de cabelinho arrumado e sobrancelhas feitas errou o chute ridiculamente. Gol feito, gol perdido, fazer o quê? O ponteiro do relógio marcava 21 minutos de jogo.
No segundo tempo, tivemos aquela investida do Messi, a passinhos curtos, e um chutaço com força, na transversal, raspando a trave. Tentou e errou. A Argentina ficava no zero, mas fechava a grande área.
Quem sabe na prorrogação a sorte lhes sorriria, depois de tanto sufoco? Ou Francisco lá em Roma os faria vencer nos pênaltis? Diga-se de passagem, que não vi nenhum alemão rezando, fazendo preces, se persignando ou elevando os olhos para o céu. Futebol não é coisa de santo, se não um lúdico jogo de homens, correndo em campo como crianças. O que fizeram depois da vitória foi imitar a dança ritual do desejo de ganhar dos índios pataxós, uma homenagem aos simpáticos silvícolas da região onde primeiro chegaram os portugueses e onde rezaram a 1ª Missa, em Santa Cruz Cabrália. Uns simpáticos meninões esses alemães, animados e brincalhões, porém sérios na hora de jogar, como convém! Em Berlim, encantados com e pelos pataxós, subiram em carro aberto, um atrás do outro, com a mão do detrás no ombro do que lhe ia à frente, como os índios fazem, a simbolizar (que simbiose) um espírito de equipe quase tribal. O mesmo faziam os jogadores brasileiros, mas sem treino eficaz. Mais uma vez agradeceram o apoio do simpático povo brasileiro, especialmente dos expansivos moradores de Porto Seguro. Havia um cartaz no carro dos alemães com os dizeres: "Obrigado, Brasil, pela Copa maravilhosa".
Em Berlim, fizeram uma humilhação aos gaúchos, como se intitulam, às vezes, os argentinos, andando estranhamente vergados, para logo dizerem: "Somos alemães, caminhamos erguidos". O jornal Olé, de Buenos Aires, sentiu o golpe, perdeu o bom humor (com que satirizavam os brasileiros) e os acusou de racistas. Achei de mau gosto equiparar os argentinos a homens-macacos.
Merece repúdio. Se a intenção foi essa, ficaram no mesmo plano dos argentinos que nos chamam de "macaquitos" e se autoproclamamos europeus da América Latina.
Os argentinos não entraram em campo vergados; nós entramos convencidos como sói acontecer neste país sem autocrítica e responsabilidade (levamos de 7 x 1).
Contudo, somos simpáticos, ao contrário dos hermanos, difíceis de serem estimados.
Qual a razão? Arrogância? Desrespeito aos outros? Seja lá como for, o orgulho alemão é sempre perigoso. O grito nacionalista "Alemanha acima de tudo" (Deutschland über alles) gerou o holocausto, este sim, um ato que envergonhará o povo alemão por toda a eternidade. Melhor o "ubuntu" sul-africano. "O homem só é homem quando se reconhece no outro homem." Por isso mesmo o massacre indiscriminado de crianças e civis em Gaza revolta a humanidade.
Somos uma só irmandade no Planeta Terra. Não podemos esquecer!
23 de julho de 2014
Sacha Calmon, Correio Braziliense
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