"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

DINHEIRO SOBRE A MESA

Com R$ 250 bilhões de desonerações, é descabido cogitar mais renúncia fiscal ou aumento de impostos

OS RESULTADOS orçamentários do governo federal, com a arrecadação em queda e os gastos em alta, não recomendam maiores desonerações fiscais, por mais justas e necessárias que elas sejam. Não fossem os problemas do Orçamento federal, uma parada técnica tanto de novos gastos como de desonerações já seria aconselhável para que a sociedade avaliasse a eficácia de tais decisões. Historicamente, o orçamento tem sido sempre deficitário. Deficit são financiados com a emissão de papéis do Tesouro, implicando aumento de sua dívida pública.

E não é só. Um ponto crucial, ao qual não se dá a devida importância, é o estoque de desonerações, também chamadas de incentivos fiscais. Não é possível que uma profunda revisão no inventário desses incentivos, empilhados durante décadas de ajuda oficial a diversos setores para atender diferentes finalidades, não encontre itens que possam ser repensados ou simplesmente eliminados.

O Orçamento federal abriga dezenas de renúncias de arrecadação. Muitas delas certamente já caducaram e, assim, perderam razão de existir. Ou o percentual de renúncia devesse ser revisto, tal como faxina para abrir espaço nos armários de casa. O que há a liberar é dinheiro grosso para outros fins, o suficiente, aliás, para evitar novos aumentos de impostos, como tem se ventilado, ou quiçá até reduzir a carga tributária.

O valor do que a Receita Federal chama de gasto tributário foi estimado na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2014 em enormes R$ 249,7 bilhões, correspondendo a 20,6% da arrecadação prevista para todo o ano --ou 4,76% do Produto Interno Bruto (PIB). Equivale a 85% do Imposto de Renda recolhido por empresas, bancos e pessoas no ano passado. Ou a dez vezes o gasto anual do Bolsa Família, que atende 14,1 milhões de famílias (cerca de 50 milhões de pessoas).

Não se faz, a priori, juízo de valor sobre tais renúncias fiscais. O que se discute é o acúmulo silencioso da miríade de "isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza tributária, financeira e creditícia", como a Receita define tais desonerações.

Com 19 funções orçamentárias listadas entre os benefícios, envolvendo 147 subitens, cobrindo itens variados, de transporte escolar a insumos processados na Zona Franca de Manaus, quase nada se sabe sobre o resultado desses incentivos (vários deles longevos, embora nenhum tenha validade permanente) nem sobre a sua eficácia.

Os benefícios fiscais têm prazo para expirar, mas na prática raramente é assim. O desconto do IPI sobre a venda de carros, por exemplo, existe desde 2009, embora venha sendo renovado sucessivamente. Neste ano, antes de o governo se decidir por mais uma prorrogação, a perda de arrecadação estava estimada pela Receita em R$ 1,3 bilhão. Cabe a dúvida sobre a pertinência desse subsídio, depois de seis anos de desoneração.

A situação do Simples Nacional é diferente. Essa modalidade deve representar uma renúncia tributária de R$ 12,3 bilhões neste ano, 5% do total da arrecadação desonerada. O que cabe indagar é se seria correto tratar como incentivo fiscal o que, de fato, requer um corte permanente da carga tributária sobre as pequenas e médias empresas.

Há casos em que a desoneração é um simples exercício de bom senso tributário; noutros, a persistência do benefício se deve à força de lobbies; e há situações ainda em que o confronto entre o resultado do incentivo fiscal vis-à-vis o custo-oportunidade da receita perdida deve deixar os governantes vexados.

Com carga tributária de 36% do PIB, a maior do mundo para países com renda per capita assemelhada, deficit orçamentário de 4% do PIB e a dificuldade do governo em entregar a sua meta de superavit primário, tudo o que não se espera é que haja dinheiro de impostos deixado sobre a mesa, no mais das vezes, devido à falta de controle sobre o resultado pretendido em cada desoneração.

Se há 5% do PIB distribuídos à revelia do sistema de freios e contrapesos da sociedade, vamos combinar o seguinte: é impróprio cogitarem-se mais subsídios e, sobretudo, novos aumentos de impostos. É imperativa uma revisão urgente dessa montanha de benefícios tributários, porque, em minha opinião, parece evidente que existem muitos recursos a recuperar.

 
23 de julho de 2014
Pedro Luiz Passos, Folha de SP

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