O vexame da seleção brasileira na Copa do Mundo poderá afetar as avaliações do eleitor
Em que medida o desastroso desempenho da seleção na Copa poderá afetar a eleição presidencial? O que se pode dizer sobre essa questão complexa que vem dividindo analistas do quadro eleitoral?
O governo sempre sonhou com a possibilidade de extrair fartos benefícios eleitorais da Copa. É claro que muitos dos seus devaneios iniciais foram superados pela realidade dos fatos. E, há alguns meses, diante das dificuldades encontradas na complexa organização do evento e do risco de que os jogos pudessem ser empanados por distúrbios violentos, o governo chegou a cruzar os dedos e simplesmente rezar para que as coisas dessem certo.
Receando que não dessem, o Planalto, de início, procurou guardar distância prudente do evento, especialmente após os lamentáveis insultos à presidente Dilma na cerimônia de abertura. Mas, aos poucos, ao constatar que, apesar dos temores, a organização do evento vinha sendo bem avaliada e que a seleção avançara até as semifinais, o Planalto decidiu voltar a se envolver mais de perto com o evento.
Ganhara força a esperança de que uma vitória do Brasil na Copa pudesse, afinal, dissipar o clima de desalento que tanto vem preocupando o governo. Ao discutir como reverter o “mau humor” de segmentos importantes do eleitorado em relação à presidente Dilma, no fim de junho, o ex-presidente Lula foi muito claro sobre a importância que vinha atribuindo a uma vitória da seleção na Copa. “Nós vamos ganhar esse caneco porque o Brasil está precisando.” (“O Estado de S. Paulo”, 25 de junho)
Tivesse a seleção sido simplesmente desclassificada, a frustração dessa expectativa de reversão do “mau humor” teria tido pouco impacto sobre o projeto da reeleição. Mas o que se viu no fatídico jogo de 8 de julho, no Mineirão, não foi uma mera desclassificação e, sim, uma traumática e humilhante derrota por 7 a 1 para a Alemanha. Que diferença isso pode ter feito?
Os mais propensos ao cartesianismo clamam pelo bom senso. Gente, foi só um jogo... Mas a verdade é que foi bem mais do que isso. Respaldado por longa reflexão sobre a antropologia do futebol, Roberto DaMatta nos lembra (“O Estado de S. Paulo”, 12 de julho) que, “numa Copa do Mundo, os times não são clubes, mas símbolos vivos de estados nacionais que, obviamente, vão além do futebol”.
País afora, o 7 a 1 deflagrou um processo generalizado do que os anglo-saxões chamam de soul searching. Cada um à sua maneira, perplexos, indignados e revoltados, estamos todos remoendo o desastre na Copa, em busca das razões profundas para desempenho tão lamentável, compelidos a aceitar fatos que nos recusávamos a enxergar. É um processo que promete ser prolongado e penoso. E que, longe de estar restrito à introspecção, deverá ser marcado por muita interação, troca de ideias e desabafos.
É bem possível que esse turbilhão de reflexão coletiva redunde em sério agravamento do que o governo rotula de “mau humor”. E que esse estado de espírito deixe o eleitorado bem mais refratário à campanha eleitoral etérea e escapista que o Planalto vem ensaiando, para tentar passar ao largo do outro espinhoso 7 a 1 com que o governo terá de lidar neste fim de mandato.
Não bastasse o risco de que a inflação ultrapasse 7% em 2015, quando o represamento eleitoreiro de preços administrados for afinal rompido, o PIB mal deverá crescer 1% em 2014. Por absurdo que possa parecer, a intenção do governo era passar batido por esse desastre, acenar com a vaga promessa marqueteira de “um novo ciclo histórico de prosperidade” e só falar da política econômica de 2015 depois das eleições.
Esse discurso escapista ficou agora bem mais difícil. Com o país inteiro engajado em intensa troca de impressões sobre os resultados desastrosos que podem advir da improvisação, do voluntarismo e da arrogância, as inevitáveis analogias entre o futebol e a economia vão se tornar cada vez mais frequentes.
O Planalto tem boas razões para estar preocupado. E não pode reclamar das analogias fáceis. Foi a presidente quem primeiro sugeriu que seu governo era “padrão Felipão”.
23 de julho de 2014
Rogério Furquim Werneck, O Globo
Em que medida o desastroso desempenho da seleção na Copa poderá afetar a eleição presidencial? O que se pode dizer sobre essa questão complexa que vem dividindo analistas do quadro eleitoral?
O governo sempre sonhou com a possibilidade de extrair fartos benefícios eleitorais da Copa. É claro que muitos dos seus devaneios iniciais foram superados pela realidade dos fatos. E, há alguns meses, diante das dificuldades encontradas na complexa organização do evento e do risco de que os jogos pudessem ser empanados por distúrbios violentos, o governo chegou a cruzar os dedos e simplesmente rezar para que as coisas dessem certo.
Receando que não dessem, o Planalto, de início, procurou guardar distância prudente do evento, especialmente após os lamentáveis insultos à presidente Dilma na cerimônia de abertura. Mas, aos poucos, ao constatar que, apesar dos temores, a organização do evento vinha sendo bem avaliada e que a seleção avançara até as semifinais, o Planalto decidiu voltar a se envolver mais de perto com o evento.
Ganhara força a esperança de que uma vitória do Brasil na Copa pudesse, afinal, dissipar o clima de desalento que tanto vem preocupando o governo. Ao discutir como reverter o “mau humor” de segmentos importantes do eleitorado em relação à presidente Dilma, no fim de junho, o ex-presidente Lula foi muito claro sobre a importância que vinha atribuindo a uma vitória da seleção na Copa. “Nós vamos ganhar esse caneco porque o Brasil está precisando.” (“O Estado de S. Paulo”, 25 de junho)
Tivesse a seleção sido simplesmente desclassificada, a frustração dessa expectativa de reversão do “mau humor” teria tido pouco impacto sobre o projeto da reeleição. Mas o que se viu no fatídico jogo de 8 de julho, no Mineirão, não foi uma mera desclassificação e, sim, uma traumática e humilhante derrota por 7 a 1 para a Alemanha. Que diferença isso pode ter feito?
Os mais propensos ao cartesianismo clamam pelo bom senso. Gente, foi só um jogo... Mas a verdade é que foi bem mais do que isso. Respaldado por longa reflexão sobre a antropologia do futebol, Roberto DaMatta nos lembra (“O Estado de S. Paulo”, 12 de julho) que, “numa Copa do Mundo, os times não são clubes, mas símbolos vivos de estados nacionais que, obviamente, vão além do futebol”.
País afora, o 7 a 1 deflagrou um processo generalizado do que os anglo-saxões chamam de soul searching. Cada um à sua maneira, perplexos, indignados e revoltados, estamos todos remoendo o desastre na Copa, em busca das razões profundas para desempenho tão lamentável, compelidos a aceitar fatos que nos recusávamos a enxergar. É um processo que promete ser prolongado e penoso. E que, longe de estar restrito à introspecção, deverá ser marcado por muita interação, troca de ideias e desabafos.
É bem possível que esse turbilhão de reflexão coletiva redunde em sério agravamento do que o governo rotula de “mau humor”. E que esse estado de espírito deixe o eleitorado bem mais refratário à campanha eleitoral etérea e escapista que o Planalto vem ensaiando, para tentar passar ao largo do outro espinhoso 7 a 1 com que o governo terá de lidar neste fim de mandato.
Não bastasse o risco de que a inflação ultrapasse 7% em 2015, quando o represamento eleitoreiro de preços administrados for afinal rompido, o PIB mal deverá crescer 1% em 2014. Por absurdo que possa parecer, a intenção do governo era passar batido por esse desastre, acenar com a vaga promessa marqueteira de “um novo ciclo histórico de prosperidade” e só falar da política econômica de 2015 depois das eleições.
Esse discurso escapista ficou agora bem mais difícil. Com o país inteiro engajado em intensa troca de impressões sobre os resultados desastrosos que podem advir da improvisação, do voluntarismo e da arrogância, as inevitáveis analogias entre o futebol e a economia vão se tornar cada vez mais frequentes.
O Planalto tem boas razões para estar preocupado. E não pode reclamar das analogias fáceis. Foi a presidente quem primeiro sugeriu que seu governo era “padrão Felipão”.
23 de julho de 2014
Rogério Furquim Werneck, O Globo
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